Informativo do STF 558 de 11/09/2009
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 1
O Tribunal iniciou julgamento de pedido de extradição executória formulado pelo Governo da Itália contra nacional italiano condenado à pena de prisão perpétua pela prática de quatro homicídios naquele país. O Min. Cezar Peluso, relator, deferiu a extradição, sob a condição formal de comutação da pena perpétua por privativa de liberdade por tempo não superior a trinta anos, e, em conseqüência, julgou prejudicado o mandado de segurança julgado em conjunto. Examinou, de início, questão preliminar ao pedido de extradição diante da concessão do status de refugiado ao extraditando pelo Ministro da Justiça, concluindo pela ilegalidade e pela ineficácia desse ato. Asseverou que, não obstante a Corte, em princípio e incidentalmente, houvesse declarado, no julgamento da Ext 1008/Governo da Colômbia (DJE de 17.8.2007), a constitucionalidade do art. 33 da Lei 9.474/97 (“o reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio.”), e independentemente da estima do acerto, ou não, dessa decisão, destacou que ficariam por esclarecer as condições em que a outorga de refúgio extinguiria o processo de extradição. No ponto, ressaltou que, apesar de reconhecido, naquele julgado, o caráter político-administrativo da decisão concessiva de refúgio, revendo os termos e o alcance da lei, à luz sistêmica da ordem jurídica, aduziu que tal afirmação não poderia ser entendida em acepção demasiado estrita, nem que o fato de o poder ou dever de outorga ser atribuição reservada à competência própria da União, por representar o país nas relações internacionais, lhe subtrairia, de forma absoluta, os respectivos atos jurídico-administrativos ao ordinário controle jurisdicional de legalidade (judicial review). Ext 1085/Governo da Itália, rel. Min. Cezar Peluso, 9.9.2009. (Ext-1085)
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Assim, não haveria como, na interpretação unitária e constitucional do regime normativo do instituto do refúgio, estabelecer, de forma dogmática, que, independentemente de reverência à ordem jurídica, toda decisão emanada do Poder Executivo produzisse, em qualquer caso, o efeito ou efeitos típicos a que tendesse. Explicou que não o haveria, porque, nos limites do caso, como nítida questão prévia suscitada, teria a legalidade do ato administrativo de ser conhecida e decidida pela Corte como tema preliminar, suposto profundamente vinculado ao mérito mesmo do pedido de extradição, que não poderia deixar de ser julgado, se se concluísse pela invalidez e ineficácia da concessão do refúgio. Ademais, disse que o reconhecimento da condição de refugiado constituiria ato vinculado aos requisitos expressos e taxativos que a lei lhe imporia como condição necessária de validade. Dessa forma, a decisão do Ministro da Justiça não fugiria ao controle jurisdicional sobre eventual observância dos requisitos de legalidade, em especial da verificação de correspondência entre sua motivação necessária declarada e as fattispecie normativas pertinentes, campo em que ganharia superior importância a indagação de juridicidade dos motivos, até para se aferir se não teria sido usurpada, na matéria de extradição, competência constitucional exclusiva do Supremo. Observou que, à luz da competência estatuída na Constituição Federal, o confronto entre os artigos 1º e 33 da Lei 9.474/97, que, respectivamente, tipifica as hipóteses de reconhecimento da condição de refugiado e lhe prevê a declaração formal como causa externa impeditiva de extradição, revelaria e imporia ao intérprete uma distinção decisiva para solução da espécie. Expôs que, em nosso sistema normativo-constitucional, haveria, por um lado, a regulamentação de toda a matéria de refúgio, com suas hipóteses fechadas, as quais, em caso de reconhecimento da condição de refugiado, atuariam como autênticas causas extrínsecas obstativas de extradição, na medida em que adviriam de juízo autorizado e vinculado da autoridade administrativa e, como tais, seriam externas ao âmbito do processo de extradição. Por outro lado, o ordenamento discerniria a previsão e a disciplina de causas intrínsecas de não extradição, as quais constituiriam tema ou objeto necessário da cognição compreendida na competência jurisdicional do Supremo no processo de extradição. Ext 1085/Governo da Itália, rel. Min. Cezar Peluso, 9.9.2009. (Ext-1085)
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De acordo com o relator, as causas intrínsecas, enquanto causas excludentes interiores ao regime legal do instituto e do processo de extradição, substanciariam temática própria do mérito de processo cometido à competência constitucional exclusiva do Supremo, no sentido de que deveria este, no julgamento daquele, examiná-las todas, inclusive de ofício, a fim de verificar a sua ocorrência, ou não, em cada caso, haja vista que o reconhecimento de qualquer delas levaria ao indeferimento do pedido. Portanto, as causas intrínsecas operariam ab intra, do ponto de vista do processo judicial, sendo insuscetíveis de consideração por parte da autoridade administrativa, que sobre elas não deteria nenhuma competência. Por sua vez, as causas extrínsecas, entregues ao juízo vinculado da autoridade administrativa, quando declaradas como fundamento legal típico da outorga do refúgio, embora inibidoras indiretas do deferimento da extradição como razão jurídica ab extra, poderiam representar, dentro do processo de extradição, questão preliminar ao pedido, na precisa acepção de questão prévia que, antecedendo à questão de mérito, haveria de ser decidida antes, visto que sua solução seria capaz de opor ou de remover óbice à continuidade do processo e, pois, ao conhecimento do mérito. Salientou, assim, que, pressuposta a distinção entre as causas externas e internas, a Corte deveria apreciar, previamente ao mérito do pedido, a questão preliminar levantada, ou não, porque cognoscível de ofício, sobre a legalidade do ato administrativo vinculado que outorgara o benefício do refúgio, sob o fundamento de tê-lo feito contra legem, uma vez que não fundado em nenhuma de suas hipóteses legais (fattispecie abstratas), a que se não ajustariam os fatos considerados pela decisão administrativa. Acrescentou que a Corte deveria fazê-lo por ser dever jurídico que lhe adviria, no exercício do controle jurisdicional, da relação ou do nexo jurídico das questões, e porque os fundamentos empíricos da concessão de refúgio, que seriam causas excludentes extrínsecas, não se confundiriam, no plano da lei, com os fundamentos históricos ou factuais as quais tipificariam causas intrínsecas impeditivas da extradição. Ext 1085/Governo da Itália, rel. Min. Cezar Peluso, 9.9.2009. (Ext-1085)
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Em seguida, o relator analisou os quatro motivos declarados como fundamentos do ato de concessão de refúgio, perante o disposto no art. 1º, I, da Lei 9.474/97 (“Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontra-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;”), para, no estrito controle da legalidade, ajuizar se, sendo acaso verdadeiros como fatos, corresponderiam, ou não, ao suporte fático (fattispecie abstrata) dessa norma vinculante, invocada pela autoridade como fonte da legitimidade de seu comportamento. Assinalou que o primeiro, referente à situação política do Estado italiano, em dada quadra histórica, a toda evidência não poderia ser considerada causa atual de algum fundado temor de perseguição futura por motivos políticos, pela razão de, supondo-se então verdadeira, não viger agora. Assim, reputando-se ali vigente ordem jurídico-constitucional democrática, nada justificaria sequer remoto receio de que, com o deferimento da extradição, o extraditando não teria seus direitos constitucionais respeitados. Quanto ao segundo motivo da decisão administrativa, de que, na época dos fatos, o governo do Estado requerente estaria infiltrado de “forças políticas eversivas”, cujo “poder oculto” superaria e excederia, por meio de atuações ilegítimas, “a própria exceção legal”, influindo, direta ou indiretamente, nas condenações do extraditando, registrou o relator que tal fundamento, sobre implicar gratuita e pesada afronta à independência e isenção da magistratura italiana, não transporia, na causa, as fronteiras amplas da fantasia, não se fundando em nenhum dado de realidade. Ext 1085/Governo da Itália, rel. Min. Cezar Peluso, 9.9.2009. (Ext-1085)
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No que tange ao terceiro fundamento, no sentido de que os crimes imputados ao extraditando teriam natureza política, o relator enfatizou sua ilegalidade, haja vista a incompetência da autoridade administrativa na matéria. No ponto, acentuou que, da atribuição prevista no art. 102, I, g, da CF, defluiria, que, enquanto objeto necessário da cognição imanente à competência constitucional reservada à jurisdição desta Corte, lhe tocaria apreciar, com exclusividade, todas as questões relativas à existência de fatos configuradores de causas intrínsecas de não extradição, assim consideradas as que, não correspondendo a nenhuma das taxativas hipóteses legais de concessão de refúgio, submissas todas a juízo administrativo privativo, mas vinculado, impediriam deferimento da extradição solicitada por Estado estrangeiro. Afirmou que, nos termos do art. 77, § 2º, da Lei 6.815/80, c/c o aludido art. 102, I, g, da CF, caberia, exclusivamente, ao Supremo a apreciação do caráter da infração, o que implicaria outorga de competência exclusiva para definir se o fato constitui crime comum ou político, sendo essa a razão pela qual, dentre as hipóteses específicas de reconhecimento da condição de refugiado, previstas no art. 1º da Lei 9.474/97, não constaria a de que a pessoa tivesse sido condenada por delito político. Relativamente ao quarto e último fundamento, concernente às vicissitudes da estada do extraditando na França, de onde teria sido expulso, de fato, por decisão de cunho político, reputou-o impertinente. Asseverou que, no tocante aos eventos lá ocorridos, escusaria opor objeções de ordem factual ou jurídica, por serem de todo irrelevantes as respectivas considerações da decisão administrativa para o desate da causa, porquanto a Lei 9.474/97 exigiria, em seu art. 1º, I, em cuja hipótese (fattispecie abstrata) se fundara o reconhecimento da condição de refugiado, como requisito típico essencial, que a pessoa se encontrasse fora do país de nacionalidade, sob cuja proteção não quisesse ou não pudesse se acolher. Observou que, no caso deste outro fundamento decisório, toda a particular motivação do asserto de perseguição política diria respeito a acontecimentos sucedidos em terceiro país, que não reclama extradição. Para o relator, da análise de todos esses fundamentos do ato de concessão de refúgio, depreender-se-ia que, se houvesse algum fundado temor atual do extraditando, tal receio teria por único objeto os desdobramentos legais da persecução penal executória, e não agravos imaginários de perseguição política, de cujo risco não constaria nenhum indício. Ext 1085/Governo da Itália, rel. Min. Cezar Peluso, 9.9.2009. (Ext-1085)
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Registrou, também, ser pertinente a distinção constante do manual de procedimentos e critérios para determinar a condição de refugiado político, publicado, em 2004, pelo Alto Comissariado das Nações Unidas - ACNUR, a qual deveria ser observada, com rigor, neste tema, a fim de não se confundirem coisas tão diversas entre si [“(d) Punição 56. Deve-se distinguir perseguição de punição prevista por uma infração de direito comum. As pessoas que fogem de procedimentos judiciais ou à punição por infrações desta natureza não são normalmente refugiados. Convém relembrar que um refugiado é uma vítima - ou uma vítima potencial - da injustiça e não alguém que foge da justiça.”]. Dessa forma, não aparecendo o extraditando como vítima da injustiça, mas como alguém que fugiria da punição legal por crimes de natureza comum, não lhe seria possível aspirar à condição de refugiado. Ademais, no campo dos chamados requisitos negativos, afirmou que não seria menor a incompatibilidade entre a decisão administrativa e a lei, salientando que o manual do ACNUR distinguiria ainda, neste ponto, três grupos de condições ou cláusulas que haveriam de ser seguidas para fins de reconhecimento da situação de refugiado político, quais sejam, as de inclusão, de cessação e de exclusão. Citando o art. 1-F do Estatuto dos Refugiados (“F. As disposições desta Convenção não serão aplicáveis às pessoas a respeito das quais houver razões sérias para se pensar que: a) cometeram um crime contra a paz, um crime de guerra ou um crime contra a humanidade, no sentido dado pelos instrumentos internacionais elaborados para prever tais crimes; b) cometeram um crime grave de direito comum fora do país de refúgio antes de serem nele admitidas como refugiados; c) tornaram-se culpadas de atos aos fins e princípios das Nações Unidas.”), revelou que o conjunto das normas expressas nesse texto teria sido complementado pela Lei 9.474/97 (“Art. 3º Não se beneficiarão da condição de refugiado os indivíduos que: ... III - tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo, participado de atos terroristas ou tráfico de drogas; IV - sejam considerados culpados de atos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas.”), reputando inequívoco o sentido da regra que veda, expressamente, a atribuição da condição de refugiado a pessoas que tenham cometido crimes comuns graves, sobretudo se qualificados como hediondos. Ext 1085/Governo da Itália, rel. Min. Cezar Peluso, 9.9.2009. (Ext-1085)
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Prosseguindo, o relator destacou que a decisão administrativa, ao se reportar ao fato de que em nenhum momento o Estado requerente noticiara a condenação do extraditando por crimes impeditivos da condição de refugiado, desconsideraria todo o teor das sentenças condenatórias italianas, recobertas pela res iudicata. Aduziu que os crimes cometidos pelo extraditando, sobre não apresentar nenhum traço de conotação política, entrariam com folga na classe dos crimes comuns graves, qualificados de hediondos, nos termos do art. 1º da Lei 8.072/90, e que a incidência dessa lei, no caso, não importaria agravamento da situação jurídico-penal do extraditando enquanto réu, senão mera qualificação jurídica da sua distinta situação de pretendente de reconhecimento da condição de refugiado. Além disso, sendo essa a lei regente, incidiria de imediato, sem retroagir, sobre a pretensão de refúgio formulada sob sua vigência, apanhando todos os fatos — o passado histórico — que constituiriam fundamentos do pedido, não para algum efeito penal, mas apenas para estima da coexistência, ou não, dos requisitos legais imprescindíveis à concessão do benefício político. Explicou que isto significaria apenas que, se os fatos principais, embora velhos ou anteriores ao requerimento, recebessem, por sua concreta e objetiva gravidade, valoração negativa e conseqüente eficácia obstativa de outra lei em vigor (Lei 8.072/90), o benefício político não poderia ser deferido, e não que a situação penal do extraditando fosse exacerbada. Concluiu que daí viria, desde logo, a existência de condição legal excludente da concessão de refúgio, como só remate e reforço do quadro da indiscutível ilegalidade de que se revestira a decisão administrativa que o deferira ao extraditando, tratando-se, portanto, de ato administrativo, que, por sua manifesta, absoluta e irremediável nulidade e ineficácia, não poderia se opor à cognição nem a eventual procedência do pedido de extradição. Afastou, ainda em sede preliminar, os argumentos da defesa acerca do defeito de forma do pedido de extradição, especialmente no que tange ao teor das decisões em que se fundaria e às respectivas traduções, tendo em conta, notadamente, a inteira inteligibilidade do conteúdo essencial que emergiria desses atos traduzidos. Ext 1085/Governo da Itália, rel. Min. Cezar Peluso, 9.9.2009. (Ext-1085)
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Quanto ao mérito, o relator repeliu todas as alegações apresentadas pela defesa do extraditando. Ressaltou que o fato de o extraditando não ter sido apresentado diante de qualquer tribunal, sendo julgado à revelia, não teria relevo nenhum, porque tal circunstância não constituiria, por si só, motivo de recusa para a extradição, conforme pactuado na segunda parte da alínea a do art. 5 do Tratado de Extradição Brasil-Itália. Ademais, observou que, mesmo que o julgamento tivesse tramitado à revelia do extraditando, que à época se encontrava foragido, não haveria dúvidas de lhe terem sido garantidos todos os direitos de defesa correspondentes a essa condição processual, conforme o citado dispositivo do Tratado, em estrita observância ao princípio do devido processo legal. Afirmou, também, diante de nosso sistema da contenciosidade limitada, ou de cognição restrita (Lei 6.815/80, art. 85, § 1º), caber à Corte apenas apreciar a defesa que verse sobre a identidade da pessoa reclamada, defeito de forma dos documentos apresentados ou ilegalidade da extradição, não sendo possível conhecer da alegação de fragilidade das provas produzidas na instrução criminal. Reconheceu, em seguida, estar atendido o requisito da dupla tipicidade, visto que o fato motivador do pedido seria considerado crime tanto no Estado requerente quanto no Brasil. Ext 1085/Governo da Itália, rel. Min. Cezar Peluso, 9.9.2009. (Ext-1085)
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O relator asseverou não estarem prescritos os homicídios imputados ao extraditando, consumados em 6.6.77, 16.2.79, 16.2.79 e 19.4.79 e aos quais cominados a pena de prisão perpétua, com decisões condenatórias transitadas em julgado em 8.4.91 e 10.4.93. Enfatizou que, perante nossa legislação penal, seria mister decidir a questão da prescrição da pretensão executória à luz do máximo da pena abstratamente cominada para o correspondente tipo penal (homicídio qualificado), que seria de trinta anos de reclusão. Assim, segundo o inciso I do art. 109, c/c o art. 110, do nosso CP, a prescrição se operaria em vinte anos. Repeliu o argumento da defesa, segundo o qual, não tendo havido recurso do Ministério Público, inferir-se-ia que a condenação se tornara definitiva para a acusação na data em que a sentença fora proferida em audiência e depositada na Chancelaria (13.12.88). Esclareceu, no ponto, que a defesa desconsiderara que sobre a hipótese incidiria, depois do trânsito em julgado da sentença, a causa suspensiva da prescrição, constante do art. 116 do CP (“Depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo”). Isto é, decretada a prisão preventiva do extraditando em 1º.3.2007, para fins de extradição, e devidamente cumprida em 18.3.2008, dessa data atuaria automaticamente a suspensão do prazo da prescrição executória segundo a legislação brasileira. Acrescentou que, caso a Corte entendesse que a prisão provisória para fins de extradição não seria decorrente de outro motivo, incidiria a causa interruptiva do prazo prescricional prevista no art. 117, V, do CP (“Art. 117 O curso da prescrição interrompe-se: ... V - pelo início ou continuação do cumprimento da pena;”). Haveria, para o relator, ainda, de se considerar suspenso o prazo prescricional, desde a data da suspensão do processo de extradição, em razão do pedido de refúgio formulado perante o CONARE, até a decisão final proferida, no recurso, pelo Ministro de Estado da Justiça. Aduziu que, de toda sorte, não obstante incidirem várias causas aptas a inibir a prescrição, o cálculo da prescrição da pretensão executória, para a acusação (1ª parte do inciso I do art. 112 do CP pátrio), não se contaria a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória de 1ª instância, datada de 13.12.88 e que impusera ao extraditando a pena de prisão perpétua pela prática dos quatro homicídios. Esclareceu que, com a anulação parcial, pela Corte de Cassação (3ª instância), em 8.4.91, do acórdão do 1º Tribunal de Apelação de Milão (2ª instância), relativamente à condenação por um dos homicídios, deixara de subsistir trânsito em julgado para a acusação, que poderia ter recorrido, se a decisão do 2º Tribunal do Júri de Milão, julgando em sede de reenvio pela Corte de Cassação, não houvesse confirmado a pena de prisão perpétua para o homicídio outrora excluído. Salientando que tais condenações transitaram em julgado em 8.4.91 e 10.4.93, não teria se operado prescrição da pretensão executória, seja em face da legislação italiana, seja da brasileira, a qual se consumaria no prazo de vinte anos, a contar da data do trânsito em julgado das sentenças condenatórias, nos termos da norma vigente à época. Reputou, assim, satisfeita a exigência relativa ao duplo grau de punibilidade. Ext 1085/Governo da Itália, rel. Min. Cezar Peluso, 9.9.2009. (Ext-1085)
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O relator atestou a não ocorrência da causa impeditiva prevista no inciso VII do art. 77 da Lei 6.815/80, objeto da garantia consagrada no inciso LII do art. 5º da CF (“não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”.). Reafirmando a competência da Corte para aquilatar, com exclusividade, o caráter das infrações que informam o pedido extradicional, julgou comuns os crimes cometidos pelo extraditando, sobretudo quando confrontados com o princípio da preponderância (Lei 6.815/90, art. 77, § 1º). Frisou, no ponto, consubstanciarem homicídios dolosos, perpetrados com premeditação, os quais não guardariam relação com fins altruístas que caracterizariam movimentos políticos voltados à implantação de nova ordem econômica e social, mas revelariam, pelo contrário, puro intuito de vingança pessoal. Por fim, examinou a questão relativa à obrigatoriedade, ou não, de o Presidente da República, uma vez acolhido o pedido de extradição, efetivar a entrega do extraditando ao Estado requerente. Tendo em conta o que constante do art. 1 do Tratado de Extradição e do art. 26 da Convenção de Viena (princípio do pacta sunt servanda), e, ainda, reputando satisfeitas todas as exigências para concessão sem se caracterizar nenhuma das hipóteses de recusa previstas no art. 6 do Tratado e, por conseguinte, deferido o pedido do Estado requerente, considerou que não se reconheceria discricionariedade legítima ao Presidente da República para deixar de efetivar a entrega do extraditando. Observou, no entanto, que tramitaria contra o extraditando, perante a Justiça Federal no Estado do Rio de Janeiro, ação penal, cujo objeto seria a imputação da prática do delito de falsificação e/ou uso de passaporte falso. Em razão disso, entendeu que, deferido o pedido e, portanto, constituído o título jurídico sem o qual o Presidente da República não poderia determinar a extradição, a efetiva entrega do súdito ao Estado requerente poderia ser diferida, nos termos do art. 89 do Estatuto do Estrangeiro, bem como do ‘item 1’ do art. 15 do Tratado Bilateral Brasil-Itália (“Artigo 15 Entrega Diferida ou Temporária 1. Se a pessoa reclamada for submetida a processo penal, ou deva cumprir pena em território da Parte requerida por um crime que não aquele que motiva o pedido de extradição, a Parte requerida deverá igualmente decidir sem demora sobre o pedido de extradição e dar a conhecer sua decisão à outra Parte. Caso o pedido de extradição vier a ser acolhido, a entrega da pessoa extraditada poderá ser adiada até a conclusão do processo penal ou até o cumprimento da pena”). Após os votos dos Ministros Ricardo Lewandowski, Carlos Britto e Ellen Gracie, que acompanhavam o voto do relator, e dos votos dos Ministros Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia e Eros Grau, que, em suma, julgavam extinto o processo de extradição em face da decisão hígida do Ministro de Estado da Justiça de conceder o refúgio ao extraditando (Lei 9.474/97, art. 33), pronunciou-se o Min. Marco Aurélio acerca da legalidade do ato de concessão de refúgio, não vislumbrando desvio de finalidade no mesmo, e solicitou vista dos autos quanto às demais causas de pedir. Ext 1085/Governo da Itália, rel. Min. Cezar Peluso, 9.9.2009. (Ext-1085)
Mandado de Segurança contra Ato de Concessão de Refúgio e Prejudicialidade
Proferido o voto do Min. Cezar Peluso no processo de extradição, acima relatado, o Tribunal, por maioria, julgou prejudicado o mandado de segurança impetrado pela República Italiana contra o aludido ato do Ministro da Justiça de concessão de refúgio ao extraditando. Tendo em conta haver a impetrante suscitado, incidentalmente, na extradição, a questão relativa à legalidade, ou não, do ato de concessão de refúgio, e, especialmente, por reputar ser cognoscível de ofício essa matéria, de ordem pública, considerou-se que ela deveria ser apreciada como preliminar na extradição. Assim, a República Italiana não teria interesse processual para impetrar o writ, porque a questão passaria necessariamente como uma preliminar no processo de extradição. Vencidos os Ministros Cármen Lúcia, Marco Aurélio, Joaquim Barbosa e Eros Grau, que entendiam ser necessário julgar o mandado de segurança. A Min. Cármen Lúcia asseverou que a análise da legalidade do ato do Ministro da Justiça deveria se dar no mandado de segurança, haja vista ser tal matéria o próprio objeto da impetração, meio adequado, portanto, para essa análise.
MS 27875/República da Itália, rel. Min. Cezar Peluso, 9.9.2009. (MS-27875)
Auxílio-Moradia de Magistrados Estaduais - 1
O Tribunal iniciou julgamento de mandado de segurança impetrado pela Associação dos Magistrados de Mato Grosso do Sul - AMAMSUL contra decisão do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, formalizada no Procedimento de Controle Administrativo 484/2007, na qual se determinara a suspensão do pagamento de auxílio-moradia aos magistrados ativos daquela unidade federativa que não preenchessem os requisitos para o benefício, medida aplicável também aos inativos e aos pensionistas. Para o mencionado órgão impetrado, seria condição para o recebimento desse auxílio a inexistência de residência oficial ou imóvel próprio do magistrado na comarca. A impetrante sustenta a legitimidade da vantagem, a teor do disposto nos artigos 65, II, da LOMAN e 254 da Lei estadual 1.511/94 (Código de Organização Judiciária do Estado de Mato Grosso do Sul), e afirma que sua supressão implicaria redução dos vencimentos, considerada sua possível incorporação, já que paga habitualmente desde 1994. Preliminarmente, o Min. Marco Aurélio, relator, salientou a higidez da distribuição do feito e rejeitou a alegação de prevenção quanto a mandados de segurança de relatoria do Min. Ricardo Lewandowski (MS 26550/DF e MS 26663/DF), porquanto, embora os temas de fundo fossem referentes ao auxílio-moradia, haveria diversidade de objetos. Assentou, também, a ilegitimidade da impetrante para atuar como substituta processual dos aposentados e dos pensionistas, dado que eles não estariam incluídos no rol de associados da entidade. Refutou, ainda, o apontado desrespeito ao devido processo legal no que o CNJ teria deferido liminar sem a audição dos interessados. Consignou a possibilidade de relator em procedimento em curso no CNJ poder atuar no campo precário e efêmero da medida acautelatória (RICNJ, art. 25, XI), bem como o fato de o relator haver determinado, no hoje PCA 200830000000723, a intimação de todos os interessados para, querendo, manifestarem-se. Em seguida, salientando que o feito versa relação jurídica continuada, renovando-se mês a mês, aduziu que a circunstância de o pagamento do auxílio-moradia anteceder o período de 5 anos do surgimento do processo administrativo no CNJ não geraria preclusão.
MS 26794/MS, rel. Min. Marco Aurélio, 10.9.2009. (MS-26794)
Auxílio-Moradia de Magistrados Estaduais - 2
No mérito, o Min. Marco Aurélio concedeu, em parte, a segurança para afastar a exclusão do direito a magistrado que tiver residência própria e aos inativos e pensionistas cuja situação jurídica esteja sacramentada pela Corte de Contas estadual. Relativamente ao auxílio-moradia, registrou cuidar-se de parcela que possui natureza indenizatória, não integrando o que percebido pelo magistrado, isso para efeito de aposentadoria, nem incidindo sobre ela tributos como o Imposto de Renda. Esclareceu que interpretações teleológica e vernacular do art. 65, II, da LOMAN revelariam o caráter linear da parcela, não mais havendo a restrição às comarcas do interior, estranhas à capital (“Art. 65. Além dos vencimentos, poderão ser outorgadas aos magistrados, nos termos da lei, as seguintes vantagens: ... II - ajuda de custo, para moradia, nas localidades em que não houver residência oficial à disposição do magistrado.”). Aludiu que se constataria não estar o valor pago ligado ao fato de o magistrado possuir, ou não, residência própria, cabendo a satisfação, conforme disciplinado em lei, desde que não se colocasse à disposição do magistrado residência oficial. Fora isso, enfatizou que seria distinguir situações onde o texto não o fez. Tendo isso em conta, passou ao exame da Lei estadual 1.511/94, assinalando que esta poderia vir a ter a eficácia afastada, no campo administrativo, se conflitante com a LOMAN, no que ela se apresentaria harmônica com a Constituição.
MS 26794/MS, rel. Min. Marco Aurélio, 10.9.2009. (MS-26794)
Auxílio-Moradia de Magistrados Estaduais - 3
Citando o art. 254 do Código de Organização Judiciária do Estado de Mato Grosso Sul, considerou que, sob o ângulo da definição do valor, o critério adotado seria razoável [“Art. 254. Os magistrados perceberão, mensalmente e a título de auxílio-moradia, vinte por cento (20%) sobre os vencimentos. § 1º O magistrado que residir em próprio do Estado, ou mantido por ele, não fará jus à ajuda de custo prevista neste artigo. § 2º É defeso a magistrado receber ajuda de custo para moradia, ou sua complementação, de qualquer outra fonte.”]. Expôs que o previsto na LOMAN teria sido parcialmente observado por aquele ente federal, porquanto a exclusão do direito à ajuda, tal como versado na lei em comento, apenas ocorreria caso o magistrado residisse em imóvel do Estado. Desse modo, excluiu-se o benefício quando existente, na localidade, residência oficial e esta é colocada à disposição do magistrado (LOMAN, art. 65, II). Frisou, ademais, não caber aplicação analógica da Lei 8.112/90, uma vez que a LOMAN, quando remete a disciplina do tema auxílio-moradia à lei, refere-se à legislação local, surgindo, na situação dos autos, conflito parcial do § 1º do art. 254 da Lei estadual 1.511/94 com a citada lei complementar. No tocante aos aposentados, apontou a necessidade de se diferenciar a situação daqueles cujos cálculos dos proventos penderia de homologação pelo Tribunal de Contas estadual daqueles que já tiveram seus cálculos homologados. Quanto a estes, afirmou que a atuação do CNJ a eles não se estenderia e que se entender de forma diversa seria atribuir ao CNJ a possibilidade de afastar do cenário jurídico não apenas decisão administrativa de órgão do Poder Judiciário, mas também dos tribunais de contas, os quais atuam como órgãos auxiliares do Legislativo. Após, pediu vista a Min. Cármen Lúcia.
MS 26794/MS, rel. Min. Marco Aurélio, 10.9.2009. (MS-26794)
PRIMEIRA TURMA
Porte Ilegal de Arma de Fogo com Sinal de Identificação Raspado
Para a caracterização do crime previsto no art. 16, parágrafo único, IV, da Lei 10.826/2003, é irrelevante se a arma de fogo é de uso permitido ou restrito, bastando que o identificador esteja suprimido. Com base nesse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus em que condenado pela prática do crime de porte ilegal de arma de fogo com numeração raspada (Lei 10.826/2003, art. 16, parágrafo único, IV) pleiteava a desclassificação da conduta que lhe fora imputada para a figura do porte ilegal de arma de fogo de uso permitido (Lei 10.826/2003, art. 14). Sustentava a impetração que, se a arma de fogo com numeração raspada é de uso permitido, configurar-se-ia o delito previsto no art. 14 e não o do art. 16, parágrafo único, IV, ambos do Estatuto do Desarmamento. Observou-se que, no julgamento do RHC 89889/DF (DJE 5.12.2008), o Plenário do STF entendera que o delito de que trata o mencionado inciso IV do parágrafo único do art. 16 do Estatuto do Desarmamento tutela o poder-dever do Estado de controlar as armas que circulam no país, isso porque a supressão do número, da marca ou de qualquer outro sinal identificador do artefato potencialmente lesivo impediria o cadastro, o controle, enfim, o rastreamento da arma. Asseverou-se que a função social do referido tipo penal alcançaria qualquer tipo de arma de fogo e não apenas de uso restrito ou proibido. Enfatizou-se, ademais, ser o delito de porte de arma com numeração raspada delito autônomo — considerado o caput do art. 16 da Lei 10.826/2003 — e não mera qualificadora ou causa especial de aumento de pena do tipo de porte ilegal de arma de uso restrito, figura típica esta que, no caso, teria como circunstância elementar o fato de a arma (seja ela de uso restrito, ou não) estar com a numeração ou qualquer outro sinal identificador adulterado, raspado ou suprimido.
HC 99582/RS, rel. Min. Carlos Britto, 8.9.2009. (HC-99582)
Dosimetria da Pena e Proporcionalidade
A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que condenado à pena de 6 anos e 8 meses de reclusão pela prática do crime previsto no art. 157, § 2º, I e II, do CP sustenta ilegalidade na fixação de sua pena-base, acima do mínimo legal. Alega a defesa que, para a caracterização da personalidade e da conduta social do agente, foram considerados idênticos fatos (bis in idem), a saber, os atos infracionais cometidos pelo paciente durante a adolescência. Aduz que, mesmo que se entenda que os atos infracionais perpetrados no passado permitissem concluir que o paciente tivesse uma personalidade voltada para o crime e que apresentasse má conduta social, a dosimetria da pena não teria respeitado a devida proporcionalidade, pois apenas um dos oito critérios previstos em lei apresentar-se-ia desfavorável. Ademais, afirma que o fato de ter o paciente praticado o delito em plena luz do dia não poderia ser levado em seu desfavor, visto que, a rigor, facilitaria a defesa da vítima e a intervenção de terceiros para evitar a sua consumação. O Min. Ricardo Lewandowski, relator, tendo em conta os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da individualidade, deferiu o writ para determinar ao juízo sentenciante que proceda a nova dosimetria da pena, a ser fixada em patamar mais próximo do mínimo legal. Reputou que não se afiguraria razoável que a pena-base tivesse sido aumentada de metade, em face dos atos infracionais realizados pelo paciente durante a adolescência e em razão de ter sido o delito cometido durante o dia. Salientou que os atos infracionais podem e devem, sim, ser levados em conta na avaliação da personalidade do paciente. Todavia, essa circunstância judicial, por si só, não seria apta a elevar a pena-base em metade, porquanto o art. 59 do CP listaria oito circunstâncias que poderiam ser consideras no momento do estabelecimento da sanção, e destas, no caso, somente a personalidade desajustada do agente se faria presente. Consignou que também não se mostraria pertinente para a exacerbação da pena o fato de ter sido o crime praticado durante o dia. Enfatizou, por outro lado, que o habeas corpus não seria a via adequada para a correção da dosagem da pena. Após, pediu vista dos autos o Min. Carlos Britto.
HC 97056/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 8.9.2009. (HC-97056)
SEGUNDA TURMA
Juízo de Retratação: Prisão Preventiva e Ampla Defesa - 1
A Turma indeferiu habeas corpus no qual se alegava que a falta de prévia oitiva da defesa em relação à decisão de magistrado de 1º grau que, em juízo de retratação, decretara a prisão preventiva do paciente, violaria o direito ao contraditório e à ampla defesa, bem como o Enunciado 707 da Súmula do STF (“Constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contra-razões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo.”) e o art. 589 do CPP (“Com a resposta do recorrido ou sem ela, será o recurso concluso ao juiz, que, dentro de dois dias, reformará ou sustentará o seu despacho, mandando instruir o recurso com os traslados que Ihe parecerem necessários. Parágrafo único. Se o juiz reformar o despacho recorrido, a parte contrária, por simples petição, poderá recorrer da nova decisão, se couber recurso, não sendo mais lícito ao juiz modificá-la. Neste caso, independentemente de novos arrazoados, subirá o recurso nos próprios autos ou em traslado.”). No caso, o Ministério Público Federal interpusera perante o TRF recurso em sentido estrito contra a decisão do juízo, que denegara o pleito de prisão preventiva do paciente. Ocorre que, ao receber tal recurso, o juiz federal se retratara e decretara a custódia cautelar do paciente. Em razão disso, seguiram-se naquela Corte um habeas corpus e outro recurso em sentido estrito, ambos apresentados pela defesa, sendo este julgado prejudicado e aquele indeferido, denegação mantida pelo STJ.
HC 96445/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, 8.9.2009. (HC-96445)
Juízo de Retratação: Prisão Preventiva e Ampla Defesa - 2
Ressaltou-se que o alvo da presente demanda seria, em última análise, a decretação da segregação cautelar do paciente e não o recurso em sentido estrito propriamente dito. Em seguida, aduziu-se que, nos termos do art. 311 do CPP, a custódia preventiva pode ser decretada em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, inclusive, de ofício. Tendo isso em vista, considerou-se que não se sustentaria a tese de que a defesa deveria ter sido intimada para contra-arrazoar o recurso em sentido estrito interposto — o qual restara prejudicado com a retratação do juiz —, apenas porque a decretação da prisão, na espécie, operara-se em sede de juízo de retratação. Ademais, enfatizou-se que o acusado utilizara-se da faculdade prevista no parágrafo único do art. 589 do CPP, recorrendo da decisão que decretara a sua custódia, ocasião em que tivera a oportunidade de apresentar todas as razões de seu inconformismo, o que afastaria qualquer ofensa ao direito ao contraditório, à ampla defesa ou ao mencionado dispositivo legal. Rejeitou-se, também, a alegação de transgressão ao Verbete 707 da Súmula desta Corte seja porque o recurso em questão não fora interposto contra decisão de rejeição da denúncia, mas sim contra o indeferimento de prisão preventiva, seja porque este tipo de custódia pode ser decretado de ofício, sem manifestação prévia do réu. Por fim, salientando as peculiaridades da situação em apreço, considerou-se que, quando da prolação da decisão impugnada, o paciente, não obstante estar respondendo a processos criminais no Brasil, inclusive com sentença condenatória, mudara-se para a Itália, ciente de que, por ser nacional daquele país, sua extradição seria indeferida, sendo preso, contudo, no Principado de Mônaco.
HC 96445/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, 8.9.2009. (HC-96445)
Prova Ilícita e Falta de Justa Causa
Não há justa causa para a ação penal quando a demonstração da autoria ou da materialidade do crime decorrer apenas de prova ilícita. Tendo em conta essa orientação, a Turma deferiu habeas corpus para, nos termos do art. 386, II, do CPP, absolver condenada nas penas do art. 251, caput, do CPM, por haver efetuado saques na conta de pensionista falecida, nos 5 meses posteriores ao óbito. Tratava-se de writ impetrado contra acórdão do STM que, embora reconhecendo a ilicitude da quebra de sigilo bancário sem autorização judicial, assentara que a confissão posterior da paciente seria suficiente para manter a condenação, aplicando à espécie o princípio da proporcionalidade. Esclareceu-se, ainda, que a mencionada confissão surgira como efeito da prova ilicitamente obtida, sendo razoável supor que não teria sido feita sem a quebra prévia do sigilo. Dessa forma, concluiu que a palavra da acusada, como meio de prova, também padeceria de ilicitude, agora por derivação. Por conseguinte, seriam imprestáveis as provas que fundamentaram a condenação imposta à paciente.
HC 90298/RS, rel. Min. Cezar Peluso, 8.9.2009. (HC-90298)
Prisão Preventiva e Morador de Rua
O simples fato de o acusado não possuir residência fixa nem ocupação lícita não é motivo legal para a decretação da custódia cautelar. Com base nesse entendimento, a Turma deferiu habeas corpus para conceder liberdade provisória (CPP, art. 310, parágrafo único) a denunciado por suposta tentativa de homicídio qualificado, cuja prisão fora decretada para assegurar a aplicação da lei penal e preservar a ordem pública, porquanto morador de rua, sem endereço conhecido ou local onde pudesse ser encontrado com habitualidade.
HC 97177/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 8.9.2009. (HC-97177)