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    Informativo do STF 549 de 05/06/2009

    Publicado por Supremo Tribunal Federal


    PLENÁRIO

    Convenção 158 da OIT e Denúncia Unilateral - 3

    O Tribunal retomou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG e pela Central Única dos Trabalhadores - CUT contra o Decreto 2.100/96, por meio do qual o Presidente da República torna pública a denúncia, pelo Brasil, da Convenção 158 da OIT, relativa ao término da relação de trabalho por iniciativa do empregador — v. Informativos 323 e 421. O Min. Joaquim Barbosa, em voto-vista, julgou o pedido integralmente procedente para declarar a inconstitucionalidade do decreto impugnado por entender não ser possível ao Presidente da República denunciar tratados sem o consentimento do Congresso Nacional. Salientou, inicialmente, que nenhuma das Constituições brasileiras tratou especificamente do tema relativo à denúncia de tratados internacionais e que os artigos 49, I e 84, VIII, da CF/88, embora não admitissem a participação do Congresso Nacional na denúncia dos tratados, também não seriam expressos ao vedar essa participação. Tendo isso em conta, reputou necessário analisar o papel que o Congresso Nacional possuiria historicamente na processualística dos tratados internacionais. No ponto, ressaltou que o papel do Legislativo na história constitucional brasileira não se limitaria a uma postura meramente passiva de aprovação ou reprovação de tratados, e citou ocasiões em que o Poder Legislativo aprovou tratado com ressalvas, ou até mesmo o emendou.

    ADI 1625/DF, rel. orig. Min. Maurício Corrêa, 3.6.2009. (ADI-1625)

    Convenção 158 da OIT e Denúncia Unilateral - 4

    Em seguida, afirmou que a Constituição de 1988 fortaleceu extremamente o papel do Poder Legislativo em várias áreas, e que, por isso, seria inviável levar adiante um argumento de natureza constitucional que pretendesse dele retirar uma função relevante na denúncia de tratados, ante a ausência total de normas a respeito. Aduziu, também, que o atual texto constitucional — ao estabelecer de maneira sistemática, pela primeira vez na história constitucional, princípios que regem as relações exteriores do Brasil (art. 4º) —, teria reforçado o papel do Parlamento em matéria de política exterior. Cumpriria a todos os Poderes, e não só ao Executivo, portanto, zelar por tais princípios, bem como fiscalizar a atuação da política externa. Dessa forma, impedir que, por exemplo, o Congresso pudesse analisar o descumprimento de um dos princípios constitucionais pela denúncia de um tratado, significaria esvaziar por completo o conteúdo útil do referido art. 4º. Demonstrou, ainda, que o fortalecimento do papel do Parlamento não seria fenômeno isolado no Brasil, e que Constituições de vários outros países já teriam estabelecido a possibilidade da participação do Poder Legislativo na denúncia de tratados internacionais. Observou, ademais, que a tendência, cada vez mais crescente, de textos constitucionais repartirem as competências em matéria de denúncia de tratados representaria o surgimento, no direito comparado, do princípio da “co-participação parlamento-governo em matéria de tratado”, segundo o qual é da própria essência do tratado que ele, para comprometer um Estado interna e externamente, precise da deliberação do órgão parlamentar e do órgão executivo, e que, sendo essa característica da essência do tratado, qualquer ato que vise à desvinculação voluntária deste por um Estado também precisa passar pelo crivo parlamentar.

    ADI 1625/DF, rel. orig. Min. Maurício Corrêa, 3.6.2009. (ADI-1625)

    Convenção 158 da OIT e Denúncia Unilateral - 5

    O Min. Joaquim Barbosa ressaltou que a processualística dos tratados internacionais no Brasil e a função que o tratado exerce no direito interno brasileiro militariam a favor da tese de que a denúncia não poderia ser unilateral por parte do Poder Executivo, conforme se depreenderia, inclusive, da jurisprudência do Supremo. Registrou que, desde o julgamento do RE 80004/SE (DJU de 29.12.77), o Pleno da Corte consolidou entendimento de que os tratados possuiriam o mesmo nível hierárquico das leis, sendo o pressuposto para admitir essa identidade hierárquica que o tratado possuiria força de lei, ou seja, equiparar-se-ia materialmente às leis. Assim, se os tratados possuem força de lei, eles somente poderiam ser revogados por um ato posterior de idêntica ou superior hierarquia. Por sua vez, reconhecer a possibilidade de um tratado ser denunciado unilateralmente pelo Presidente da República seria reconhecer que seu decreto que torna pública a denúncia teria força de lei. Isso, entretanto, seria contraditório, haja vista a Constituição de 1988 não reconhecer a existência de nenhum ato com força de lei em que o Parlamento não tivesse algum tipo de intervenção. Citou, também, o que decidido pela Corte na ADI 1480 MC/DF (DJU de 18.5.2001), no sentido de que a execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República (CF, art. 84, VIII). Com base nesse entendimento, frisou que a intervenção do Parlamento no processo de aprovação dos tratados não decorreria apenas da previsão da existência de um controle a ser exercido sobre a atividade do Executivo, isto é, a aprovação, ou reprovação, seria ato de vontade concordante ao conteúdo disposto no tratado. Disso se retirariam pelo menos 3 conseqüências: 1) a intervenção parlamentar seria essencial para que o tratado existisse internamente e, sendo da própria natureza do tratado que o Parlamento atuasse na sua constituição, seria óbvio que também o fizesse na sua desconstituição; 2) se o tratado seria expressão da vontade do Parlamento, o exercício de tal vontade não ocorreria no vácuo, ou seja, quando o Congresso aprovasse um tratado para futura ratificação e incorporação ao direito interno, ele aprovaria o próprio conteúdo de algo que se poderia chamar de “política convencional”. Reconhecer que o Parlamento seria árbitro de uma “política convencional” durante o processo de aprovação implicaria necessariamente que ele deveria ser árbitro dessa mesma “política convencional” durante o processo de denúncia; 3) seria preciso reconhecer que o tratado internacional a que um Estado se vincula seria expressão da vontade atual e efetiva dos órgãos envolvidos. Sendo autônomas as vontades do Executivo e do Legislativo, na formação, elas assim deveriam permanecer até que os dois Poderes, de maneira conjunta e ordenada, decidissem alterar tal vontade, cada um dentro de suas próprias atribuições.

    ADI 1625/DF, rel. orig. Min. Maurício Corrêa, 3.6.2009. (ADI-1625)

    Convenção 158 da OIT e Denúncia Unilateral - 6

    Considerou o Min. Joaquim Barbosa que a intervenção do Parlamento não significaria, entretanto, o esvaziamento por completo da atuação do Poder Executivo nesse campo, o qual continuaria com a prerrogativa de decidir quais tratados deveriam ser denunciados e o momento de fazê-lo. Ao Congresso Nacional, por sua vez, caberia autorizar a denúncia do tratado que seria, ou não, feita pelo Chefe do Poder Executivo. Essa divisão de competências teria o condão de democratizar a processualística dos tratados internacionais. Acrescentou que, além dessas razões, as circunstâncias concretas do caso deixariam mais evidente a necessidade de reconhecer que os tratados somente poderiam ser denunciados com anuência prévia do Congresso Nacional. Dentre elas, mencionou a forma com que o Congresso Nacional teria aprovado o texto da Convenção 158 da OIT e, ainda, o fato de essa Convenção versar sobre direitos humanos. Quanto à primeira circunstância, observou que o Decreto Legislativo 68/92 por meio do qual aprovada a Convenção 158 da OIT conteria apenas dois artigos, sendo que o parágrafo único do seu art. 1º (“São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão da referida convenção, bem como aqueles que se destinem a estabelecer ajustes complementares.”) teria como objetivo não só impedir que o Poder Executivo viesse a concluir tratados que pudessem emendar ou alterar o tratado original sob a alegação de que se estaria a concluir um acordo do Executivo, mas, principalmente, resguardar a necessidade de o Congresso intervir nos casos de denúncia. Quanto à segunda circunstância, disse que a Convenção sob análise não seria um tratado comum, mas um tratado que versa sobre direitos humanos, apto a inserir direitos sociais no ordenamento jurídico brasileiro. Nesse contexto, caberia cogitar da aplicação do novo § 3º do art. 5º da CF, introduzido pela EC 45/2004, a essa Convenção. No ponto, afirmou que, apesar de o Decreto que incorporou a Convenção ao direito brasileiro ser de 1996, ainda que não se admitisse a tese de que os tratados de direitos humanos anteriores à EC 45/2004 possuíssem estatura constitucional, seria plausível defender que possuíssem estatura supralegal, porém infraconstitucional. Reconhecido o caráter supralegal aos tratados de direitos humanos e considerando-se a Convenção 158 da OIT como um tratado de direitos humanos, concluir-se-ia não ser possível sua denúncia pelo Poder Executivo sem a intervenção do Congresso Nacional. Do contrário, permitir-se-ia que uma norma de grau hierárquico bastante privilegiado pudesse ser retirada do mundo jurídico sem a intervenção de um órgão legislativo, e, ainda, que o Poder Executivo, por vontade exclusiva, reduzisse de maneira arbitrária o nível de proteção de direitos humanos garantido aos indivíduos no ordenamento jurídico nacional.

    ADI 1625/DF, rel. orig. Min. Maurício Corrêa, 3.6.2009. (ADI-1625)

    Convenção 158 da OIT e Denúncia Unilateral - 7

    Por fim, o Min. Joaquim Barbosa julgou inadequada a solução de dar interpretação conforme ao Decreto impugnado, tal como feito pelo Min. Maurício Corrêa, relator. Primeiro, reputou equivocado, tecnicamente, falar que a denúncia estaria condicionada à aprovação do Parlamento, visto que o Decreto impugnado não denunciaria o tratado internacional — por ser a denúncia um ato tipicamente internacional e, por isso, impassível de controle jurisdicional pelo Supremo —, mas sim tornaria pública a denúncia feita, a produzir seus efeitos em um determinado tempo. Tendo em conta que a publicação de qualquer ato normativo, inclusive tratados, seria pressuposto necessário para a sua obrigatoriedade, afirmou que a declaração de inconstitucionalidade do Decreto 2.100/96 teria como conseqüência a retirada da publicidade do ato da denúncia, o que levaria à não-obrigatoriedade da denúncia no Brasil, não obstante operativa no plano internacional, e à manutenção da vigência do Decreto que incorporou a Convenção 158 da OIT ao direito interno brasileiro. Assim, a conclusão do relator seria inviável por extrapolar o sentido do Decreto 2.100/96, levando a Corte a cumprir nítida função legislativa. Segundo, entendeu que o uso da técnica da interpretação conforme também seria equivocada por pretender interpretar um ato que violaria não materialmente, mas formalmente a Constituição. Em virtude de a denúncia já estar produzindo efeitos no plano internacional, o Min. Joaquim Barbosa explicitou duas conseqüências advindas da declaração de inconstitucionalidade: 1) a declaração de inconstitucionalidade somente teria o efeito de tornar o ato de denúncia não-obrigatório no Brasil, por falta de publicidade. Como conseqüência, o Decreto que internalizou a Convenção 158 da OIT continuaria em vigor. Caso o Presidente da República desejasse que a denúncia produzisse efeitos também internamente, teria de pedir a autorização do Congresso Nacional e, somente então, promulgar novo decreto dando publicidade da denúncia já efetuada no plano internacional; 2) a declaração de inconstitucionalidade somente atingiria o Decreto que deu a conhecer a denúncia, nada impedindo que o Presidente da República ratificasse novamente a Convenção 158 da OIT. Após, pediu vista dos autos a Min. Ellen Gracie.

    ADI 1625/DF, rel. orig. Min. Maurício Corrêa, 3.6.2009. (ADI-1625)

    Indenização por Danos Decorrentes de Acidente do Trabalho e Competência

    Compete à Justiça do Trabalho o julgamento de ação de indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidente do trabalho. Com base nesse entendimento, o Tribunal resolveu conflito de competência suscitado pelo Tribunal Superior do Trabalho em face do Juízo de Direito da 4ª Vara Cível da Comarca de Joinville e declarou a competência da Justiça laboral para julgar ação de reparação de danos morais decorrentes de acidente de trabalho, com resultado morte, proposta pela companheira e pelos genitores do trabalhador morto. Reconheceu-se, inicialmente, ser do Supremo a competência para dirimir o conflito, com base no disposto no art. 102, I, o, da CF. Em seguida, asseverou-se que, após o advento da EC 45/2004, a orientação da Corte teria se firmado no sentido da competência da Justiça do Trabalho para o julgamento da questão sob análise. Aduziu-se, ademais, que o ajuizamento da ação de indenização pelos sucessores não modificaria a competência da justiça especializada, haja vista ser irrelevante a transferência do direito patrimonial em razão do óbito do empregado. Precedentes citados: RE 509352 AgR/SP (DJE de 1º.8.2008); RE 509353 ED/SP (DJU de 17.8.2007); RE 482797 ED/SP (DJE de 27.6.2008); RE 541755 ED/SP (DJE de 7.3.2008); CC 7204/MG (DJU de 9.12.2005). CC 7545/SC, rel. Min. Eros Grau, 3.6.2009. (CC-7545)

    Requisito Temporal e Concurso para Promotor de Justiça

    Em conclusão, o Tribunal, por maioria, julgou prejudicado mandado de segurança impetrado contra ato do Procurador-Geral da República que, em sede de recurso administrativo, mantivera decisão que indeferira a inscrição definitiva do impetrante em concurso para provimento de cargos de Procurador da República, por não ter comprovado o exercício de 3 anos de atividade jurídica privativa de bacharel em Direito, após a colação de grau — v. Informativo 493. Considerou-se o fato de que, por não ter sido deferida a liminar, o impetrante acabara por não participar das provas orais do concurso, realizadas em fevereiro de 2009, já tendo havido, inclusive, conclusão do certame com resultado homologado e a posse dos candidatos aprovados. Vencido o Min. Marco Aurélio, que concedia a ordem.

    MS 26696/DF , rel. Min. Gilmar Mendes, 3.6.2009. (MS-26696)

    Praça: Aplicação de Pena Acessória de Perda do Cargo e Tribunal Competente - 1

    O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso que mantivera condenação a pena acessória de perda do cargo aplicada a praças. Alega-se, na espécie, ofensa ao art. 125, § 4º, da CF, ao fundamento de que o art. 102 do Código Penal Militar - CPM, ao prever como pena acessória a exclusão de praça condenado à pena privativa de liberdade superior a 2 anos, não teria sido recepcionado pela nova ordem constitucional. Sustenta-se, ainda, que a EC 18/98 não teria suprimido, para as praças, a garantia prevista no citado art. 125, § 4º, da CF (“Art. 125. ... § 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.”), já que os incisos VI e VII do § 3º do art. 142 da CF (“Art. 142 ... § 3º ... VI - o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra; VII - o oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no inciso anterior;”) fariam referência apenas à perda do posto e da patente por oficiais militares.

    RE 447859/MS, rel. Min. Marco Aurélio, 4.6.2009. (RE-447859)

    Praça: Aplicação de Pena Acessória de Perda do Cargo e Tribunal Competente - 2

    O Min. Marco Aurélio, relator, desproveu o recurso, no que foi acompanhado pelos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau. Entendeu que a referência à competência do Tribunal, contida no § 4º do art. 125 da CF, remeteria, consideradas as praças, à Justiça Militar, não cabendo ver no preceito a necessidade de processo específico para ocorrer, imposta pena que se enquadrasse no art. 102 do CPM, a exclusão da praça. Observou que, no que concerne aos oficiais, a regência seria diversa (CF, art. 142, § 3º). Do cotejo dessas normas, para o relator, concluir-se-ia haver tratamento diferenciado da matéria em caso de condenação de praça ou oficial pela Justiça Militar à pena privativa de liberdade superior a 2 anos. Ou seja, somente quanto aos oficiais, dar-se-ia o desdobramento, exigido, conforme versado na Carta Magna, pronunciamento em processo específico para chegar-se à perda do posto e da patente. Assim, o art. 102 do CPM seria harmônico com a Constituição Federal, consentâneo com a concentração do exame da matéria, a prescindir, com base na Carta Magna, da abertura de um novo processo. Em divergência, a Min. Cármen Lúcia, deu provimento ao recurso, adotando a orientação firmada pela Corte no julgamento do RE 121533/MG (DJU de 30.11.90), no sentido de que o art. 125, § 4º, da CF, de eficácia plena e imediata, subordina a perda de graduação das praças das polícias militares à decisão do tribunal competente, mediante procedimento específico, não subsistindo, em conseqüência, em relação aos referidos graduados o art. 102 do CPM, que a impunha como pena acessória da condenação criminal a prisão superior a 2 anos. Considerou, ainda, o entendimento fixado no julgamento do RE 358961/MS (DJU de 12.3.2004), que, reafirmando a orientação anterior, acrescentou que a EC 18/98, ao cuidar exclusivamente da perda do posto e da patente do oficial (CF, art. 142, VII), não revogou o art. 125, § 4º, do texto constitucional originário, regra especial nela atinente à situação das praças. Após o voto do Min. Joaquim Barbosa, que seguia a divergência, pediu vista dos autos o Min. Carlos Britto.

    RE 447859/MS, rel. Min. Marco Aurélio, 4.6.2009. (RE-447859)

    REPERCUSSÃO GERAL

    Promotor: Exercício de Atividade Político-Partidária e Reeleição após a EC 45/2004 - 1

    O Tribunal, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal Superior Eleitoral - TSE que, dando provimento a recursos especiais eleitorais, indeferira o registro da candidatura da ora recorrente ao cargo de Prefeita, ao fundamento de ser ela inelegível, em razão de pertencer a Ministério Público estadual, estando dele licenciada, mas não afastada definitivamente. Alegava a recorrente ofensa aos artigos 5º, XXXVI, 14, § 5º, e 128, § 5º, II, e, da CF. Sustentava, em síntese, que os membros do Ministério Público que ingressaram na carreira após 1988 e que já estavam no exercício de mandato eletivo quando do advento da EC 45/2004 possuiriam direito adquirido à reeleição, e que referida emenda, ao estabelecer limitações à atividade político-partidária de membros do Ministério Público, não poderia comprometer esse direito adquirido. Na espécie, a ora recorrente ingressara na carreira do Ministério Público em 14.8.90. Tendo se licenciado do cargo para concorrer às eleições de 2004, exercera o mandato de Prefeita no período de 2005 a 2008. Em 2008, concorrera à reeleição ao cargo, ainda vinculada ao Ministério Público, saindo-se vencedora. O registro da candidatura fora deferido perante o juízo eleitoral e mantido pelo Tribunal Regional Eleitoral - TRE, tendo o TSE cassado essas decisões.

    RE 597994/PA, rel. orig. Min. Ellen Gracie, rel. p/ o acórdão Min. Eros Grau, 4.6.2009. (RE-597994)

    Promotor: Exercício de Atividade Político-Partidária e Reeleição após a EC 45/2004 - 2

    Preliminarmente, por votação majoritária, reconheceu-se a repercussão geral da matéria debatida. Asseverou-se haver uma questão constitucional evidente, já que tudo teria sido decidido com base em normas constitucionais, que repercutiria para além dos direitos subjetivos questionados. Considerou-se que não só poderia haver repetição em outros casos, como que, na situação dos autos, cuidar-se-ia, também, do direito de eleitores que exerceram seu direito/dever de votar, acreditando no sistema então vigente. Vencidos, no ponto, a Min. Ellen Gracie, relatora, e os Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Cezar Peluso, que não vislumbravam a existência dessa repercussão geral e, salientando tratar-se de hipótese excepcionalíssima e irreproduzível, reputavam que a análise do direito adquirido questionado estaria limitada pelo aspecto temporal, não sendo aplicável a eleições posteriores à citada emenda constitucional. Quanto ao mérito, entendeu-se estar-se diante de uma situação especial, ante a ausência de regras de transição para disciplinar a situação fática em questão, não abrangida pelo novo regime jurídico instituído pela EC 45/2004. Tendo em conta que a recorrente estava licenciada, filiada a partido político, já tendo sido eleita para exercer o cargo de Prefeita na data da publicação dessa emenda, concluiu-se que ela teria direito, não adquirido, mas atual à recandidatura, nos termos do § 5º do art. 14 da CF (“O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente.”). Vencidos, no mérito, a Min. Ellen Gracie, relatora, e os Ministros Joaquim Barbosa, Cezar Peluso e Celso de Mello, que negavam provimento ao recurso. Ressaltaram que, antes da EC 45/2004, admitia-se que, licenciado, o membro do parquet podia se filiar e concorrer, mas que, após tal emenda, em face da absoluta proibição da atividade político-partidária por membros do Ministério Público, prevista no art. 128, § 5º, II, e, da CF, de aplicação imediata e linear, se desejasse exercer atividade político-partidária, deveria exonerar-se ou aposentar-se, não havendo se falar em direito adquirido ao regime anterior à emenda, para beneficiar a recorrente, nem em direito dela ou do eleitorado assegurado pela norma viabilizadora da reeleição. Aduziram que, a cada eleição, para requerer o registro de sua candidatura, o postulante a cargo eletivo deveria demonstrar a satisfação das condições de elegibilidade, o que não se dera no caso.

    RE 597994/PA, rel. orig. Min. Ellen Gracie, rel. p/ o acórdão Min. Eros Grau, 4.6.2009. (RE-597994)

    PRIMEIRA TURMA

    Exercício da Advocacia e Inviolabilidade

    Por falta de justa causa para a persecução penal, a Turma, em votação majoritária, deferiu habeas corpus para trancar ação penal instaurada em desfavor de advogado acusado pelo crime de calúnia. No caso, o processo-crime se originara de exceção de suspeição apresentada pelo paciente, perante tribunal de justiça local, contra magistrado de determinada comarca, imputando-lhe a prática dos delitos de prevaricação e de advocacia pública, ao argumento de parcialidade deste no julgamento de mandado de segurança no qual aquele atuara como patrono. De início, salientou-se a excepcionalidade do trancamento de ação penal por meio habeas corpus, bem como a jurisprudência do STF no sentido de a inviolabilidade constitucionalmente assegurada ao advogado não se estender ao crime de calúnia. Entretanto, na hipótese dos autos, considerou-se que a denúncia apresentaria deficiência material, porquanto não descreveria os fatos integralizadores dos elementos objetivos e subjetivos do tipo penal em questão. Reputou-se que a peça processual oposta pelo paciente — embora contivesse certo exagero nas indagações formuladas — indicaria o objetivo de levar ao conhecimento da Corte estadual o que lhe parecera uma postura heterodoxa de um membro da magistratura. Desse modo, concluiu-se que a atuação profissional do paciente não teria transbordado a busca da prevalência dos interesses da parte que ele representava. Vencido o Min. Ricardo Lewandowski que, ao enfatizar que a calúnia não estaria inserida dentre as causas de exclusão de crime dispostas no art. 142, I, do CP, denegava o writ por entender configurado, em princípio, o fato delituoso (CP: “Art. 142 - Não constituem injúria ou difamação punível: I - a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador;”).

    HC 98631/BA, rel. Min. Carlos Britto, 2.6.2009. (HC-98631)

    Princípio da Insignificância e Furto Privilegiado

    A Turma indeferiu habeas corpus em que se pleiteava a aplicação do princípio da insignificância a condenado por 2 furtos praticados contra vítimas distintas. No caso, o paciente subtraíra para si uma bicicleta — avaliada em R$ 70,00 — e, em ato contínuo, dirigira-se a estabelecimento comercial, onde furtara uma garrafa de uísque — avaliada em R$ 21,80 —, sendo preso em flagrante. Entendeu-se que não estariam presentes os requisitos autorizadores para o reconhecimento desse princípio. Aduziu-se que o paciente, ao cometer 2 crimes de furto em concurso material, com vítimas distintas, demonstrara possuir propensão à prática de pequenos delitos, os quais não poderiam passar despercebidos pelo Estado. Asseverou-se que, embora o reconhecimento da atipicidade penal pela insignificância dependa da constatação de que a conduta seja a tal ponto irrelevante — desvalor da ação e do resultado — que não seja razoável impor-se a sanção penal descrita na lei, isso não ocorreria na espécie. Enfatizou-se que a bicicleta fora furtada de pessoa humilde e de poucas posses, que a utilizava para se deslocar ao seu local de trabalho, de modo a revelar que esse bem era relevante para a vítima, e cuja subtração repercutira expressivamente em seu patrimônio. Por fim, considerou-se que a situação dos autos fora devidamente enquadrada como infração de pequeno valor, na qual incidente causa de diminuição de pena referente ao furto privilegiado (CP, art. 155, § 2º), distinguindo-a, no ponto, da figura da infração insignificante, que permite o reconhecimento da atipicidade da conduta.

    HC 96003/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2.6.2009. (HC-96003)

    Princípio do Juiz Natural e Convocação de Juízes

    A Turma deliberou afetar ao Plenário julgamento de habeas corpus no qual se alega ofensa ao princípio do juiz natural em decorrência da participação de juízes de 1º grau convocados para compor o quórum de câmara julgadora. A impetração reitera o pedido de nulidade do acórdão da Corte de origem que condenara o paciente por furto qualificado (CP, art. 155, § 4º, IV) e aduz que, à exceção do juiz presidente do referido órgão colegiado, todos os demais magistrados teriam sido convocados. Sustenta, também, violação aos artigos 93, III, 94 e 98, I, da CF.

    HC 96821/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2.6.2009. (HC-96821)

    Remuneração de Juiz de Paz - 1

    A Turma manteve acórdão do TRF da 1ª Região que denegara o pleito do ora recorrente de ver declarado seu direito à remuneração pelo exercício da função de juiz de paz, bem como de condenação da União ao ressarcimento por serviços prestados. Na espécie, a Corte de origem aplicara a orientação firmada no julgamento da ADI 1051/SC (DJU de 13.10.95), no sentido de que a remuneração dos juízes de paz somente pode ser fixada em lei de iniciativa exclusiva do tribunal de justiça do Estado-membro. Consignara, ainda, que o exercício da aludida função, com base no Decreto-lei 1.770/80, não geraria direito à remuneração prevista no art. 98 da CF. Registrara, também, que o pedido de indenização por serviços prestados encontraria óbice na ausência de criação da Justiça de Paz no Distrito Federal, na impossibilidade de isonomia com juízes de direito e na falta de comprovação de eventuais prejuízos sofridos no exercício livre, espontâneo e gratuito de múnus público.

    RE 480328/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 2.6.2009. (RE-480328)

    Remuneração de Juiz de Paz - 2

    Inicialmente, enfatizou-se que, no caso, tratar-se-ia de recurso extraordinário e não de mandado de injunção. Tendo isso em conta, aduziu-se que, em momento algum, o Tribunal a quo adotara posicionamento contrário à Constituição. Considerara, na verdade, precedente do STF no qual assentada a necessidade de a remuneração dos juízes de paz ser estabelecida mediante lei de iniciativa do tribunal local. Mais do que isso, esclarecera que o Decreto-lei 1.770/80 criou cargos não remunerados de juiz de paz no Distrito Federal. Salientou-se, ademais, que o art. 98, II, da CF não versa a remuneração, em si, dos juízes de paz, ou seja, muito embora exista a alusão à possibilidade de vir à balha, não ocorre a indispensável fixação. Por sua vez, enfatizou-se que o art. 30 do ADCT remete à legislação própria, cogitando do dia para a eleição prevista no referido inciso II (CF: “Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: ... II - justiça de paz, remunerada, composta de cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto, com mandato de quatro anos e competência para, na forma da lei, celebrar casamentos, verificar, de ofício ou em face de impugnação apresentada, o processo de habilitação e exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de outras previstas na legislação.”; ADCT: “Art. 30. A legislação que criar a justiça de paz manterá os atuais juízes de paz até a posse dos novos titulares, assegurando-lhes os direitos e atribuições conferidos a estes, e designará o dia para a eleição prevista no art. 98, II, da Constituição.”).

    RE 480328/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 2.6.2009. (RE-480328)

    SEGUNDA TURMA

    Medida de Segurança e Limitação Temporal - 1

    Aplica-se à medida de segurança o instituto da prescrição nos termos do art. 109 e seguintes do CP. Com base nesse entendimento e por considerar não consumada a prescrição, a Turma concedeu, em parte, habeas corpus para restabelecer decisão proferida por juiz de primeiro grau no capítulo em que determinara a aplicação do regime de desinternação progressiva pelo prazo de 6 meses da medida de segurança imposta ao paciente — cuja inimputabilidade por doença mental fora reconhecida — em processo instaurado para apurar suposta prática do delito de lesão corporal leve (CP, art. 129). Na espécie, o juízo monocrático reconhecera a prescrição da mencionada medida e ordenara a liberação gradativa do paciente, sendo esta decisão cassada pelo tribunal local, o que ensejara a impetração de habeas denegado pelo STJ. Sustentava a impetração, além da prescrição da medida de segurança, que a CF vedaria a aplicação de penas de caráter perpétuo, de forma que a internação do paciente — a qual perfaz quase 28 anos — não poderia perdurar por tempo indeterminado.

    HC 97621/RS, rel. Min. Cezar Peluso, 2.6.2009. (HC-97621)

    Medida de Segurança e Limitação Temporal - 2

    Tendo em conta o delito imputado ao paciente, cuja pena máxima é de 1 ano, rejeitou-se a alegada ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, pois não transcorrera o prazo de 4 anos entre cada uma das causas interruptivas (CP, art. 109, V). O mesmo se entendeu em relação à prescrição executória, dado que o início da execução interromperia a contagem do prazo prescricional (CP, art. 117, V). Salientou-se, ademais, não se tratar de prescrição pela duração da medida, haja vista que a internação do paciente não teria atingido, ainda, o limite máximo de 30 anos a ela incidente, qualquer que seja o crime, conforme orientação firmada no julgamento do HC 84219/SP (DJU 23.9.2005). Asseverou-se, todavia, que o paciente teria jus à desinternação progressiva, podendo receber alta planejada, uma vez que existiriam indicações de sua melhora, com gradativa absorção pelo meio social. Considerou-se que o paciente cumpriria, em tese, os requisitos para ser beneficiado com indulto, nos termos do Decreto 6.706/2008, sendo necessária, portanto, a manifestação do juízo de primeiro grau a respeito.

    HC 97621/RS, rel. Min. Cezar Peluso, 2.6.2009. (HC-97621)

    Réu Preso: Instrução Processual e Direito de Presença

    Assiste ao réu preso, sob pena de nulidade absoluta, o direito de comparecer, mediante requisição do Poder Judiciário, à audiência de instrução processual em que serão inquiridas testemunhas arroladas pelo Ministério Público. Com base nesse entendimento, a Turma, por maioria, concedeu habeas corpus para cassar decisão proferida por relator de recurso especial e restabelecer acórdão de tribunal local o qual anulara processo-crime que resultara na condenação do paciente por tráfico de drogas (Lei 6.368/76, art.12). No caso, o pleito do paciente de comparecer à audiência de instrução, realizada no juízo deprecado, fora denegado. Assentou-se que essa orientação teria por suporte o reconhecimento de que o direito de audiência, de um lado, e o direito de presença do réu, de outro — esteja ele preso ou não — traduzem prerrogativas jurídicas que derivam da garantia constitucional do due process of law e que asseguram, por isso mesmo, ao acusado, o direito de comparecer aos atos processuais a serem realizados perante o juízo processante, ainda que situado este em local diverso daquele em que esteja custodiado o réu. Ressaltou-se, ademais, serem irrelevantes as alegações do Poder Público concernentes à dificuldade ou inconveniência de proceder à remoção de acusados presos a outros pontos do Estado ou do País, eis que razões de mera conveniência administrativa não teriam precedência sobre as inafastáveis exigências de cumprimento e respeito ao que determina a Constituição. Vencida a Min. Ellen Gracie que, ressalvando apenas a inexorável conclusão de que o processo seria nulo desde a data da audiência de inquirição de determinada testemunha, denegava a ordem por não vislumbrar nos autos elementos suficientes que permitissem aferir que o testemunho teria sido central e indispensável para a formulação do juízo de condenação do paciente. Acrescentou, no ponto, a necessidade de se buscar uma visão global do processo, com a verificação de todos os elementos de prova produzidos durante a instrução, não se revelando suficiente a seleção de determinadas peças processuais — normalmente as que interessam à defesa — para alcançar tal conclusão.

    HC 93503/SP, rel. Min. Celso de Mello, 2.6.2009. (HC-93503)

    Roubo: Emprego de Arma de Fogo e Causa de Aumento

    A Turma, invocando decisão por ela proferida no HC 95142/RS (DJE de 5.12.2008) — segundo a qual não se aplica a causa de aumento prevista no art. 157, § 2º, I, do CP, a título de emprego da arma de fogo, se esta não foi apreendida e nem periciada, sem prova do disparo — e não obstante reconhecendo a existência de entendimento diverso firmado pelo Plenário no HC 96099/RS (DJE de 10.3.2009), deferiu, por maioria, habeas corpus para afastar a mencionada qualificadora e restabelecer a pena proferida pelo tribunal de origem. Na espécie, condenados como incursos nos artigos 157, § 2º, I e II, c/c o art. 14, ambos do CP, pleiteavam o afastamento da qualificadora de emprego de arma de fogo, já que esta não fora devidamente apreendida para comprovar a existência, ou não, de seu potencial lesivo. Vencida a Min. Ellen Gracie que indeferia o writ.

    HC 94827/RS, rel. Min. Eros Grau, 2.6.2009. (HC-94827)

    Porte Ilegal de Arma e Ausência de Munição

    A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se discute a tipicidade, ou não, do porte de arma desmuniciada. Trata-se, na espécie, de habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática do crime previsto no art. 14 da Lei 10.826/03 — Estatuto do Desarmamento —, no qual se pretende a nulidade da sentença condenatória, sob alegação de atipicidade da conduta, em razão de a arma portada estar desmuniciada. A Min. Ellen Gracie, relatora, denegou a ordem por entender que o tipo penal do art. 14 da mencionada lei contempla crime de mera conduta, sendo suficiente a ação de portar ilegalmente a arma de fogo, ainda que desmuniciada (Lei 10.826: “Art. 14 Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:”). Aduziu que o fato de o revólver estar desmuniciado não o desqualificaria como arma, tendo em vista que a ofensividade deste artefato não está apenas na sua capacidade de disparar projéteis, causando ferimentos graves ou mortes, mas também, na grande maioria dos casos, no seu potencial de intimidação. Enfatizou que o crime é de perigo abstrato, não tendo a lei exigido a efetiva exposição de outrem a risco, sendo irrelevante a avaliação subseqüente sobre a ocorrência de perigo à coletividade. Após, pediu vista dos autos o Min. Cezar Peluso.

    HC 95073/MS, rel. Min. Ellen Gracie, 2.6.2009. (HC-95073)

    Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e Antecipação de Tutela contra o Poder Público - 1

    A Turma referendou, em maior extensão, decisão proferida pelo Min. Celso de Mello que concedera antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional postulada em recurso extraordinário, do qual relator, interposto pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. No caso, o parquet requerera a antecipação dos efeitos da tutela com objetivo de preservar condições mínimas de subsistência e de dignidade a menor impúbere, a quem reconhecido, pela Turma, o direito à indenização, em decorrência de ato imputável ao Distrito Federal. Em sede de recurso extraordinário, este órgão fracionário assentara a responsabilidade objetiva do ente público na contaminação da genitora do citado menor, por citomegalovírus, com o qual tivera contato durante o período gestacional em função de suas atividades laborais como servidora pública de hospital daquela unidade federativa. Em virtude dessa infecção, a criança nascera com má-formação encefálica, paralisia cerebral, cegueira, tetraplegia e epilepsia.

    RE 495740 TA-referendo/DF, rel. Min. Celso de Mello, 2.6.2009. (RE-495740)

    Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e Antecipação de Tutela contra o Poder Público - 2

    Preliminarmente, aduziu-se ser viável a concessão da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional contra o Poder Público. Observou-se que, na realidade, uma vez atendidos os pressupostos legais fixados no art. 273, I e II, do CPC e observadas as restrições estabelecidas no art. 1º da Lei 9.494/97 tornar-se-ia lícito ao magistrado deferir a tutela antecipatória requerida contra a Fazenda Pública. Asseverou-se que o exame dos diplomas legislativos mencionados no preceito em questão evidenciaria que o Judiciário, em tema de antecipação de tutela contra o Poder Público, somente não poderia deferi-la nas hipóteses que importassem em: a) reclassificação funcional ou equiparação de servidores públicos; b) concessão de aumento ou extensão de vantagens pecuniárias; c) outorga ou acréscimo de vencimentos; d) pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias a servidor público ou e) esgotamento, total ou parcial, do objeto da ação, desde que esta diga respeito, exclusivamente, a qualquer das matérias acima referidas. Registrou-se, destarte, que a pretensão deduzida não incorreria em qualquer das hipóteses taxativas da restrição legal ao deferimento da tutela antecipada.

    RE 495740 TA-referendo/DF, rel. Min. Celso de Mello, 2.6.2009. (RE-495740)

    Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e Antecipação de Tutela contra o Poder Público - 3

    Quanto ao pedido formulado, enfatizou-se, inicialmente, que a antecipação dos efeitos da tutela suporia, para legitimar-se, a ocorrência de determinados requisitos, como a verossimilhança da pretensão do direito material (CPC, art. 273, caput) e o periculum in mora (CPC, art. 273, I). Assentou-se que tais premissas registraram-se na espécie, pois o direito material vindicado em favor de menor impúbere fora plenamente reconhecido pelo próprio Supremo, quando do julgamento da causa, de que resultara a sucumbência integral do Distrito Federal. Enfatizou-se que mais do que a verossimilhança do pleito jurídico, achava-se presente, na espécie, o próprio reconhecimento da postulação de direito material deduzida nos autos, a legitimar, em conseqüência, o atendimento da pretendida antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional. No que tange ao requisito do periculum in mora, ressaltou-se que o Ministério Público justificara de maneira adequada as razões que caracterizariam a concreta ocorrência, na hipótese, da situação de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (CPC, art. 273, I). Considerou-se o gravíssimo quadro que se criara em torno do menor impúbere, que permanentemente necessita de cuidados especiais tão dispendiosos que chegam a comprometer o modesto orçamento doméstico de sua família. Decisão referendada para, além de determinar a inclusão, a partir de 1º.10.2008, na folha de pagamento da entidade pública, do valor mensal referente a 2 salários mínimos a título de pensão enquanto viver o hipossuficiente, também deferir a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional quanto ao pagamento dos valores atrasados da pensão mensal, desde o nascimento do menor, bem como o do valor equivalente a 80 salários-mínimos, a título de indenização por danos morais à servidora, estabelecendo o prazo de 30 dias, sob pena, em caso de descumprimento dessa determinação, de imediata incidência da multa cominatória, de R$ 20.000,00 por dia, nos termos do art. 461, § 5º, do CPC. Determinou-se, ainda, fosse observada a cominação da multa diária em caso de inexecução de qualquer das medidas objeto da presente tutela antecipatória.

    RE 495740 TA-referendo/DF, rel. Min. Celso de Mello, 2.6.2009. (RE-495740)