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Informativo do STF 534 de 06/02/2009

Publicado por Supremo Tribunal Federal


PLENÁRIO

Proposta de Súmula Vinculante e Acesso do Advogado a Elementos de Prova já Documentados

O Tribunal, por maioria, acolheu proposta de súmula vinculante formulada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, e, em seguida, aprovou o Enunciado da Súmula Vinculante 14 nos seguintes termos: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”. Na espécie, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, com fundamento no art. 103-A, § 2º, da CF, e no art. 3º, V, da Lei 11.417/2006, propunha a edição de enunciado de súmula vinculante que tratasse do acesso, pelo advogado do investigado, aos autos do inquérito policial sigiloso, e sugeria a aprovação do seguinte texto: “O advogado constituído pelo investigado, ressalvadas as diligências em andamento, tem o direito de examinar os autos de inquérito policial, ainda que estes tramitem sob sigilo”. Preliminarmente, o Tribunal, por maioria, rejeitou questão suscitada pela Min. Ellen Gracie, e seguida pelo Min. Joaquim Barbosa, no sentido de se reconhecer não ser conveniente e oportuna a edição de súmula vinculante, ao fundamento de o tema tratado não ter tanta abrangência, no momento, a exigir da Corte um absoluto posicionamento sobre ele. Considerou-se estarem preenchidos os requisitos do art. 103-A da CF, e de ser oportuna e conveniente a edição da súmula vinculante haja vista estar-se diante de tema relativo a direitos fundamentais. Ressaltou-se, ademais, já haver diversos precedentes da Corte sobre o assunto. No mérito, entendeu-se que a jurisprudência do Supremo tem garantido a amplitude do direito de defesa, o exercício do contraditório e o devido processo legal (CF, art. 5º, LIV e LV) mesmo que em sede de inquéritos policiais e/ou processos originários, cujos conteúdos devam ser mantidos sob sigilo. Asseverou-se, por outro lado, que a redação sugerida pelo requerente já excluiria da determinação contida na súmula as diligências em andamento, a evitar qualquer óbice à efetividade da atividade investigatória. Precedentes citados: HC 88520/AP (DJU de 19.12.2007) HC 90232/AM (DJU de 2.3.2007); HC 88190/RJ (DJU de 6.10.2006); HC 92331/PB (DJU de 2.8.2008); HC 87827/RJ (DJU de 23.6.2006); HC 82354/PR (DJU de 24.9.2004). PSV 1/DF, rel. Min. Menezes Direito, 2.2.2009. (PSV-1)

ADI e Cargos de Direção de Tribunal de Justiça

O Tribunal referendou decisão concessiva de liminar, proferida pelo Min. Gilmar Mendes, Presidente, em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Procurador-Geral da República, para suspender os §§ 2º e 3º do art. 100 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Referidos dispositivos estabelecem, respectivamente, que a eleição para Presidente e Vice-Presidente do Tribunal, Corregedor-Geral de Justiça e Vice-Corregedor, “será feita entre os membros integrantes da metade mais antiga da Corte Superior que ainda não tenham exercido o cargo, sendo considerado eleito o desembargador que obtiver a maioria de votos da totalidade dos membros do Tribunal Pleno” e que “a metade referida no parágrafo anterior será apurada depois de excluídos os desembargadores inelegíveis, os impedidos e os que, antecipadamente, declararem que não são candidatos”. Entendeu-se que os preceitos impugnados, ao ampliar o rol de magistrados aptos a serem eleitos para os cargos de direção daquela Corte, afrontam, em princípio, o disposto no art. 93 da CF, por tratar de matéria reservada à lei complementar de iniciativa do STF, bem como não observam o art. 102 da Lei Orgânica Nacional da Magistratura - LOMAN (LC 35/79), que prevê a eleição de magistrados para os cargos de direção dos tribunais de forma diversa. Precedentes citados:

ADI 3566/DF (DJU de 15.6.2007); ADI 3976 MC/SP (DJE de 15.2.2008). ADI 4108 Referendo-MC/MG, rel. Min. Ellen Gracie, 2.2.2009. (ADI-4108)

ADI e Competência de Tribunal de Contas

O Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta proposta pelo Governador do Estado de Mato Grosso para declarar a inconstitucionalidade da Lei 6.209/93, do referido Estado-membro, que determina que todos os contratos celebrados entre o Governo do Estado e empresas particulares dependerão de registro prévio junto ao Tribunal de Contas estadual. Entendeu-se que a lei em questão ofende o art. 71 da CF, aplicável aos tribunais de contas estaduais, ante a regra da simetria (CF, art. 75), que não prevê como atribuição do Tribunal de Contas da União o controle prévio e amplo dos contratos celebrados pela Administração Pública. Asseverou-se que, nos termos do art. 71, I, da CF, os tribunais de contas devem emitir parecer prévio relativo às contas prestadas anualmente pelo Chefe do Poder Executivo, prestação essa que tem amparo na responsabilidade geral pela execução orçamentária e não se restringe à obrigação do Presidente da República, do Governador de Estado ou do Prefeito municipal como chefes de Poderes. Precedente citado:

ADI 849/MT (DJU de 23.4.99). ADI 916/MT, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2.2.2009. (ADI-916)

ADI e Ministério Público Especial junto ao Tribunal de Contas - 1

O Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República para declarar a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 102 da Constituição do Estado de Santa Catarina, que estabelece que o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas é exercido pelos Procuradores da Fazenda junto ao Tribunal de Contas. Aplicou-se a orientação fixada pela Corte em diversos precedentes no sentido de que os ministérios públicos que atuam junto aos tribunais de contas constituem órgãos autônomos, organizados em carreiras próprias, aplicando-se, aos seus integrantes, as disposições pertinentes a direitos, vedações e forma de investidura do parquet comum (CF, artigos 73, § 2º, I; 75 e 130). Precedentes citados: ADI 263/RO (DJU de 22.6.90); ADI 789/DF (DJU de 19.12.94); ADI 1545/SE (DJU de 24.10.97); ADI 2068/MG (DJU de 16.5.2003); ADI 2378/GO (DJU de 6.9.2007); ADI 2884/RJ (DJU de 20.5.2005) e ADI 3192/ES (DJU de 18.6.2006).

ADI 328/SC, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2.2.2009. (ADI-328)

ADI e Ministério Público Especial junto ao Tribunal de Contas - 2

Por vislumbrar afronta aos artigos 75 e 130 da CF, o Tribunal julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República para declarar a inconstitucionalidade do inciso VIII do art. 106 da Constituição do Estado do Mato Grosso, que estabelece que lei complementar, cuja iniciativa é facultada ao Procurador-Geral de Justiça, disporá sobre o exercício privativo das funções do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, e do inciso III do § 1º do art. 16 da Lei Complementar estadual 27/93, que cria uma Procuradoria de Justiça junto ao Tribunal de Contas. Preliminarmente, julgou-se a ação prejudicada quanto à Lei Complementar estadual 11/91, também impugnada, por perda superveniente de objeto, ante sua revogação pela Lei Complementar estadual 269/2007, que dispôs sobre a organização do Tribunal de Contas daquela unidade federativa. Alguns precedentes citados: ADI 709/PR (DJU de 24.6.94); ADI 520/MT (DJU de 6.6.97); ADI 3831/DF (DJU de 24.8.2007); ADI 1445QO/DF (DJU de 29.4.2005); ADI 387/RO (DJU de 9.9.2005); ADI 2884/RJ (DJU de 20.5.2005); ADI 3192/ES (DJU de 18.6.2006); ADI 2068/MG (DJU de 16.5.2003); ADI 789/DF (DJU de 19.12.94); ADI 3715 MC/TO (DJU de 25.8.2006).

ADI 3307/MT, rel. Min. Cármen Lúcia, 2.2.2009. (ADI-3307)

ADI e Vinculação de Remuneração

Por vislumbrar ofensa ao disposto no art. 37, XIII, da CF, que veda a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para efeito de remuneração de pessoal do serviço público, o Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em duas ações diretas ajuizadas pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil - ADEPOL contra atos normativos do Estado de Santa Catarina que reorganizam a estrutura administrativa e dispõem sobre a remuneração dos profissionais do Sistema de Segurança Pública estadual. Declarou-se, com eficácia ex nunc, a partir da publicação do acórdão, a inconstitucionalidade das seguintes expressões: “de forma a assegurar adequada proporcionalidade de remuneração das diversas carreiras com a de delegado de polícia”, contida no § 3º do art. 106 da Constituição estadual; “assegurada a adequada proporcionalidade das diversas carreiras com a do Delegado Especial”, constante do art. 4º da Lei Complementar estadual 55/92; “mantida a proporcionalidade estabelecida em lei que as demais classes da carreira e para os cargos integrantes do Grupo Segurança Pública - Polícia Civil”, do art. 1º da Lei Complementar estadual 99/93. Por arrastamento, declarou-se a inconstitucionalidade do § 1º do art. 10 e dos artigos 11 e 12 da Lei Complementar estadual 254/2003, com a redação dada pela Lei Complementar estadual 374/2007. Vencido, quanto ao mérito, o Min. Marco Aurélio, que julgava o pedido improcedente, e, vencidos, quanto à modulação dos efeitos, os Ministros Joaquim Barbosa e Marco Aurélio. Alguns precedentes citados: ADI 191/RS (DJE de 7.3.2008); ADI 64/RO (DJE de 22.2.2008); RE 218874/SC (DJE de 1º.2.2008); ADI 3853/MS (DJE de 26.10.2007); ADI 955/PB (DJU de 25.8.2006); ADI 2831 MC/RJ (DJU de 28.5.2004)

ADI 4001/SC, rel. Min. Eros Grau, 4.2.2009. (ADI-4001) ADI 4009/SC, rel. Min. Eros Grau, 4.2.2009. (ADI-4009)

“Leasing” e Incidência do ICMS

O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário, afetado ao Pleno pela 1ª Turma, em que se discute a constitucionalidade, ou não, da incidência do ICMS na importação de bem móvel realizada mediante operação de arrendamento mercantil (leasing). O recurso impugna acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que reputara indevido o recolhimento do referido imposto, quando do desembaraço aduaneiro, ao fundamento de que o contrato de leasing é complexo e, no caso, não fora exercida a opção de compra, não se cuidando, dessa forma, de operação que envolvesse circulação de mercadoria, mas prevalecendo a prestação de serviços consoante previsão da Lei Complementar 56/87. A Min. Ellen Gracie, relatora, deu provimento ao recurso, e reportou-se à orientação fixada no julgamento do RE 206069/SP (DJU de 1º.9.2006), de sua relatoria, no sentido de reconhecer a constitucionalidade da incidência do ICMS sobre a entrada de mercadoria importada, qualquer que seja a natureza do ajuste internacional motivador da importação. Asseverou, inicialmente, que o Constituinte de 1988 conferiu tratamento especialíssimo à incidência de ICMS sobre itens importados (CF, art. 155, § 2º, IX, a), e que a análise desse dispositivo revela que, nessa circunstância, a imposição de ICMS prescinde da verificação da natureza do negócio jurídico motivador da importação. Esclareceu que se elegeu o elemento fático “entrada de mercadoria importada” como caracterizador da circulação jurídica da mercadoria ou do bem, e se dispensaram indagações sobre os contornos do negócio jurídico realizado no exterior. Ressaltou que o legislador constituinte assim o fez porque, de outra forma, não seria possível a tributação do negócio jurídico que ensejou a importação por não estar ele ao alcance do fisco brasileiro, nem ter sido pautado pelas leis brasileiras, já que realizado no exterior. Por isso, ante a impossibilidade de tributar o próprio ajuste — a teor da regra das transações internas, em que o vendedor é o contribuinte do ICMS — ele optou por sujeitar ao ICMS o resultado do ajuste, consubstanciado na entrada da mercadoria importada. Daí, em contraponto ao sistema da incidência genérica sobre a circulação econômica, o imposto será recolhido pelo utilizador do bem que seja contribuinte do ICMS. Além disso, frisou que a Lei 6.099/74, que rege a matéria, ao tratar do leasing internacional (art. 17), teria objetivado proteger o mercado interno e evitar a elisão fiscal. Considerou, ainda, que o disposto no inciso VIII do art. 3º da Lei Complementar 87/96, que prevê a incidência do ICMS apenas na hipótese do exercício da opção de compra pelo arrendatário, só se aplicaria nas operações internas, eis que a opção de compra constante do contrato internacional não está no âmbito da incidência do ICMS e o arrendador sediado no exterior não é dele contribuinte. Por fim, observou que a isenção pretendida pela recorrida ocasionaria uma inevitável situação de privilégio em prejuízo aos bens e mercadorias nacionais objetos de leasing. Após, antecipou pedido de vista dos autos o Min. Eros Grau.

RE 226899/SP, rel. Min. Ellen Gracie, 4.2.2009. (RE-226899)

Censor Federal: Extinção de Cargo e Aproveitamento - 2

Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, não conheceu de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral da República contra a Lei 9.688/98, que declarou a extinção dos cargos de Censor Federal, referidos na Lei 9.266/96, dispôs sobre o aproveitamento de seus ocupantes nos cargos de Perito Criminal Federal e de Delegado de Polícia Federal, exigindo, quanto ao último, o título de bacharel em direito, bem como determinou a extensão, aos aposentados nos cargos extintos, dos benefícios decorrentes desse enquadramento — v. Informativo 400. Ressaltando as extravagantes peculiaridades do caso concreto, entendeu-se que o ato em análise não se amoldaria ao controle abstrato de constitucionalidade, pois, com o enquadramento por ele perpetrado (que somente veio aperfeiçoar situação que a Administração Pública já havia efetivado desde 1988) nada mais restou a ser regulamentado. Considerou-se, portanto, ter-se norma — que só serviu para dar fim a uma situação concreta relativa a um grupo insubstituível de indivíduos — de eficácia completamente exaurida, pois não ocorreram e não mais ocorrerão quaisquer outras situações no mundo dos fatos que possam subsumir-se à previsão nela contida, ou seja, seus efeitos esgotaram-se, em instante único, com a extinção do cargo de censor e o enquadramento de seus ocupantes — certos e determinados — nos cargos de perito criminal e delegado de Polícia Federal. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, relator, Joaquim Barbosa, Carlos Britto, Carlos Velloso e Celso de Mello que conheciam da ação.

ADI 2980/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ o acórdão Min. Cezar Peluso, 5.2.2009. (ADI-2980)

Prisão Preventiva: Pendência de Recurso sem Efeito Suspensivo e Execução Provisória - 5

Ofende o princípio da não-culpabilidade a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, ressalvada a hipótese de prisão cautelar do réu, desde que presentes os requisitos autorizadores previstos no art. 312 do CPP. Com base nesse entendimento, o Tribunal, por maioria, concedeu habeas corpus, afetado ao Pleno pela 1ª Turma, para determinar que o paciente aguarde em liberdade o trânsito em julgado da sentença condenatória. Tratava-se de habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que mantivera a prisão preventiva do paciente/impetrante, ao fundamento de que os recursos especial e extraordinário, em regra, não possuem efeito suspensivo — v. Informativos 367, 371 e 501. Salientou-se, de início, que a orientação até agora adotada pelo Supremo, segundo a qual não há óbice à execução da sentença quando pendente apenas recursos sem efeito suspensivo, deveria ser revista. Esclareceu-se que os preceitos veiculados pela Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal, artigos 105, 147 e 164), além de adequados à ordem constitucional vigente (art. 5º, LVII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”), sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP, que estabelece que o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo e, uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença. Asseverou-se que, quanto à execução da pena privativa de liberdade, dever-se-ia aplicar o mesmo entendimento fixado, por ambas as Turmas, relativamente à pena restritiva de direitos, no sentido de não ser possível a execução da sentença sem que se dê o seu trânsito em julgado. Aduziu-se que, do contrário, além da violação ao disposto no art. 5º, LVII, da CF, estar-se-ia desrespeitando o princípio da isonomia.

HC 84078/MG, rel. Min. Eros Grau, 5.2.2009. (HC-84078)

Prisão Preventiva: Pendência de Recurso sem Efeito Suspensivo e Execução Provisória - 6

Em seguida, afirmou-se que a prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente poderia ser decretada a título cautelar. Enfatizou-se que a ampla defesa englobaria todas as fases processuais, razão por que a execução da sentença após o julgamento da apelação implicaria, também, restrição do direito de defesa, com desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. Ressaltou-se que o modelo de execução penal consagrado na reforma penal de 1984 conferiria concreção ao denominado princípio da presunção de inocência, não sendo relevante indagar se a Constituição consagraria, ou não, a presunção de inocência, mas apenas considerar o enunciado normativo de garantia contra a possibilidade de a lei ou decisão judicial impor ao réu, antes do trânsito em julgado de sentença condenatória, sanção ou conseqüência jurídica gravosa que dependesse dessa condição constitucional. Frisou-se que esse quadro teria sido alterado com o advento da Lei 8.038/90, que instituiu normas procedimentais relativas aos processos que tramitam perante o STJ e o STF, ao dispor que os recursos extraordinário e especial seriam recebidos no efeito devolutivo. No ponto, observou-se que a supressão do efeito suspensivo desses recursos seria expressiva de uma política criminal vigorosamente repressiva, instalada na instituição da prisão temporária pela Lei 7.960/89 e, posteriormente, na edição da Lei 8.072/90. Citou-se o que decidido no RE 482006/MG (DJU de 14.12.2007), no qual declarada a inconstitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impunha a redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime funcional, ao fundamento de que tal preceito afrontaria o disposto no art. 5º, LVII, da CF. Concluiu-se que, se a Corte, nesse caso, prestigiara o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade, não o poderia negar quando se tratasse da garantia da liberdade. Vencidos os Ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie, que denegavam a ordem.

HC 84078/MG, rel. Min. Eros Grau, 5.2.2009. (HC-84078)

REPERCUSSÃO GERAL

“Leasing” e Incidência do ISS

O Tribunal iniciou julgamento de dois recursos extraordinários em que se discute a constitucionalidade, ou não, da incidência do Imposto sobre Serviços de qualquer Natureza - ISS sobre operações de arrendamento mercantil (leasing). O Min. Eros Grau, relator, deu provimento ao RE 547245/SC, interposto pelo Município de Itajaí, e negou provimento ao RE 592905/SC, interposto por instituição financeira. O relatou afirmou, inicialmente, quanto ao caráter jurídico do contrato de arrendamento mercantil, que ele é contrato autônomo que compreende 3 modalidades: 1) o leasing operacional; 2) o leasing financeiro e 3) o chamado lease-back (Resolução 2.309/96 do BACEN, artigos 5º, 6º e 23, e Lei 6.099/74, art. 9º, na redação dada pela Lei 7.132/83). Asseverou que, no primeiro caso, há locação, e, nos outros dois, serviço. Ressaltou que o leasing financeiro é modalidade clássica ou pura de leasing e, na prática, a mais utilizada, sendo a espécie tratada nos recursos examinados. Esclareceu que, nessa modalidade, a arrendadora adquire bens de um fabricante ou fornecedor e entrega seu uso e gozo ao arrendatário, mediante pagamento de uma contraprestação periódica, ao final da locação abrindo-se a este a possibilidade de devolver o bem à arrendadora, renovar a locação ou adquiri-lo pelo preço residual combinado no contrato. Observou que prepondera, no leasing financeiro, portanto, o caráter de financiamento e nele a arrendadora, que desempenha função de locadora, surge como intermediária entre o fornecedor e arrendatário. Após salientar que a lei complementar não define o que é serviço, mas apenas o declara, para os fins do inciso III do art. 156 da CF, concluiu que, no arrendamento mercantil (leasing financeiro) — contrato autônomo que não é contrato misto, cujo núcleo é o financiamento e não uma prestação de dar —, por ser financiamento serviço, pode sobre ele incidir o ISS, resultando irrelevante a existência de uma compra. Em seguida, em relação ao RE 547245/SC, pediu vista dos autos o Min. Joaquim Barbosa, e suspendeu-se o julgamento do RE 592905/SC, por nele estar impedido o Min. Joaquim Barbosa de votar.

RE 547245/SC, rel. Min. Eros Grau, 4.2.2009. (RE-547245) RE 592905/SC, rel. Min. Eros Grau, 4.2.2009. (RE-592905)

PRIMEIRA TURMA

Roubo: Emprego de Arma de Fogo e Causa de Aumento

A Turma decidiu afetar ao Plenário julgamento de habeas corpus em que se discute se, para a caracterização da majorante prevista no art. 157, § 2º, I, do CP, é dispensável ou não a perícia da arma de fogo. Trata-se, na espécie, de writ em que a Defensoria Pública da União sustenta constrangimento ilegal consistente na incidência dessa causa de aumento, sem que verificado o potencial lesivo do revólver, à pena aplicada a condenado por roubo qualificado pelo emprego de arma de fogo e pelo concurso de pessoas. Deliberou-se, também, sobrestar todos os processos que tramitam pela Turma em igual situação.

HC 96099/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 3.2.2009. (HC-96099)

Prisão Preventiva: Falta de Fundamentação e Autodefesa

A Turma não conheceu de habeas corpus em que pleiteada a revogação do decreto de prisão cautelar expedido em desfavor de condenada pela prática do crime de latrocínio (CP, art. 157, § 3º). No caso, após a soltura da paciente pelo Tribunal de Justiça local para que aguardasse o julgamento de apelação em liberdade, o juízo processante, ao receber esse recurso, determinara seu recolhimento à prisão ao argumento de garantia da ordem pública, uma vez que a credibilidade da justiça estaria abalada por causa de entrevista concedida pela paciente em programa de televisão, narrando o fato delituoso. Contra essa decisão, fora impetrado writ perante a Corte de origem, não conhecido, o que ensejara igual medida no STJ, cujo pedido de liminar restara indeferido monocraticamente. Ante a concessão de medida liminar pelo Min. Carlos Britto, relator, o STJ declarara o prejuízo do habeas corpus lá impetrado. Superado o óbice da Súmula 691 do STF, concedeu-se a ordem, de ofício, por se considerar que o simples ato de a paciente participar de programa televisivo, discorrendo sobre o quadro empírico do delito a que condenada, não teria a força de justificar a respectiva segregação cautelar. Assim, reputou-se inidôneo o fato superveniente apontado pela juíza de 1º grau para a determinação da custódia provisória. Enfatizou-se, no ponto, que a paciente apenas manifestara a sua própria versão sobre os fatos delituosos, autodefendendo-se. Dessa forma, entendeu-se que a entrevista da paciente traduzira-se no exercício constitucional à “livre manifestação do pensamento” (CF, art. 5º, IV) e de autodefesa, a mais natural das dimensões das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LV). Por fim, acolheu-se proposta do Min. Menezes Direito no sentido de que deveria ficar consignado na ementa do acórdão que esse comportamento do STJ em declarar o prejuízo da impetração não é pertinente.

HC 95116/SC, rel. Min. Carlos Britto, 3.2.2009. (HC-95116)

Enquadramento na Denúncia e Responsabilidade Objetiva - 2

A Turma, tendo em conta a concessão da ordem pelo STJ apenas no tocante à falta de fundamentação do decreto constritivo, declarou o prejuízo parcial de habeas corpus no qual se pretendia o trancamento de ação penal instaurada contra denunciado, com terceiros, pela suposta infração aos artigos 12 e 14 da Lei 6.368/76 e ao art. 180 do CP, todos combinados com o art. 69 do referido código — v. Informativo 498. Entretanto, deferiu-se o writ quanto aos fatos narrados na denúncia e o enquadramento dela constante. Aduziu-se que, relativamente ao paciente, os fatos diriam respeito à imputação ligada à circunstância de adquirir produto que sabia de procedência ao menos duvidosa, implementando, assim, prática enquadrável no delito de receptação. Asseverou-se que o Ministério Público estadual, contudo, a partir da premissa de ter o paciente adquirido produto de acusado de tráfico de drogas, o denunciara também por associação para tal fim e até mesmo por tráfico. Entendeu-se que o parquet fizera ilação incompatível com o ordenamento jurídico vigente, chegando-se, dessa forma, à responsabilidade objetiva. Em conseqüência, concluiu-se que deveria ser excluída da inicial acusatória a imputação relativa aos crimes de tráfico e de associação.

HC 92258/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 3.2.2009. (HC-92258)

Pronúncia: Excesso de Linguagem e Lei 11.689/2008

Embora ressaltando a ofensa ao princípio da colegialidade, a Turma não conheceu de habeas corpus impetrado contra decisão monocrática de Ministro do STJ que, após apreciar o mérito da causa, negara seguimento a idêntica medida em que se alegava excesso de linguagem na decisão de pronúncia do paciente. Concluiu-se pela falta de interesse de agir da impetração ante a superveniência da Lei 11.689/2008 — que alterou dispositivos do Código de Processo Penal referentes ao tribunal do júri —, haja vista que, com a referida reforma, não existe mais a possibilidade de leitura da sentença de pronúncia no plenário do tribunal do júri (CPP: “Art. 478. Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado;”). Acolheu-se, ainda, o voto adendo do Min. Menezes Direito, no sentido de assentar na própria ementa que há impropriedade do julgamento do mérito por decisão monocrática de Ministro do Tribunal a quo.

HC 96123/SP, rel. Min. Carlos Britto, 3.2.2009. (HC-96123)

Sessão de Julgamento: Intimação Pessoal do Defensor e Nulidade Relativa

Tendo em conta as particularidades do caso, a Turma indeferiu habeas corpus em que se alegava nulidade processual consistente na ausência de intimação pessoal do defensor público para a audiência de julgamento do recurso de apelação do paciente. De início, salientou-se que seria incontroverso nos autos que o patrono do réu não fora intimado pessoalmente da data do aludido julgamento e que, interposta a apelação pela defesa, houvera publicação da pauta da sessão de julgamento na imprensa oficial. Em seguida, enfatizou-se que a nulidade por falta de intimação do patrono para o julgamento da apelação é de natureza relativa, devendo ser sanada no momento em que o defensor do réu dela tem conhecimento, sob pena de preclusão. Esclareceu-se, ainda, que os dois momentos essenciais à defesa, sem os quais haveria, sim, nulidade absoluta, foram cumpridos em favor do paciente, quais sejam, a intimação para a oferta das razões de apelação e a intimação do resultado do julgamento. Aduziu-se, também, que o ato de intimação para a data do julgamento, que permitiria à defesa não mais do que uma sustentação oral, nos termos do regimento interno do tribunal estadual, se ausente ou deficiente, caracterizaria apenas nulidade relativa. Contudo, na presente situação, inexistiria dado a evidenciar que a defensoria não tivesse sido cientificada do resultado do julgamento do recurso. Assim, se essa instituição e o paciente, apesar de intimados do resultado da apelação, quedaram-se inertes por mais de 8 anos quanto a contestação de eventuais vícios procedimentais, não haveria como deixar de assentar a preclusão. Ademais, reiterou-se que o writ não pode ser empregado como sucedâneo de revisão criminal.

HC 94277/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 3.2.2009. (HC-94277)

Porte Ilegal de Arma de Fogo e Trancamento de Ação Penal

Por considerar que a desclassificação do delito de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido (Lei 10.826/2003, art. 14) para o de posse irregular (Lei 10.826/2003, art. 12) demandaria análise dos elementos fáticos-probatórios, incompatível com a via eleita, a Turma, em votação majoritária, indeferiu habeas corpus no qual pleiteado o trancamento de ação penal instaurada em desfavor do paciente. A defesa reiterava a alegação de falta de justa causa para o recebimento da denúncia, uma vez que o fato de o revólver de propriedade do paciente haver sido encontrado em barraca de terceira pessoa (que o guardara a pedido do próprio paciente) deveria ser enquadrado no tipo previsto no art. 12 da Lei 10.826/2003, cuja conduta seria atípica por força do período de vacatio legis indireta instituída pelos artigos 30 e 32 dessa mesma lei. Enfatizou-se, ainda, não estar prejudicada a apreciação, pelo juízo de origem, do tema referente à interpretação da conduta praticada pelo paciente. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto que, assentando cuidar-se de questão de direito saber se, na espécie, ter-se-ia o porte — quando a arma é encontrada, não na residência ou no trabalho do proprietário, mas em outro local, guardada por terceiro —, concediam a ordem ao fundamento de que incidiria a vacatio legis. Desse modo, tendo em conta que o paciente não portava a arma, ou seja, não a trazia consigo, asseveravam que o conceito de porte não poderia ser elastecido para nele se compreender o fato descrito na denúncia, fato este reputado incontroverso.

HC 95911/PE, rel. Min. Cármen Lúcia, 3.2.2009. (HC-95911)

SEGUNDA TURMA

Oitiva de Testemunha: Indeferimento e Juízo de Conveniência

A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que condenado pelos crimes de abuso de poder e extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento alegava violação aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório (CF, art. 5º, LV e LIV) em vista do indeferimento de oitiva de testemunha na fase de instrução processual, o que teria ocasionado o cerceamento de sua defesa e conseqüente nulidade do feito. No caso, a impetração teve tal pedido negado ao fundamento de sua total desnecessidade e irrelevância para a busca da verdade real, na medida em que a testemunha arrolada estaria presa há vários anos, muito antes da ocorrência dos fatos que estavam em apuração, bem como da ausência de relação entre o que a defesa pretendia provar e o objeto daqueles autos. Assentou-se que a jurisprudência do STF está alinhada no sentido de não constituir cerceamento de defesa o indeferimento de diligências requeridas pela defesa, se forem elas consideradas desnecessárias pelo órgão julgador, a quem compete a avaliação da necessidade ou conveniência do procedimento então proposto. Asseverou-se, ademais, que a decisão a qual indeferiu a oitiva de testemunha da defesa está amplamente motivada, não cabendo a esta Corte substituir o juízo de conveniência da autoridade judiciária a respeito da necessidade ou não dessa oitiva. Vencido o Min. Celso de Mello, que concedia o writ por entender que a exclusão antecipada, por parte do órgão judiciário competente, do rol de testemunhas, sob a alegação de que o depoimento poderia ser procrastinatório, ou de que, como na espécie, os fatos os quais o réu pretendia provar com a oitiva da aludida testemunha não tinham qualquer relação com aqueles tratados na ação penal, na verdade, acabaria frustrando a perspectiva de o réu produzir, em seu favor, prova, especialmente a partir da possibilidade da inquirição a ser feita em juízo, com a oportunidade de o Ministério Público ou contraditar esta testemunha antes mesmo da tomada de seu depoimento ou então de formular reperguntas com o objetivo de neutralizar as repostas por ela eventualmente dadas. Precedentes citados:

HC 76614/RJ (DJU de 12.6.98); AI 723935 AgR/GO (DJE 14.11.2008). HC 94542/SP, rel. Min. Eros Grau, 3.2.2009. (HC-94542)

Deserção e Incapacidade para o Serviço Militar

A Turma deferiu habeas corpus para que seja declarada a nulidade da sentença condenatória e a conseqüente extinção da punibilidade em favor do paciente, cuja condenação pelo delito de deserção (CPM, artigos 187 e 189, I) transitara em julgado posteriormente à constatação de sua temporária incapacidade para o serviço militar, em inspeção médica de saúde realizada em instrução provisória de deserção. A defesa reiterava a tese de que a condenação pelo crime de deserção perde a justa causa se constatada a incapacidade do paciente para o serviço militar, tendo em vista a própria extinção do direito de punir do Estado decorrente da perda da aptidão para esse serviço, elemento essencial para caracterizar o delito.

HC 90672/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3.2.2009. (HC-90672)


Informativo do STF 534 de 06/02/2009 | JurisHand AI Vade Mecum