Informativo do STF 525 de 24/10/2008
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
Criação de Município: Lei Posterior e Correção de Erro Material
O Tribunal julgou improcedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República em que objetivava a declaração de inconstitucionalidade da Lei 6.255/99, do Estado do Pará, ao argumento de que esse diploma legal teria criado, com áreas desmembradas dos Municípios de Benevides e Ananindeua, o Município de Marituba, sem observância do disposto no § 4º do art. 18 da CF, que condiciona a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios à consulta prévia, mediante plebiscito, às populações diretamente interessadas. Entendeu-se que a lei atacada reproduzira integralmente a Lei paraense 5.857/94, que efetivamente criara o Município de Marituba, e viera apenas a corrigir um erro material constante desta última, no sentido de acrescentar as expressões "Ananindeua" e "e Ananindeua", nos artigos 1º e 9º, haja vista que, na criação do referido Município, houvera desmembramento não apenas do Município de Benevides, mas também do de Ananindeua. Considerou-se, ainda, que os artigos que fixam os limites territoriais do Município de Marituba não sofreram nenhuma alteração, ou seja, a Lei 6.255/99 não inovou quanto ao seu espaço territorial, de modo a não ter havido criação, desmembramento ou fusão decorrente dessa lei. Asseverou-se, por fim, que a Lei 5.857/94 fora elaborada segundo as disposições legais vigentes à época, especialmente pela Lei Complementar estadual 1/90, tendo sido, nos termos desta, realizada a consulta às populações interessadas.
ADI 3107/PA, rel. Min. Joaquim Barbosa, 22.10.2008. (ADI-3107)
Desestatização de Linhas de Serviço de Transporte Rodoviário e Leilão - 1
O Tribunal, por maioria, denegou mandado de segurança impetrado pela Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros - ABRATI contra ato do Presidente da República consubstanciado no Decreto de 16.7.2008, que incluiu no Programa Nacional de Desestatização - PND as linhas de serviço de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros constantes de seu anexo, e estabeleceu a responsabilidade da Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT pela execução e pelo acompanhamento desse processo de desestatização, sob a supervisão do Ministério dos Transportes. A impetrante, salientando que seriam licitadas mais de 98% das linhas do Sistema de Transporte Interestadual e Internacional de Passageiros - STRIIP que já são exploradas por delegatários particulares, sustentava que seria indevida a inclusão de serviços já delegados, bem como inadequada a forma de leilão, devendo-se, para esse efeito, adotar-se a concorrência. Preliminarmente, afastou-se a alegação de ilegitimidade passiva do Presidente da República, visto que o Decreto impugnado seria de sua lavra, sendo objeto do mandado de segurança a inclusão das linhas de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros no PND. Afirmou-se que, sem essa providência, não seria possível a utilização da modalidade de leilão prevista no art. 4º, § 3º, da Lei 9.491/97, também contestada no writ. Esclareceu-se que a impetrante alegava tanto a impropriedade da inclusão das linhas de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros no PND quanto a impossibilidade de utilização de leilão no caso concreto, sob a alegação de que essa modalidade somente poderia ser empregada quando houvesse a licitação para outorga de serviços prestados pelo Estado, diretamente ou por empresas por ele controladas, e não de serviços já prestados por particulares. Aduziu-se que a inclusão das linhas de transporte rodoviário de passageiros no PND se deu via edição do aludido Decreto presidencial e que a operacionalização dessa desestatização se pode fazer por diversas modalidades, dentre as quais o leilão, opção adotada pela autoridade delegada, a ANTT.
MS 27516/DF, rel. Min. Ellen Gracie, 22.10.2008. (MS-27516)
Desestatização de Linhas de Serviço de Transporte Rodoviário e Leilão - 2
No mérito, concluiu-se pela higidez do ato de inclusão no PND das linhas de transporte rodoviário de passageiros, por não se vislumbrar agressão a direito líquido e certo das empresas representadas pela impetrante. Considerou-se que o PND, no âmbito do qual editado o Decreto impugnado, é disciplinado pela Lei 9.491/97, que prevê, na parte final da redação dada à alínea b do § 1º do seu art. 2º, que podem também ser desestatizados serviços públicos objeto de concessão ou permissão, ou seja, serviços públicos já explorados por particulares, de responsabilidade da União, nos termos do art. 21, XII, e, da CF, caso dos presentes autos ("Art. 2º Poderão ser objeto de desestatização, nos termos desta Lei: ... III - serviços públicos objeto de concessão, permissão ou autorização; ... § 1º Considera-se desestatização: ... b) a transferência, para a iniciativa privada, da execução de serviços públicos explorados pela União, diretamente ou através de entidades controladas, bem como daqueles de sua responsabilidade."). Asseverou-se, portanto, tratar-se de mais uma hipótese passível de inclusão no PND, conforme se deduz da expressão "bem como daqueles de sua responsabilidade", porquanto as concessões e permissões são temporárias, sendo sempre a União titular de tais serviços, em permanência. Em seguida, registrou-se que o vigente contexto do transporte interestadual e internacional de passageiros se mostra em desacordo com o que preconizado pela Constituição, tendo em vista que milhares de ligações rodoviárias são mantidas em regime de virtual monopólio, o que acarreta, ante a ausência de concorrência no setor, uma prestação de serviços deficitária aos usuários, e o aumento do poder de barganha dessas empresas para definição dos preços de passagens. Ressaltou-se ser este o alvo das preocupações consolidadas nas normas constitucionais e que determinaram a inclusão desses serviços no PND, por meio do Decreto impugnado.
MS 27516/DF, rel. Min. Ellen Gracie, 22.10.2008. (MS-27516)
Desestatização de Linhas de Serviço de Transporte Rodoviário e Leilão - 3
Prosseguindo, reputou-se ilógico o argumento inaugural da impetração de que os serviços não poderiam ser desestatizados por já estarem nas mãos de particulares, haja vista se estar diante de situações precárias à margem da lei, toleradas no interesse da continuidade do serviço, ou seja, por não estarem esses serviços em mãos de particulares, como um direito adquirido à permanência de sua exploração. Explicou-se que em tal situação se encontram apenas 2% de concessões outorgadas mediante licitação com contratos celebrados sob a égide do Decreto 2.521/98 e que, para tais contratos válidos, será respeitado o prazo de vigência. Em relação às demais 1.824 linhas do serviço rodoviário de passageiros não existe relação jurídica contratual que desautorize seu oferecimento à melhor proposta, não sendo as empresas representadas pela impetrante delegatárias de serviço público, pois algumas delas nunca o foram, e outras deixaram de sê-lo, por haver expirado o prazo contratual. Assim, nada impediria que tais concessões fossem incluídas no PND, especialmente por força do disposto na alínea b do § 1º do art. 2º da Lei 9.491/97, não cabendo ao Supremo escolher o serviço a ser desestatizado pelo Governo Federal, mas sim verificar o atendimento aos pressupostos legais da opção feita pelo Estado. Observou-se que, por um lado, existem tentativas do Governo Federal de incentivar a livre concorrência no setor de transportes de passageiros, mediante procedimento licitatório em que todos concorrerão em igualdade de condições e, por outro, das empresas, que usufruem dessas linhas, de permanecer nessa situação privilegiada.
MS 27516/DF, rel. Min. Ellen Gracie, 22.10.2008. (MS-27516)
Desestatização de Linhas de Serviço de Transporte Rodoviário e Leilão - 4
No que se refere à modalidade eleita para desestatização desses serviços, qual seja, o leilão, concluiu-se estar legitimamente prevista a possibilidade da sua adoção no art. 4º, § 3º, da Lei 9.491/97, hipótese em que se enquadra a transferência, para a iniciativa privada, da execução de serviços de responsabilidade da União, caso dos autos. Expôs-se que a justificativa apresentada pela ANTT para optar pela modalidade leilão, na operacionalização da desestatização, foi no sentido de agilizar o processo licitatório, tendo em vista o grande volume de ligações a serem realizadas e de tornar mais transparente o procedimento de outorgas. Salientou-se, ademais, ser muito frágil o argumento de que a modalidade leilão traria acrescidos custos à efetivação das outorgas, ou que a utilização dessa sistemática para a licitação traria riscos à efetiva verificação da aptidão das empresas concorrentes, e reputou-se necessária a pronta solução da hipótese, sobretudo tendo em conta ser serviço interestadual de ônibus responsável por 95% dos deslocamentos da população brasileira. Por fim, realçou-se que o que interessa é que se obedeça ao devido processo licitatório, a fim de se viabilizar a abertura desse setor da economia no objetivo maior de assegurar a melhor prestação desses serviços, propósito último visado pela Constituição. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto que concediam a ordem. Precedentes citados:
ADI 3521/PR (DJU de 16.3.2007) e ADI 1582/DF (DJU de 6.9.2002). MS 27516/DF, rel. Min. Ellen Gracie, 22.10.2008. (MS-27516)
Anulação de Concurso Público: Art. 98 do RICNJ e Inconstitucionalidade - 1
O Tribunal concedeu mandado de segurança impetrado contra ato do Conselho Nacional de Justiça - CNJ que anulara o III Concurso das Serventias Extrajudiciais do Estado de Rondônia, para, sem pronúncia da nulidade do procedimento administrativo, declarar incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 98 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça - RICNJ ("Art. 98. O Relator determinará a oitiva da autoridade que praticou o ato impugnado e, por edital, dos eventuais beneficiários de seus efeitos, no prazo de quinze dias."). Na espécie, o CNJ determinara a anulação do referido certame, a partir da constituição da Comissão Examinadora, por vislumbrar ofensa ao princípio da legalidade, em razão de não ter sido observado requisito legal da presença de um notário e um registrador, nos termos do art. 15 da Lei 8.935/94. Entendeu-se que o art. 98 do RICNJ, ao estabelecer que a intimação de partes interessadas em processos administrativos seja feita por edital, fixado em mural no átrio do Supremo, ofende o disposto no art. 5º, LV, da CF, que assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o direito ao contraditório e à ampla defesa. Ressaltou-se que, veiculada a classificação dos candidatos mediante edital, os impetrantes passaram a ter situação jurídica constituída que somente poderia ser afastada, presente o regular processo administrativo, se cientificados do pleito de irresignação de certos candidatos, para, querendo, oferecerem impugnação. Aduziu-se que, conhecidos os beneficiários do ato, deveria ocorrer a ciência respectiva, não podendo esta se verificar de forma ficta, ou seja, por edital. Esclareceu-se que os beneficiários do ato não teriam sequer conhecimento da existência do processo no CNJ, não lhes competindo acompanhar a vida administrativa deste último, inclusive o que lançado em edital cuja veiculação se mostrou estritamente interna. Assentou-se que se deveria conferir a eficácia própria ao art. 100 do RICNJ a preceituar a aplicabilidade, no que couber, da Lei 9.784/99 que prevê a necessária intimação dos interessados (artigos 3º, II; 26, §§ 3º e 4º, e 28).
MS 25962/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 23.10.2008. (MS-25962)
Anulação de Concurso Público: Art. 98 do RICNJ e Inconstitucionalidade - 2
Por outro lado, julgou-se improcedente o inconformismo quanto ao fato de o CNJ ter passado a existir com a EC 45/2004 e o edital do concurso ter sido veiculado em data anterior. Asseverou-se que, na EC 45/2004, apenas se estabeleceu o prazo de instalação do CNJ, mas não o termo inicial da sua ação fiscalizadora no campo administrativo, considerados os atos dos tribunais em geral, exceto os do Supremo no que a este cabe o crivo quanto a essa atuação. Ou seja, não teria surgido no mundo jurídico cláusula a limitar a atuação considerada a data do ato a ser apreciado. Por fim, reputou-se necessário apreciar a alegada regularidade da constituição da comissão do concurso, já que, acolhida essa causa de pedir, o CNJ não poderia reabrir o processo administrativo para cientificar os interessados e, depois, repetir a decisão impugnada, o que ocasionaria, certamente, nova impetração. Sob o ângulo glosado pelo CNJ, concluiu-se que o concurso público teria se mostrado regular, não cabendo ressalvar a reabertura do processo administrativo junto ao Conselho considerado o defeito na constituição da comissão do certame. Afirmou-se que o CNJ teria dado ao citado art. 15 da Lei 8.935/94 interpretação literal, olvidando os parâmetros do caso. Explicou-se que o concurso destinou-se ao preenchimento indistinto de serventias, tanto as de registro como as de notas, e que houve a integração ao concurso, formando a necessária equipe, da presidente local da ANOREG - Associação dos Notários e Registradores, que ingressara na área por meio de concurso semelhante. Tal integração teria ocorrido, em virtude de, após expedição de ofício para a indicação de um notário e um registrador, não ter sido demonstrado interesse por parte dos que atuavam na capital em participar da organização e feitura do certame. Dessa forma, tendo em conta que o fim visado pelo art. 15 da Lei 8.935/94, no que menciona a OAB, o Ministério Público, um notário e um registrador para integrarem o concurso, é a representação dos dois segmentos aludidos, concluiu-se que ninguém melhor que a presidente da ANOREG para atuar, personificando as duas classes, não sendo proporcional entender-se no sentido da restrição ante a titularidade de cartório de registros públicos. Vencido, parcialmente, o Min. Joaquim Barbosa, que, também declarando a inconstitucionalidade do dispositivo regimental, reconhecia a nulidade do ato impugnado por vício na intimação.
MS 25962/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 23.10.2008. (MS-25962)
Acordo de Colaboração: Denúncia de Co-réus e Oitiva na Condição de Informantes - 1
O Tribunal, por maioria, resolveu questão de ordem suscitada em ação penal - movida pelo Ministério Público Federal contra 40 pessoas acusadas da suposta prática de crimes ligados ao esquema denominado "Mensalão" -, para julgar válida a oitiva, nessa ação, na condição de informantes, de dois denunciados, em 1ª instância, de participação na prática de alguns desses crimes, e rejeitar a alegação de nulidade do processo do 1º grau. Na espécie, os citados co-réus, apesar de indicados na denúncia como envolvidos nos fatos investigados, foram arrolados como testemunhas pelo Procurador-Geral da República e não foram denunciados, na presente ação penal, por força de Acordo de Colaboração que firmaram com o Ministério Público Federal. Ocorre que, posteriormente, vieram a ser denunciados em 1ª instância. Alegava-se, na espécie, não ser possível denunciá-los no 1º grau de jurisdição, sob pena de violação à decisão do Supremo que indeferira o pedido de desmembramento do feito, tampouco ouvi-los com testemunhas na presente ação penal, tendo em vista sua qualidade de co-réus. Quanto à primeira alegação, entendeu-se inexistir qualquer violação à decisão da Corte, porquanto os co-réus não teriam sido denunciados nos autos da presente ação penal, sendo, por isso, incabível falar-se em desmembramento do feito. Asseverou-se ter havido oferecimento de denúncia autônoma contra eles, perante juízo competente, em atuação no 1º grau, três anos após a denúncia feita nesta ação penal, a fim de viabilizar o cumprimento dos termos do Acordo de Colaboração citado, no qual o parquet se comprometeu a solicitar o perdão judicial dos acusados, caso cumpram esses termos (Lei 9.807/99, artigos 13 e 14). Esclareceu-se, ademais, não ser possível nem o aditamento da denúncia, na fase da presente ação penal (oitiva de testemunhas de acusação), haja vista que isso causaria prejuízo extremo ao bom andamento do feito, nem o ajuizamento da denúncia perante o Supremo, em razão de os acusados não possuírem aqui foro por prerrogativa de função.
AP 470 QO/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 23.10.2008. (AP-470)
Acordo de Colaboração: Denúncia de Co-réus e Oitiva na Condição de Informantes - 2
Quanto à segunda assertiva, considerou-se que, em virtude de serem co-réus, e não testemunhas em sentido próprio, as quais devem ser estranhas aos fatos objeto do julgamento, eles poderiam ser ouvidos nesta fase da ação penal, na condição de informantes, que é uma "testemunha imprópria", que não presta compromisso. Reportando-se ao que decidido no HC 89671/RJ (DJU de 16.2.2007), asseverou-se que os dois co-réus firmaram acordo de delação premiada com o parquet federal, ostentando a qualidade de co-réus colaboradores, porém, por não terem sido denunciados, não foram ouvidos na fase do interrogatório judicial, daí por que foram arrolados, na denúncia, como testemunhas de acusação. Aduziu-se que a oitiva dos referidos co-réus seria fundamental tanto para submeter suas declarações pré-processuais ao crivo do contraditório quanto para possibilitar o cumprimento, pelos mesmos, dos termos do acordo de delação premiada firmada, salientando-se que a Lei 9.807/99 condiciona a concessão do perdão, com a conseqüente extinção da punibilidade, à efetividade da colaboração prestada pelos co-réus "delatores". Concluiu-se, assim, ser perfeitamente viável o aproveitamento dos depoimentos dos co-réus nesta fase de oitiva de testemunhas de acusação, e não haver qualquer ilegalidade na colheita dos seus depoimentos, sob o crivo do contraditório, na condição de informantes. Vencido o Min. Marco Aurélio que não admitia o depoimento dos co-réus nem como testemunhas nem como informantes.
AP 470 QO/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 23.10.2008. (AP-470)
Substituição de Testemunha Não Encontrada
O Tribunal, por maioria, negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão que deferira substituição de testemunha não localizada. Na espécie, sustentava-se que a substituição de testemunha fora deferida com base no art. 397 do CPP ("Se não for encontrada qualquer das testemunhas, o juiz poderá deferir o pedido de substituição, se esse pedido não tiver por fim frustrar o disposto nos arts. 41, in fine, e 395."), dispositivo que, quando da prolação da decisão agravada, já teria sido revogado pela Lei 11.719/2008. Alegava-se, ademais, que tal procedimento não poderia mais ser admitido, por ausência de previsão legal. Considerou-se que, embora a possibilidade de substituição de testemunha não encontrada não estivesse mais expressamente prevista no CPP, não se haveria de entender que o legislador teria adotado um silêncio eloqüente na matéria, sobretudo por não ter havido uma revogação direta e expressa do antigo texto do art. 397 do CPP, mas sim uma reforma de capítulos inteiros do Código, por leis esparsas, alcançando aquele dispositivo, sem que se pudesse concluir, contudo, que a inacessível volutas legislatoris seria no sentido de impedir eventuais substituições de testemunhas no curso da instrução, mesmo quando não localizada a que fora arrolada originalmente, sob pena de se inviabilizar uma prestação jurisdicional efetiva e justa. Assim, reputou-se perfeitamente aplicável à hipótese, por analogia (CPP, art. 3º), o art. 408 do CPC ("Art. 408. Depois de apresentado o rol, de que trata o artigo antecedente, a parte só pode substituir a testemunha: I - que falecer; II - que, por enfermidade, não estiver em condições de depor; III - que, tendo mudado de residência, não for encontrada pelo oficial de justiça."), enquadrando-se o caso em análise no inciso III do referido dispositivo legal. Não se vislumbrou, por fim, qualquer tentativa de burla ao prazo processual para o arrolamento das testemunhas. Vencido o Min. Marco Aurélio que dava provimento ao recurso.
AP 470 AgR/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 23.10.2008. (AP-470)
Parlamentar não Reeleito e Continuidade de Julgamento pelo Supremo - 1
O Tribunal concluiu julgamento de inquérito no qual se imputava a Deputado Federal, militar da reserva remunerada, a suposta prática do crime de publicação ou crítica indevida, previsto no art. 166 do Código Penal Militar - CPM, em razão de ter publicado, em seu jornal, matéria crítica a ato de comandante de batalhão da polícia militar - v. Informativo 425. Preliminarmente, considerando o fato de já terem sido proferidos quatro votos no sentido do arquivamento, o Tribunal, por votação majoritária, deliberou prosseguir com o julgamento, não obstante o indiciado, antes da retomada deste, suspenso com pedido de vista, tivesse cumprido seu mandato, não sendo reeleito. Entendeu-se que a circunstância de, após iniciado o julgamento, ter-se alterado um estado de fato que implicaria a modificação da competência não atingiria o julgamento, por ser ele ato unitário que se desdobra fisicamente. Vencidos, no ponto, os Ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, que reputavam cessada a competência da Corte, em razão de ter o detentor da prerrogativa de foro deixado o cargo que a motivou, não influenciando o fato de o julgamento já ter iniciado. Precedentes citados: Inq 2277/DF (DJU de 29.9.2006) e AP 333/PB (DJE de 11.4.2008). Inq 2295/MG, rel. orig. Min. Sepúlveda Pertence, rel.p/ o acórdão Min. Menezes Direito, 23.10.2008. (INQ-2295)
Crime Militar e Imunidade Material - 2
No mérito, determinou-se o arquivamento dos autos. Salientou-se que o indiciado, embora no exercício de mandato de Deputado Federal, submeter-se-ia à aplicação da lei penal militar por ser militar da reserva remunerada (CPM, art. 9º, III e 13), estando presentes, em tese, os elementos constitutivos do tipo penal militar apontado. Entretanto, entendeu-se haver incidência, na espécie, da imunidade material parlamentar, haja vista que os fatos narrados guardariam relação de conexão com a condição de parlamentar do investigado, eis que ele fora eleito com votos de outros membros da corporação militar a que pertence e, ao publicar a referida notícia, teria agido no legítimo exercício do mandato representativo de que estava investido. Inq 2295/MG, rel. orig. Min. Sepúlveda Pertence, rel.p/ o acórdão Min. Menezes Direito, 23.10.2008. (INQ-2295)
REPERCUSSÃO GERAL
Dedução do Valor da CSLL e Base de Cálculo do IRPJ - 1
O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que decidira pela impossibilidade da dedução do valor equivalente à contribuição social sobre o lucro líquido - CSLL da base de cálculo do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza devido pela pessoa jurídica - IRPJ, dada a legalidade do art. 1º, parágrafo único, da Lei 9.316/96 ("Art. 1º O valor da contribuição social sobre o lucro líqüido não poderá ser deduzido para efeito de determinação do lucro real, nem de sua própria base de cálculo. Parágrafo único. Os valores da contribuição social a que se refere este artigo, registrados como custo ou despesa, deverão ser adicionados ao lucro líqüido do respectivo período de apuração para efeito de determinação do lucro real e de sua própria base de cálculo."). Sustenta-se, na espécie, transgressão aos artigos 145, § 1º; 146, III, a e 153, III, todos da CF. O Min. Joaquim Barbosa, relator, negou provimento ao recurso. Afastou, inicialmente, a alegada violação do conceito constitucional de renda (CF, art. 153, III). Asseverou que a CF/88 permite a tributação da renda e dos proventos de qualquer natureza sem estipular, expressamente, um conceito para renda ou proventos, que são as bases de cálculo constitucionais do tributo, mas que, por outro lado, não há um conceito ontológico para renda, de dimensões absolutas, caráter imutável e existente independentemente da linguagem, que possa ser violado pelo legislador complementar ou ordinário, haja vista se estar diante de um objeto cultural. Considerou que, nos quadrantes do sistema constitucional tributário, o conceito de renda pode ser estipulado apenas a partir de uma série de influxos oriundos do sistema jurídico, como a proteção ao mínimo existencial, o direito ao amplo acesso à saúde, a capacidade contributiva, a proteção à livre iniciativa e à atividade econômica, e de outros sistemas com os quais o Direito possui ligações, como o econômico e o contábil. Tendo isso em conta, afirmou que, para análise das questões postas no recurso, seria suficiente considerar quatro aspectos para a definição da base de cálculo possível do imposto sobre a renda: a) acréscimo patrimonial resultante do cômputo de certos b) ingressos e de certas c) saídas, ao longo de um dado d) período de tempo, e que esses critérios poderiam ser deduzidos das normas gerais em matéria tributária construídas a partir do CTN (artigos 43 e 44).
RE 582525/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 22.10.2008. (RE-582525)
Dedução do Valor da CSLL e Base de Cálculo do IRPJ - 2
Em seguida, o relator aduziu que o valor devido a título de CSLL não deveria, nos termos da CF, ser tratado como uma despesa operacional ou necessária para fins de apuração do IRPJ e, portanto, dedutível. Ressaltou que nem todas as despesas são relevantes à apuração do IR, pois a despesa operacional ou a necessária devem estar direta, intrínseca ou intimamente ligadas à atividade empresarial, ou seja, despesas relacionadas às atividades ou aos materiais que servem de pressupostos ao processo produtivo. Realçou que o valor devido a título de CSLL, por sua vez, corresponde a uma parcela do lucro do contribuinte, destinada aos cofres públicos em razão de seu dever fundamental de pagar tributos, e não consiste, assim, em despesa necessária ou operacional à realização da operação ou do negócio que antecedem o fato jurídico tributário, que é auferir renda. Frisou que auferir renda é pressuposto da tributação pela incidência do imposto sobre a renda, critério material que deve ser confirmado pela base de cálculo homônima, e que a incidência do IRPJ ou da CSLL não antecede as operações empresariais que servirão de base aos fatos jurídicos tributários, mas, pelo contrário, toma-as como pressuposto. Concluiu que as obrigações tributárias resultantes da incidência de tributos calculados com base no lucro real ou grandezas semelhantes não são despesas essenciais à manutenção das atividades econômicas, mas conseqüências dessas atividades, ou seja, o tributo não é insumo da cadeia produtiva.
RE 582525/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 22.10.2008. (RE-582525)
Dedução do Valor da CSLL e Base de Cálculo do IRPJ - 3
O Min. Joaquim Barbosa rejeitou a alegação de que a proibição da dedução implicaria cálculo do tributo sobre valor que efetivamente não corresponde à renda. Esclareceu que, para a formação da renda, de modo a atrair a incidência do IRPJ, é irrelevante tanto a circunstância de o acréscimo patrimonial ou o saldo positivo ter sido consumido ou não, antes ou depois da apuração, como a circunstância de parte da renda tornar-se vinculada ao adimplemento de uma dada obrigação, de forma a fixar destinação específica para o montante. Assentou que o IRPJ incidirá no momento em que verificada a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos, sem que se cogite, em qualquer hipótese, do destino que posteriormente será dado aos valores. Salientou que o quadro em exame é marcado por dois momentos distintos: no primeiro, o contribuinte recebe um fluxo de novas riquezas que, depois da devida apuração, representará ou não renda; no segundo, se confirmada a existência do lucro real e em razão da incidência das regras-matrizes do IRPJ e da CSLL, uma parte daquele valor terá de ser destinada aos cofres públicos. Daí, se entre esses momentos o contribuinte der destinação aos valores, nem por isso deixará de haver renda ou lucro. Reafirmando que somente as despesas operacionais ou necessárias, ligadas diretamente à manutenção da atividade econômica são relevantes para infirmar o saldo positivo que caracteriza o lucro real, base de cálculo do IRPJ, concluiu não haver dupla tributação ou incidência do IRPJ sobre a CSLL, haja vista que o valor que deve ser pago a título de CSLL não deixa de ser lucro ou renda para o contribuinte, em razão da destinação que por ele lhe será dada após a apuração de ambas as exações.
RE 582525/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 22.10.2008. (RE-582525)
Dedução do Valor da CSLL e Base de Cálculo do IRPJ - 4
Pelas mesmas razões, o relator não vislumbrou a apontada ofensa à reserva de lei complementar para dispor sobre normas gerais em matéria de IR (CF, art. 146, III, a), porquanto os artigos 43 e 44 do CTN não especificam o que se deve entender por lucro real, na extensão pretendida pela recorrente, nem conceituam renda, tomado o mesmo parâmetro, nada havendo nesses dispositivos que viabilize a identificação dos valores pagos a título de CSLL como despesa operacional ou necessária à atividade empresarial, para fins de tornar obrigatório o cômputo dos gastos na apuração do IRPJ. Repeliu, de igual modo, a mencionada afronta ao princípio da capacidade contributiva (CF, art. 145, §1º), na sua acepção objetiva ou subjetiva, visto que a vedação da dedução do valor da CSLL na apuração do IRPJ não leva inexoravelmente à tributação do patrimônio ou de qualquer outra grandeza que não seja renda. Asseverou que, independentemente de ser alocado à extinção do crédito tributário, o valor pago a título de CSLL também representa renda para o contribuinte, podendo ser incluído no cálculo da obrigação tributária referente ao IRPJ. Aduziu, ademais, não haver indicação de que a ausência da dedução pretendida exaspere demasiadamente a carga tributária, de modo a torná-la desproporcional, proibitiva ou punitiva da atividade econômica.
RE 582525/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 22.10.2008. (RE-582525)
Dedução do Valor da CSLL e Base de Cálculo do IRPJ - 5
Por fim, o relator reputou improcedente a assertiva de desrespeito à regra da anterioridade. Considerou que o prazo previsto pela regra da anterioridade especial, aplicável à CSLL (CF, art. 195, § 7º), não se soma à regra da anterioridade tradicional (CF, art. 150, III, b), aplicável ao IR, e que a circunstância de qualquer aumento pertinente à CSLL somente ser exigível após noventa dias da data de publicação da respectiva lei que o determinar não afeta a contagem do prazo de anterioridade para tributo da espécie imposto, como é o caso do IR. Além disso, afirmou que, porque o IR é um tributo da espécie imposto, qualquer majoração somente poderia ser exigida no exercício subseqüente ao da publicação da respectiva lei. Salientou que a Lei 9.316/96 é oriunda da MP 1.516/96, e que, se se considerar que a vedação consistiu em verdadeiro aumento do tributo, a exigência somente poderia ter efeito a partir do ano de 1997. Tendo em conta que o período discutido nos autos do mandado de segurança impetrado pela ora recorrente se limita ao ano-base de 1997, e que a obrigação tributária deveria ser solvida em 30.3.98, concluiu que, independentemente de se considerar relevante para a incidência da regra de anterioridade o momento em que ocorre o fato gerador ou o momento em que o tributo é apurado, o período discutido pelo contribuinte já extrapolava o prazo de anterioridade previsto no art. 150, III, a, da CF.
RE 582525/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 22.10.2008. (RE-582525)
Dedução do Valor da CSLL e Base de Cálculo do IRPJ - 6
Em divergência, o Min. Marco Aurélio deu provimento ao recurso. Apontou, inicialmente, vício formal, ao fundamento de que a inovação deveria ter vindo à luz mediante lei complementar, que alterasse o CTN, mais especificamente o que previsto em seu art. 43. Asseverou que, ultrapassado esse vício, não se estaria, de toda forma, diante de algo que se enquadrasse no figurino constitucional do tributo, haja vista que a pessoa jurídica tem, considerada a CSLL, um ônus e não uma vantagem, não sendo possível entender que um ônus signifique, ao mesmo tempo, ônus e renda para quem quer que seja. Ademais, aduziu, quanto à questão relativa à capacidade econômica do contribuinte, não ser concebível que, em se tratando de um ônus, essa capacidade fosse aumentada para que o contribuinte viesse a arcar com a incidência do tributo e, especificamente, do imposto que o é sobre a renda. Após, pediu vista dos autos o Min. Cezar Peluso.
RE 582525/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 22.10.2008. (RE-582525)
PRIMEIRA TURMA
"Parcela do Solo Criado" e Lei Municipal
A Turma, por maioria, desproveu recurso extraordinário em que questionada a exigência do pagamento da remuneração alusiva à "parcela do solo criado", instituída pela Lei 3.338/89, do Município de Florianópolis. Sustentava-se, na espécie, tratar-se de imposto criado sem base constitucional, o que ofenderia os artigos 5º, XXII; 156 e 182, § 2º, todos da CF. Inicialmente, em votação majoritária, assentou-se a competência da Turma para apreciar o presente recurso, porquanto envolvida apenas discussão sobre a natureza jurídica dessa exação. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio que, tendo em conta a alegação de inconstitucionalidade da referida lei, suscitava questão de ordem no sentido de submeter ao Plenário o julgamento do caso. No mérito, entendeu-se que a parcela impugnada não atenta contra o direito de propriedade, uma vez que seu alcance é a remuneração, ao Município, pelo proprietário da edificação em decorrência da utilização de área superior ao coeficiente único não oneroso de aproveitamento. Com base nessa mesma orientação, afastou-se, ainda, o argumento de que a "parcela do solo criado" configuraria tributo. Reiterou-se que se cuida de compensação financeira pelo ônus causado em decorrência da sobrecarga da aglomeração urbana, destinada à formação de um Fundo de Obras Urbanas, sendo dispensada em hipóteses próprias. Dessa forma, concluiu-se pela impossibilidade de sua identificação com qualquer figura tributária a impor uma disciplina legal específica. Vencido o Min. Marco Aurélio que, por considerar que as posturas municipais estabelecem um gabarito para construções verticais, as quais não poderiam ser colocadas em plano secundário com o pagamento efetuado pelo proprietário, provia o extraordinário e declarava a inconstitucionalidade da lei municipal. Precedente citado:
RE 387047/SC (DJE de 2.5.2008). RE 226942/SC, rel. Min. Menezes Direito, 21.10.2008. (RE-226942)
Roubo: Emprego de Arma de Fogo e Causa de Aumento
A Turma iniciou julgamento de habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que não reconhecera a continuidade delitiva entre o estupro e o atentado violento ao pudor praticados pelo paciente, e contra ele aplicara, ainda, a causa de aumento de pena prevista para o crime de roubo, em razão do emprego de arma (CP, art. 157, § 2º, I). A impetração pretende que incida a orientação firmada pelo Supremo no julgamento do HC 89827/SP (DJU de 27.4.2007), em que admitida a continuidade entre os mencionados crimes, assim como argüi a necessidade de realização de perícia demonstrando a idoneidade do mecanismo lesivo do revólver. A Min. Cármen Lúcia, relatora, deferiu, em parte, o writ para afastar a qualificadora relativamente ao roubo. Tendo em conta que as instâncias de mérito não indicaram a existência de outra prova de que a arma possuiria potencialidade lesiva, entendeu que esse exame seria imprescindível para a incidência da causa de aumento. Por outro lado, tendo em conta a jurisprudência predominante desta Corte no sentido de que os crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, ainda que perpetrados contra a mesma vítima, caracterizam concurso material, indeferiu o pedido quanto à continuidade delitiva. No ponto, não adotou o paradigma apontado ante a diversidade das situações, uma vez que os atos constitutivos do atentado violento ao pudor não consistiriam, no presente caso, "prelúdio ao coito", porquanto efetivados em momento posterior à conjunção carnal. Após, pediu vista o Min. Ricardo Lewandowski.
HC 94714/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 21.10.2008. (HC-94714)
Art. 595 do CPP e Constitucionalidade
A Turma decidiu afetar ao Plenário julgamento de habeas corpus no qual se pleiteia, sob a alegação de inconstitucionalidade do art. 595 do CPP ("Se o réu condenado fugir depois de haver apelado, será declarada deserta a apelação."), afastar óbice ao prosseguimento de recurso de apelação interposto pelo paciente, que empreendera fuga, após a sua condenação. Argumenta a defesa que o referido dispositivo afronta o princípio da ampla defesa e que estaria em desacordo com o Pacto de São José da Costa Rica. A Turma preconizou, ainda, a preferência no pregão, haja vista que o presente feito encontrava-se sobrestado desde 18.3.2005, aguardando a decisão definitiva do RHC 83810/RJ (v. Informativo 334), em que se discute matéria diversa, qual seja, a constitucionalidade do art. 594 do mesmo diploma legal.
HC 85369/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 21.10.2008. (HC-85369)
Livramento Condicional e Exame Criminológico
A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se discute se o exame criminológico constitui, ou não, requisito para a obtenção do benefício de livramento condicional. No caso, o tribunal de origem indeferira o aludido benefício ao fundamento de que o requisito objetivo não estaria preenchido e porque ausentes elementos para a aferição do mérito subjetivo do paciente. Em conseqüência, determinara a realização do exame criminológico. O impetrante alega, na espécie, constrangimento ilegal decorrente da falta de motivação idônea na determinação do exame criminológico para fins de livramento condicional, uma vez que, após o advento da Lei 10.792/2003, esse requisito não mais estaria previsto na Lei de Execução Penal - LEP. Aduz, também, que o paciente satisfaz a exigência de ordem objetiva, na medida em que já cumprira mais da metade da pena imposta. A Min. Carmem Lúcia, relatora, indeferiu o writ, no que foi acompanhada pelo Min. Menezes Direito. De início, salientou que o tribunal de justiça poderia, em sede de agravo em execução, proceder a nova análise dos requisitos da progressão, inclusive os de ordem subjetiva, uma vez que esse recurso devolve ao tribunal ad quem a apreciação da matéria examinada na origem. Asseverou que isso acontece, pois se aplicam ao agravo previsto no art. 197 da LEP as disposições referentes ao recurso em sentido estrito. No entanto, manteve a decisão impugnada, haja vista que a jurisprudência do STF assenta-se no sentido de não haver ilegalidade na imposição do exame criminológico, desde que fundamentada a decisão, como elemento de avaliação dos requisitos subjetivos necessários para o eventual deferimento ou não da progressão de regime. Enfatizou a possibilidade de sua adoção para a concessão de livramento condicional, indulto e comutação de penas (LEP, art. 112, § 2º). Ademais, observou que a interpretação do instituto do livramento condicional - cujos efeitos estão ligados ao comportamento carcerário e às avaliações sociais e psicológicas do condenado - não permitiria o acolhimento do pedido, notadamente se considerado o teor das decisões proferidas na 1ª instância, em que informado que o paciente não registra cumprimento satisfatório da reprimenda, com o cometimento de faltas graves. Após, pediu vista dos autos o Min. Ricardo Lewandowski.
HC 93108/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 21.10.2008. (HC-93108)
SEGUNDA TURMA
Tráfico de Drogas e Combinação de Leis Incriminadoras - 2
A Turma, em conclusão de julgamento, deferiu, por maioria, habeas corpus impetrado em favor de condenado por tráfico ilícito de entorpecentes (Lei 6.368/76, art. 12, c/c art. 29 do CP) para que se aplique, em seu benefício, a causa de diminuição trazida pela Lei 11.343/2006 - v. Informativo 523. Centrava-se a questão em apurar o alcance do princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, em face da nova Lei de Tóxicos, que introduziu causa de diminuição da pena para o delito de tráfico de entorpecentes, mas aumentou-lhe a pena mínima. Inicialmente, salientou-se a necessidade de se perquirir se seria lícita a incidência isolada da causa de diminuição de pena aos delitos cometidos sob a égide da lei anterior, tendo por base as penas então cominadas. Entendeu-se que aplicar a causa de diminuição não significa baralhar e confundir normas, uma vez que o juiz, ao assim proceder, não cria lei nova, mas apenas se movimenta dentro dos quadros legais para uma tarefa de integração perfeitamente possível. Ademais, aduziu-se que se deveria observar a finalidade e a ratio do princípio, para dar correta resposta à questão, não havendo como se repudiar a aplicação da causa de diminuição também a situações anteriores. Nesse diapasão, enfatizou-se, também, que a vedação de junção de dispositivos de leis diversas é apenas produto de interpretação da doutrina e da jurisprudência, sem apoio direto em texto constitucional. Vencida a Min. Ellen Gracie, relatora, que indeferia o writ por considerar que extrair alguns dispositivos, de forma isolada, de um diploma legal, e outro preceito de diverso diploma, implicaria alterar por completo o seu espírito normativo, gerando um conteúdo distinto do previamente estabelecido pelo legislador, e instituindo uma terceira regra relativamente à situação individual do paciente. Precedente citado:
HC 68416/DF (DJU de 30.10.92). HC 95435/RS, rel. orig. Min. Ellen Gracie, rel. p/ o acórdão Min. Cezar Peluso, 21.10.2008. (HC-95435)
e
Deserção e Condição de Militar A Turma indeferiu habeas corpus impetrado em favor de militar, em que se pleiteava a extinção ou o arquivamento de instrução provisória contra ele instaurada, a fim de que não fosse preso sem que houvesse ordem escrita e fundamentada pela autoridade competente. Alegava-se, em suma, que o paciente fora excluído das Forças Armadas e, portanto, seria parte ilegítima para figurar no pólo passivo da instrução provisória de deserção. Ademais, pela mesma razão, não mais lhe seria aplicável a ressalva contida na parte final do inciso LXI do art. 5º da CF ("ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei."). Asseverou-se que o crime de deserção atribuído ao paciente fora praticado quando este, ainda, ostentava a condição de militar. Destarte, tal circunstância permitiria tanto a instauração de instrução provisória de deserção quanto a prisão do desertor, independentemente de ordem judicial, conforme a ressalva do aludido dispositivo. Salientou-se, ademais, que a instrução provisória de deserção não se confunde com a ação penal, sendo certo que a condição de militar obsta apenas o oferecimento da denúncia e, por conseguinte, o início da ação penal (CPPM, art. 457, § 3º).
HC 94367/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, 21.10.2008. (HC-94367)
Sucessão de Leis e Bens Jurídicos Distintos
A Turma indeferiu habeas corpus em que se pretendia a nulidade de acórdão do TRF da 3ª Região, porque este não teria reconhecido a revogação do art. 16 da Lei 7.492/86 pelo art. 27-E da Lei 10.303/2001 [Lei 7.492/86: "Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração (Vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio: Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa."; Lei 10.303/2001: "Art. 27-E. Atuar, ainda que a título gratuito, no mercado de valores mobiliários, como instituição integrante do sistema de distribuição, administrador de carteira coletiva ou individual, agente autônomo de investimento, auditor independente, analista de valores mobiliários, agente fiduciário ou exercer qualquer cargo, profissão, atividade ou função, sem estar, para esse fim, autorizado ou registrado junto à autoridade administrativa competente, quando exigido por lei ou regulamento: Pena - detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa."]. Entendeu-se não ter havido a alegada revogação, uma vez que a objetividade jurídica dos tipos penais seria distinta e haveria elementos da estrutura dos dois tipos que também não se confundiriam. Esclareceu-se que o bem jurídico tutelado pela Lei 7.492/86 é a higidez do Sistema Financeiro Nacional, considerando-se instituição financeira aquela que tenha por atividade principal a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros de terceiros. A seu turno, a Lei 10.303/2001 protege a integridade do mercado de valores mobiliários que, no caso relacionado ao paciente, sequer foi ameaçado pelas práticas apuradas e provadas nos autos. Concluiu-se inexistir, por conseguinte, constrangimento ilegal.
HC 94955/SP, rel. Min. Ellen Gracie, 21.10.2008. (HC-94955)
Excesso de Prazo e Complexidade do Feito
A Turma denegou habeas corpus em que se alegava excesso de prazo na manutenção da custódia do paciente, preso preventivamente desde 19.8.2005 por suposta infração ao art. 121, § 2º, III e IV, na forma do art. 29, ambos do CP. Alegava-se que a falta de previsão para seu julgamento pelo Tribunal do Júri, até a presente data, caracterizaria constrangimento ilegal, já que a defesa não teria contribuído para o atraso. Entendeu-se ser possível a prorrogação dos prazos processuais para o término da instrução criminal de caráter complexo, se devidamente fundamentada e com base no parâmetro da razoabilidade. Considerou-se, na espécie, justificado o excesso de prazo. Contudo, em virtude de elementos indicativos de que a instrução criminal fora finalizada com a prolação da sentença de pronúncia, recomendou-se ao juiz de direito da Vara do Júri da Comarca de São Bernardo do Campo - SP que providencie a realização da sessão do Júri dentro do prazo de 30 dias a contar da apresentação da contrariedade pela defesa.
HC 95314/SP, rel. Min. Ellen Gracie, 21.10.2008. (HC-95314)