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Informativo do STF 521 de 26/09/2008

Publicado por Supremo Tribunal Federal


PLENÁRIO

Terras Indígenas: Ação Declaratória de Nulidade de Títulos - 1

O Tribunal iniciou julgamento de ação cível originária proposta pela Fundação Nacional do Índio - FUNAI na qual se pretende a declaração de nulidade de títulos de propriedade de imóveis rurais expedidos pelo Governo do Estado da Bahia sob alegação de se tratar de terras indígenas. Preliminarmente, o Tribunal resolveu questão de ordem, suscitada pelo relator, no sentido de admitir, na lide, na condição de assistente simples da autora, a Comunidade Indígena Pataxó Hã hã hãe, recebendo o processo no estado em que se encontra. Em seguida, o relator rejeitou preliminar de impossibilidade jurídica do pedido sustentada pelos réus em razão de não ter sido individualizado o perímetro de cada propriedade e de não terem sido mencionados os nomes de todos os proprietários envolvidos na lide, que se desbordaria dos limites no âmbito dos quais o CPC circunscreve o chamado "pedido genérico". O relator, no ponto, afirmou tratar-se de ação declaratória, em que se pleiteia a nulidade de títulos de propriedade e registros imobiliários em certa área indígena, não havendo falar-se, portanto, em "pedido genérico". Acrescentou que a FUNAI forneceu documentos que viabilizaram os trabalhos periciais, envidou os esforços necessários à citação pessoal do maior número de réus, e recorreu à citação por edital apenas quando não conseguiu os endereços dos requeridos.

ACO 312/BA, rel. Min. Eros Grau, 24.9.2008. (ACO-312)

Terras Indígenas: Ação Declaratória de Nulidade de Títulos - 2

No mérito, o Min. Eros Grau, relator, julgou procedente o pedido formulado para declarar a nulidade de todos os títulos de propriedade cujas respectivas glebas estejam localizadas dentro da área da Reserva Indígena Caramuru-Catarina-Paraguaçu, e julgou improcedentes as reconvenções apresentadas pelos réus. Salientou, de início, que a questão de ordem suscitada pelo relator que o antecedera fora resolvida no sentido de que a demarcação prévia da área abrangida pelos títulos não seria, em si, indispensável ao ajuizamento da própria ação e de que o Tribunal poderia examinar se a área seria ou não indígena para decidir pela procedência ou não do pedido. Asseverou que, nestes autos, não se discute a legalidade de demarcação de terra indígena, diferentemente do ocorre na Pet 3388/DF (v. Informativo 517). Em seguida, o relator elencou a legislação que deu origem ao reconhecimento dos direitos originários dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam (Alvará de 1º.4.1680; Lei 601/1850 - Lei de Terras de Dom Pedro II; Decreto 1.318/1854; Decreto 8.072/1910; Lei baiana 1.916/26; Decreto 5.484/1928; Lei 6.001/73 - Estatuto do Índio; Constituições de 1891, 1934,1937, 1946, 1967, EC 1/1969, Constituição de 1988), ressaltando que a "ocupação permanente" ou "ocupação tradicional" de terras pelos silvícolas e a inalienabilidade dessas terras são recorrentes nos preceitos referidos.

ACO 312/BA, rel. Min. Eros Grau, 24.9.2008. (ACO-312)

Terras Indígenas: Ação Declaratória de Nulidade de Títulos - 3

Após observar que a presente ação foi proposta sob a égide da CF/67, com as alterações da EC 1/69, o relator afirmou que este é o parâmetro a ser usado para julgamento do pedido da FUNAI e da União, e aduziu que o texto do seu art. 198 refere a posse permanente do silvícola ("Art. 198. As terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis nos têrmos que a lei federal determinar, a êles cabendo a sua posse permanente e ficando reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de tôdas as utilidades nelas existentes. § 1º Ficam declaradas a nulidade e a extinção dos efeitos jurídicos de qualquer natureza que tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação de terras habitadas pelos silvícolas. § 2º A nulidade e extinção de que trata o parágrafo anterior não dão aos ocupantes direito a qualquer ação ou indenização contra a União e a Fundação Nacional do Índio."). Assim, realçou que a posse indígena sobre a terra, fundada no indigenato, diz com o ius possessionis e o ius possidendi, que abrange a relação material do sujeito com a coisa e o direito de seus titulares a possuírem-na como seu habitat. Ao reportar-se ao laudo antropológico, entendeu que a região em conflito consubstancia habitat do povo Pataxó. Registrou o fato de que historiadores revelaram a existência de Pataxós ocupando a área em litígio desde 1651, concluindo que, embora confirmada a ocorrência de algumas diásporas de índios, bem como o arrendamento de certas áreas da reserva pelo Serviço de Proteção aos Índios - SPI, isso não desconfiguraria a posse permanente e a habitação exigidas pela CF/67, porquanto em nenhum momento restara demonstrada a ausência de silvícolas na área em questão, os quais, obrigados a deixar a terra natal em decorrência das acirradas disputas pela região, mantiveram laços com os familiares que lá permaneceram.

ACO 312/BA, rel. Min. Eros Grau, 24.9.2008. (ACO-312)

Terras Indígenas: Ação Declaratória de Nulidade de Títulos - 4

O relator destacou o que contido nas perícias sanitária e agronômica realizadas, quanto à precariedade das águas que abastecem a região e à potencialidade da terra para algumas culturas, e na perícia topográfica, que aviventou os marcos da área indígena sob exame. Neste ponto, mencionou que a Lei baiana 1.916/26 estabeleceu a reserva de 50 léguas em favor dos indígenas, tendo sido celebrado, em 1937, um acordo entre o SPI e o Governo do Estado da Bahia - que resultou na redução de sua extensão aos atuais 54.105,1826 ha, superiores às estimativas da FUNAI na inicial em aproximadamente 36.000 ha -, e ocorrido a conclusão da demarcação da área em 1938. Repeliu, em seqüência, o argumento de que o aumento da área mencionada na inicial implicaria nulidade da perícia procedida. Expôs que a FUNAI, não obstante desconhecesse as exatas dimensões da reserva indígena, juntou aos autos elementos materiais necessários a sua correta medição, efetivada por meio do emprego da mais moderna tecnologia de georeferenciamento. No que se refere aos documentos relativos aos imóveis dos réus, cuja juntada aos autos fora determinada pelo relator anterior, citou títulos de propriedade outorgados pelo Governo do Estado da Bahia entre os anos de 1978 a 1984, nos Municípios de Itajú do Colônia, Pau Brasil e Camacã, assim como outros 32 documentos que consubstanciam a outorga de domínio de terras na região, registros de propriedade em cartórios, e certificados de cadastramento de imóveis rurais no INCRA. Quanto aos últimos, o Min. Eros Grau asseverou que nenhum deles estaria situado na área da reserva, sendo, por isso, irrelevantes. Esclareceu, ademais, que, de posse dos memoriais descritivos dos imóveis, fora determinada a plotagem das glebas no polígono medido, tendo sido revelada a existência, dentro da reserva indígena, de 186 áreas identificadas, das quais 143 tituladas e 43 não tituladas. Além disso, 36 estariam ocupadas, mas não constariam da relação de réus da ação, nem teria sido encontrada qualquer informação a respeito das mesmas. Frisou, também, que alguns estranhos às populações indígenas que se encontravam dentro da reserva foram indenizados pela FUNAI por benfeitorias e deixaram a região.

ACO 312/BA, rel. Min. Eros Grau, 24.9.2008. (ACO-312)

Terras Indígenas: Ação Declaratória de Nulidade de Títulos - 5

Em suma, o relator entendeu que a perícia antropológica demonstrou a existência permanente de índios na região desde 1651, atestando a identidade do povo Pataxó Hã hã hãe, bem como a ligação de seus integrantes à terra, que lhes foi usurpada, e que a Lei estadual 1.916/26 e os atos posteriores que reduziram a área da reserva indígena, visando à sua proteção nos termos da política indigenista então vigente, confirmam a existência de uma área ocupada por índios na região dos Rios Pardo, Gongogy e Colônia. Assim, reputou demonstrada a presença de silvícolas na área não apenas quando da edição da Lei de Terras de 1850, mas também quando do advento da CF/67, área incorporada ao patrimônio da União, nos termos do seu art. 198, independentemente de efetiva demarcação, segundo o Estatuto do Índio (Lei 6.001/73, art. 25). Afastou o argumento de que seria necessária, no caso, a prova de que as terras foram de fato transferidas pelo Estado da Bahia à União ou aos índios, ao fundamento de que disputa por terra indígena entre quem quer que seja e índios consubstancia, no Brasil, algo juridicamente impossível, e que, na vigência da CF/67, as terras ocupadas pelos índios são bens da União (art. 4º, IV), sendo assegurada aos silvícolas a posse permanente das terras que habitam e reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nelas existentes (art. 186). Considerou, ainda, a circunstância de que títulos de propriedade oriundos de aquisição a non domino são nulos.

ACO 312/BA, rel. Min. Eros Grau, 24.9.2008. (ACO-312)

Terras Indígenas: Ação Declaratória de Nulidade de Títulos - 6

Salientou ter-se o seguinte quadro: os réus integraram a lide, utilizada a citação por edital somente após todos os esforços da FUNAI para sua citação pessoal; a citação por edital surte ou não os efeitos estabelecidos na lei processual quer se afirme ou negue vigência a ela; a admitir-se a vigência do instituto da citação por edital, nenhuma circunstância ou peculiaridade estranha à causa de pedir poderá tornar apenas relativos os seus efeitos; não há falar-se, pois, em "ineficácia da decisão em relação a quem não participou do feito por não ter sido citado ou sequer nomeado". No mais, registrou não haver títulos de domínio, no interior da reserva, anteriores à vigência da CF/67. Outrossim, em uma parte da área objeto da lide há ou havia benfeitorias que foram indenizadas pela FUNAI; outra parte corresponde a terras das quais não há título nenhum, terras de domínio da União; e uma terceira porção sua é de terras em relação às quais, apesar das diligências, ninguém se manifestou alegando titularidade de domínio. Tendo em conta que o pedido diz com a declaração de nulidade de todos os títulos de propriedade da área, asseverou que onde não se alegou a existência de título não haveria como anular qualquer efeito. Por fim, aduziu que, sendo a ação declaratória, com objetivo de restabelecer a integralidade da Reserva Indígena Caramuru-Catarina-Paraguaçu, deveria ser julgada procedente na extensão de todos os seus efeitos declaratórios. Após, pediu vista dos autos o Min. Menezes Direito.

ACO 312/BA, rel. Min. Eros Grau, 24.9.2008. (ACO-312)

Comprovação de Quitação de Débitos Tributários e Sanção Política

O Tribunal conheceu parcialmente de duas ações diretas ajuizadas pela Confederação Nacional da Indústria - CNI e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e, na parte conhecida, julgou procedente o pedido nelas formulado para declarar a inconstitucionalidade do art. 1º, I, III e IV, e §§ 1º, 2º e 3º da Lei 7.711/88, que obriga a comprovação de regularidade fiscal na hipótese de transferência de domicílio para o exterior, vincula o registro ou arquivamento de contrato social e atos similares à quitação de créditos tributários, e dispõe sobre a realização de convênios entre os entes federados para fiscalização do cumprimento das restrições. Preliminarmente, o Tribunal assentou a perda do interesse processual no prosseguimento do controle concentrado e abstrato de constitucionalidade em relação ao Decreto 97.834/89, em razão de sua revogação pelo Decreto 99.476/90. Também declarou a perda do objeto relativamente ao inciso II do art. 1º do referido diploma legal, no que concerne à regularidade fiscal, ante sua revogação pela Lei 8.666/93. No ponto, esclareceu-se que aquela norma obrigava a comprovação da quitação de créditos tributários exigíveis, para que fosse permitida a participação do contribuinte em processo de habilitação ou licitação promovida por órgão da Administração Direta, e que, atualmente, a Lei 8.666/93 possui norma semelhante (art. 27, IV), que exige dos interessados à habilitação em licitação a comprovação de regularidade fiscal. No mérito, aplicou-se a orientação firmada em vários precedentes, e constante dos Enunciados 70, 323, 547, da Súmula do STF, no sentido da proibição constitucional às sanções políticas, sob pena de ofensa ao direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (CF, art. 170, parágrafo único), ao substantive due process of law (ante a falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) e ao devido processo legal, manifestado na garantia de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição. Precedentes citados: RE 413782/SC (DJU de 3.6.2005); RE 434987/RS (DJU de 14.12.2004); 424061/RS (DJU de 31.8.2004); RE 409956/RS (DJU de 31.8.2004); RE 414714/RS (DJU de 11.1.2004); RE 409958/RS (DJU de 5.11.2004).

ADI 173/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 25.9.2008. (ADI-173) ADI 394/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 25.9.2008. (ADI-394)

Inquérito Judicial contra Magistrado e Princípio do Juiz Natural - 1

O Tribunal, por maioria, denegou habeas corpus, afetado ao Pleno pela 1ª Turma, impetrado em favor de juiz federal do TRF da 3ª Região que buscava, por falta de justa causa, o trancamento de inquérito em trâmite no STJ, no qual investigada a suposta prática de crimes contra a Administração Pública, contra a ordem tributária e de lavagem de dinheiro. Na espécie, perante o TRF da 3ª Região fora instaurado inquérito em desfavor do paciente para apuração do suposto delito de corrupção passiva. Autorizada a quebra de sigilo telefônico de diversas pessoas, surgiram indícios de possível envolvimento de outros magistrados daquela Corte, o que ensejara o deslocamento do processo para o STJ. Lá chegando, o feito fora autuado como inquérito e o Ministro-relator abrira vista dos autos à Procuradoria-Geral da República. Valendo-se da oportunidade da referida vista, membro do parquet requerera a juntada de determinado procedimento criminal, para que investigação procedida pela Polícia Federal pudesse ser realizada conjuntamente. Durante a apuração dos fatos, o Ministro-relator no STJ deferira requerimento de interceptação telefônica do paciente e prorrogara outras interceptações relativamente a diversos investigados. Posteriormente, a autoridade policial pleiteara, também, a prisão temporária, a quebra de sigilos bancário e fiscal, bem como a expedição de mandados de busca e apreensão nas residências e locais de trabalhos dos indiciados, sendo o pedido deferido pela autoridade reputada coatora, com exceção da custódia temporária. Realizado o interrogatório do paciente, dera-se vista do inquérito ao órgão do Ministério Público. Alegava-se, na espécie: a) ofensa ao princípio do juiz natural, pois o Órgão Especial do STJ não teria deliberado sobre a instauração do inquérito contra o paciente, conforme estabelecido pelo art. 33, parágrafo único, da LOMAN (LC 35/79: "Art. 33 - São prerrogativas do magistrado: ... Parágrafo único - Quando, no curso de investigação, houver indício da prática de crime por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na investigação."); b) ausência de autoria do crime e de fato típico que servisse para justificar a abertura do inquérito; c) indevida atuação da Polícia Federal no inquérito; e d) determinação ilegal de vista ao Ministério Público Federal pela autoridade coatora, o que estaria a causar a violação ao sigilo do inquérito - v. Informativo 515.

HC 94278/SP, rel. Min. Menezes Direito, 25.9.2008. (HC-94278)

Inquérito Judicial contra Magistrado e Princípio do Juiz Natural - 2

Preliminarmente, o Tribunal rejeitou a alegação de prejudicialidade do writ em razão de já ter sido apresentada a denúncia perante o STJ e o habeas se dirigir contra o inquérito. Entendeu-se não haver razão forte o bastante a sustentar essa prejudicialidade, haja vista que a decisão proferida no habeas corpus repercutiria na denúncia, pois esta estaria apoiada no inquérito. No mérito, considerou-se inexistir qualquer ato ilegal praticado pelo Ministro-relator do inquérito no STJ. Afastou-se, inicialmente, a alegação de ofensa ao princípio do juiz natural porque desprovida de fundamento jurídico. Asseverou-se que a remessa dos autos do inquérito ao STJ se deu por estrito cumprimento à regra de competência originária prevista no art. 105, I, a, da CF, tendo em vista a suposta participação do magistrado federal nos fatos investigados, e que compete à Corte Especial receber ou rejeitar a denúncia, conforme o caso, sendo desnecessária, entretanto, sua autorização para instauração do inquérito judicial. Aduziu-se não ser possível dar o alcance pretendido pelo paciente ao que disposto no art. 33, parágrafo único, da LOMAN, que prescreve uma regra de competência segundo a qual, havendo indício da prática de crime por parte de magistrado, desloca-se a competência ao tribunal competente para julgar a causa, a fim de que este tribunal prossiga na investigação que foi iniciada em outro tribunal que perdeu sua competência. Esclareceu-se que, no tribunal, o inquérito é distribuído ao relator, a ele cabendo determinar as diligências próprias para a realização das investigações, e até mesmo o arquivamento dessas investigações, ou, se o caso, a apresentação da idéia do arquivamento ao plenário do tribunal. Enfatizou-se, também, inexistir, nesse dispositivo, conteúdo normativo que imponha a submissão, ao órgão colegiado, desde logo, da autorização para que o inquérito possa prosseguir.

HC 94278/SP, rel. Min. Menezes Direito, 25.9.2008. (HC-94278)

Inquérito Judicial contra Magistrado e Princípio do Juiz Natural - 3

Afastou-se, ademais, a apontada irregularidade na decisão que determinou a vista dos autos ao parquet. Ressaltou-se que, como titular da ação penal, nos termos do art. 129, I e VIII, da CF, a investigação dos fatos tidos como delituosos é destinada ao Ministério Público Federal, que, por isso, deve, necessariamente, participar das investigações e requerer as diligências que reputar necessárias para, com base nos indícios da autoria e se comprovada a materialidade dos crimes, oferecer a denúncia ao órgão julgador. Daí, ser ilógico se falar em sigilo das investigações relativamente ao autor da eventual ação penal. Rejeitou-se, de igual modo, o argumento de que o inquérito se transformou em procedimento da polícia federal, visto que legitimamente autorizada a delegação dos atos instrutórios do inquérito à polícia federal que os executa por expressa autorização legal e regimental. No ponto, realçou-se que ao juiz compete comandar as providências necessárias no curso do inquérito, subordinando-se a autoridade policial à autoridade judiciária, sem nenhuma autonomia. No que concerne aos indícios de autoria e à comprovação da materialidade dos crimes imputados ao paciente, concluiu-se pela ausência de condições, na fase atual, para apreciação do tema, por não ter sido recebida a denúncia, estando o habeas dirigido, especificamente, contra ato do relator no momento do inquérito. Vencido o Min. Marco Aurélio, que concedia a ordem, e, reportando-se ao voto que proferira no julgamento do HC 77355/RS (DJU de 29.9.98), assentava que só poderia haver a investigação contra o integrante do tribunal se ouvido esse mesmo integrante e que o próprio tribunal teria de deliberar quanto a essa seqüência das investigações.

HC 94278/SP, rel. Min. Menezes Direito, 25.9.2008. (HC-94278)

PRIMEIRA TURMA

Art. 7º, XI, da CF: Participação nos Lucros e Necessidade de Lei - 1

A Turma, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS contra acórdão do TRF da 2ª Região, que mantivera sentença concessiva de segurança para que empresa não recolhesse contribuições previdenciárias sobre a rubrica denominada "participação nos resultados", sob pena de ofensa ao art. 7º, XI, da CF ("Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: ... XI - participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei;"). A Corte de origem reputara que lei posterior não poderia restringir o conteúdo do aludido dispositivo, cuja parte final desvincularia, desde logo, da remuneração dos empregados a participação nos lucros ou resultados da empresa, fazendo-o para todos os fins.

RE 398284/RJ, rel. Min. Menezes Direito, 23.9.2008. (RE-398284)

Art. 7º, XI, da CF: Participação nos Lucros e Necessidade de Lei - 2

De início, esclareceu-se que a questão discutida nos autos diria respeito à possibilidade ou não da cobrança de contribuição previdenciária entre a vigência da CF/88 e a Medida Provisória 794/94 - que dispõe sobre a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados das empresas e dá outras providências -, considerando lançamento fiscal anterior a esta, embora posterior àquela. Asseverou-se que a empresa pretendia que fosse levado em conta que, em qualquer circunstância, a participação estaria desvinculada da remuneração, o que inviabilizaria, por esse motivo, a cobrança da contribuição previdenciária incidente sobre essa participação desde a vigência da CF. Entendeu-se que, não obstante o dispositivo constitucional haver garantido a participação nos lucros desvinculada da remuneração, impôs o exercício do direito, como um todo, à disciplina legal. Assim, tratando-se de regra constitucional que necessitaria de integração para o gozo desse exercício, concluiu-se que, se lei veio a disciplinar esse mesmo exercício, somente a partir dessa é que se tornaria possível reconhecer o direito pleiteado pela impetrante. Com isso, reputou-se admissível a cobrança das contribuições previdenciárias até a data em que entrou em vigor a regulamentação do dispositivo. O Min. Marco Aurélio, tendo em conta a regra específica do art. 201, § 11, da CF ("§ 11. Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e conseqüente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei."), salientou, ainda, não vislumbrar nessa desvinculação cláusula a abolir a incidência de tributos. Vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski e Carlos Britto que, enfatizando os princípios da máxima efetividade da Constituição e o da proibição do retrocesso, desproviam o recurso ao fundamento de que a lei posterior não poderia ter alterado a dicção desse núcleo semântico para surpreender a recorrida com a exigência retroativa da contribuição. RE provido para julgar improcedente o pedido inicial formulado no mandado de segurança. Precedentes citados:

RE 380636/SC (DJU de 24.10.2005); RE 477595/RS (DJU de 30.6.2006); MI 102/PE (DJU de 25.10.2002); MI 426/PR (DJU de 16.2.2006). RE 398284/RJ, rel. Min. Menezes Direito, 23.9.2008. (RE-398284)

Produção Antecipada de Prova e Fundamentação

A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que se alegava falta de demonstração da urgência na produção antecipada de prova testemunhal da acusação, decretada, nos termos do art. 366 do CPP, ante a revelia do paciente. Assentou-se que a determinação de produção antecipada de prova está ao alvedrio do juiz, o qual pode ordenar a sua realização se considerar existentes condições urgentes para que isso ocorra. Observou-se, ainda, que tanto o art. 225 quanto o art. 366, ambos do CPP, dão respaldo a atuação do juízo em ouvir testemunhas, principalmente, as presenciais da prática delituosa. Ademais, enfatizou-se que, no caso, não fora designada audiência para a oitiva das testemunhas, o que poderia ensejar eventual automatismo do magistrado, mas sim de audiência de antecipação de provas. Vencido o Min. Ricardo Lewandowski, relator, que, por vislumbrar ofensa ao dever de fundamentar as decisões judiciais e às garantias do contraditório e da ampla defesa, concedia a ordem ao fundamento de que a antecipação da prova fora determinada de modo automático, em virtude de o paciente não ter sido localizado para a citação (CPP: "Art. 225. Se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento. ... Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.").

HC 93157/SP, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, rel. p/ o acórdão Min. Menezes Direito, 23.9.2008. (HC-93157)

Resolução e Criação de Vara Especializada - 3

Ao aplicar o precedente firmado no julgamento do HC 88660/CE (j. em 15.5.2008), no sentido de não haver afronta ao princípio do juiz natural na especialização de varas e na conseqüente redistribuição dos processos, ainda que já tenha havido decisões do juízo originalmente competente, a Turma, em conclusão de julgamento, indeferiu habeas corpus no qual condenado por formação de quadrilha (CP, art. 288) e gestão fraudulenta de instituição financeira (Lei 7.492, art. 4º) requeria a nulidade do processo penal, sob alegação de ofensa ao aludido princípio constitucional (CF, art. 5º, XXXVII e LIII) - v. Informativo 395. A impetração afirmava, ainda, a ilegalidade e inconstitucionalidade da Resolução 20/2003, do TRF da 4ª Região, que especializara a mencionada vara, por violação ao princípio da reserva legal e por configurar delegação disfarçada de competência legislativa. Asseverou-se que, embora os fatos tenham ocorrido antes da edição da resolução que especializara a vara, descabida a assertiva de que o juízo fora criado pos facto, uma vez que já existiam, à época, as varas federais de Foz do Iguaçu e de Curitiba, ambas competentes para julgar tal tipo de delito. Ademais, a especialização acontecera para racionalizar e garantir persecução penal mais efetiva. Salientou-se, ainda, que, no referido precedente, não obstante o Plenário ter considerado que a Resolução que especializara varas haveria exorbitado a competência do Conselho da Justiça Federal - CJF, esse juízo não afetaria a validade das Resoluções emanadas dos Tribunais Regionais Federais que regulamentaram a matéria, quando não fundamentadas apenas nessa Resolução do CJF.

HC 85060/PR, rel. Min. Eros Grau 23.9.2008. (HC-85060)

Juiz Classista e Aposentadoria por Invalidez - 3

Em conclusão de julgamento, a Turma, por maioria, negou provimento a recurso ordinário em mandado de segurança interposto, contra acórdão do TST, por dependentes de juiz classista, no qual se pretendia o reconhecimento do direito deste à aposentadoria integral por invalidez nos moldes da Lei 6.903/81 - que equiparava o juiz temporário ao servidor público civil da União, para efeitos previdenciários, e estabelecia proventos integrais para o caso de invalidez por "moléstia grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei". Na origem, a pretensão fora indeferida, sob o fundamento de que a concessão da aposentadoria por invalidez sob o regime da aludida lei dependeria de comprovação inequívoca de moléstia que o inabilitaria para o desempenho das atribuições do cargo por junta médica oficial, a qual se dera apenas em setembro de 1997, quando já revogada aquela lei pela Medida Provisória 1.523/96, convertida na Lei 9.528/97. Os recorrentes sustentavam, no entanto, que, antes da revogação da referida lei, o magistrado já era portador da doença incapacitante, comprovada por atestado médico particular anexado a requerimento administrativo - v. Informativo 424. Entendeu-se não ser possível a prevalência do atestado particular sobre o laudo oficial que servira de base à conclusão administrativa do TRT, que indeferira o benefício requerido. Vencidos os Ministros Carlos Britto, relator, e Ricardo Lewandowski que proviam o recurso para conceder a segurança, com efeitos financeiros a partir do seu ajuizamento (Súmula 217/STF).

RMS 24640/RJ, rel. orig. Min. Carlos Britto, rel. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 23.9.2008. (RMS-24640)

Art. 999, § 1º, do CPC: Citação por Edital e Domicílio em Comarca Diversa

Ante a articulação de inconstitucionalidade do art. 999, § 1º, do CPC, a Turma decidiu remeter ao Plenário julgamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte que entendera válida citação, por edital, de herdeiro e de seu cônjuge domiciliados em comarca diversa daquela em que processado o inventário. Os recorrentes alegam que não deveriam ter sido citados por esse modo, haja vista possuírem endereço certo. Ademais, sustentam ofensa aos princípios da isonomia, da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal no reconhecimento da constitucionalidade do referido dispositivo ("Art. 999. Feitas as primeiras declarações, o juiz mandará citar, para os termos do inventário e partilha, o cônjuge, os herdeiros, os legatários, a Fazenda Pública, o Ministério Público, se houver herdeiro incapaz ou ausente, e o testamenteiro, se o finado deixou testamento. § 1o Citar-se-ão, conforme o disposto nos arts. 224 a 230, somente as pessoas domiciliadas na comarca por onde corre o inventário ou que aí foram encontradas; e por edital, com o prazo de 20 (vinte) a 60 (sessenta) dias, todas as demais, residentes, assim no Brasil como no estrangeiro.").

RE 552598/RN, rel. Min. Menezes Direito, 23.9.2008. (RE-552598)

SEGUNDA TURMA

Evasão Fiscal e Princípio da Consunção

A Turma indeferiu habeas corpus em que denunciados por suposta prática do crime de evasão fiscal (Lei 7.492/86, art. 22, parágrafo único) pleiteavam, por falta de justa causa, o trancamento de ação penal, ao argumento de que o crime de evasão de divisas seria crime-meio para o delito de sonegação fiscal (Lei 8.137/90, art.1º). Reiteravam a alegação de que mantiveram depósitos não declarados à repartição competente com a finalidade de evadirem-se do pagamento de impostos e, por força do princípio da consunção, sustentavam que o reconhecimento da extinção da punibilidade em relação ao delito-fim - já que o Ministério Público afastara da denúncia o crime contra a ordem tributária ante o pagamento espontâneo dos tributos - implicaria a extensão dessa conseqüência àquele. Inicialmente, asseverou-se que o princípio da consunção é aplicável quando, em tese, o agente pratica uma só conduta, ou mais de uma, mas dentro do mesmo contexto fático. No entanto, considerou-se que os delitos aludidos pelos pacientes não guardam vínculo de conexão ou continência, haja vista que um tipo não necessita da realização do outro e, ademais, foram cometidos com evidente independência de desígnios e com largo interregno temporal. Enfatizou-se que o bem jurídico tutelado no art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86 refere-se à regularidade das operações de câmbio, porquanto omissões nessa órbita causam efeitos sobre a política econômica do país e abalam a credibilidade do mercado financeiro (Sistema Financeiro Nacional). Por outro lado, observou-se que a sonegação fiscal atinge a ordem tributária, mais especificamente a arrecadação tributária. Desse modo, realçou-se que a diversidade dos objetos sob proteção jurídico-penal já indicaria a inviabilidade de tratar a evasão de divisas como mera e obrigatória fase de execução da sonegação fiscal. Em conclusão, aduziu-se que a extinção da punibilidade do crime de sonegação fiscal não descaracteriza nem apaga o delito de evasão de divisas, o que tornaria viável a persecução penal.

HC 87208/MS, rel. Min. Cezar Peluso, 23.9.2008. (HC-87208)


Informativo do STF 521 de 26/09/2008