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    Informativo do STF 520 de 19/09/2008

    Publicado por Supremo Tribunal Federal


    PLENÁRIO

    Venda de Combustível Adulterado e Competência da Justiça Comum

    O interesse da União, para que ocorra a competência da Justiça Federal prevista no art. 109, IV, da CF, tem de ser direto e específico. Com base nesse entendimento, o Tribunal desproveu recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Federal em que alegava que a interpretação conjunta dos incisos IV e VI do art. 109 da CF revelaria ser da Justiça Federal a competência para processar e julgar os crimes contra a ordem econômica se, independentemente de previsão da lei definidora, houvesse lesão a interesse da União. Sustentava o parquet que a comercialização de combustível fora dos padrões fixados pela Agência Nacional de Petróleo vulneraria diretamente o interesse direto dessa autarquia federal no controle, fiscalização e regulação da atividade de distribuição e revenda de derivados de petróleo e álcool. Asseverou-se que, não obstante se possa reconhecer a competência da Justiça Federal para ações penais por crimes contra a ordem econômica, nos termos do art. 109, IV, da CF, ainda que a legislação ordinária não a tenha previsto, a alegação de lesão a bens, serviços ou interesse da União ou de suas autarquias deve ser estimada perante o caso concreto - situação diversa das hipóteses declinadas no inciso VI desse dispositivo, que condiciona a competência à previsão da lei. Considerou-se que o interesse da União, no caso, seria genérico. Ressaltou-se, também, não haver se confundir o objeto de fiscalização da entidade federal com a sua atividade fiscalizatória, para assim demonstrar interesse da União ou da entidade. Precedentes citados:

    RE 502915/SP (DJU de 27.4.2007); ACO 1058/CE (DJE de 23.5.2008); RE 198488/SP (DJU de 11.12.98); RE 454735/SP (DJU de 18.11.2005). RE 454737/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 18.9.2008. (RE-454737)

    Vantagens Trabalhistas Posteriores ao RJU e Competência da Justiça Comum

    Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar reclamação trabalhista de servidor público relativamente a vantagens trabalhistas anteriores à implantação do Regime Jurídico Único - RJU. Com base nesse entendimento, o Tribunal conheceu de conflito de competência (CF, art. 102, I, o), suscitado pelo Juiz de Direito da Vara Cível de Presidente Olegário - MG em face do TST, e, por maioria, declarou a competência do primeiro para julgar reclamação trabalhista ajuizada contra o Município de Presidente Olegário - MG em que se pleiteiam verbas decorrentes da rescisão, sem justa causa, de contrato de trabalho regido pela CLT, que dizem respeito a período posterior à instituição do RJU. Na espécie, a Junta de Conciliação e Julgamento julgara procedente a reclamação. Esta decisão fora confirmada pelo TRT da 3ª Região e transitara em julgado. Posteriormente, o referido município ajuizara ação rescisória, e, ante o julgamento de sua improcedência, interpusera recurso ordinário. O TST, declarando a incompetência da Justiça do Trabalho, dera provimento ao recurso para anular todas as decisões proferidas e determinar a remessa dos autos à Justiça Estadual. Os autos foram enviados ao Juízo de Direito da Vara de Presidente Olegário, mas o magistrado, tendo em conta que o vínculo contratual entre o reclamante e o município assumia caráter empregatício, e que o reclamante não tinha jus à estabilidade excepcional, prevista no art. 19 do ADCT/88, determinara o retorno dos autos ao TST. Este, entendendo suscitado conflito negativo de competência, enviara os autos ao STJ, que os remetera ao Supremo. Considerou-se que a transferência do regime jurídico de celetista para estatutário implica a extinção do contrato de trabalho, e que, no caso, inexiste relação de emprego sujeita à apreciação da Justiça trabalhista. Vencido o Min. Marco Aurélio que, tendo em conta que se questiona uma conseqüência do contrato de trabalho que vigorou até então, entendia ser competente a Justiça do Trabalho. Aduziu que não se estaria questionando um direito oriundo em si da nova relação jurídica, mas da pretérita, a trabalhista. Precedentes citados: CC 7027/PE (DJU de 1º.9.95); CC 7089/DF (DJU de 15.6.2004); CC 7058/MG (DJU de 20.3.2006); CC 7136/MG (DJU de 11.6.2003); AI 405416 AgR/RS (DJU de 27.2.2004); AI 198471 AgR/DF (DJU de 20.10.97). CC 7242/MG, rel. Min. Eros Grau, 18.9.2008. (CC-7242)

    REPERCUSSÃO GERAL

    Fracionamento de Precatório: Custas Processuais e Requisição de Pequeno Valor

    O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a possibilidade de se fracionar, ou não, o valor de precatório, em execução de sentença, com o objetivo de lograr-se o pagamento de custas processuais por meio de Requisição de Pequeno Valor - RPV. O acórdão recorrido adotara o fundamento de que é possível a expedição de RPV para pagamento das custas processuais devidas ao titular da serventia privatizada, desde que o seu crédito individual não supere o limite estabelecido pelo art. 87 do ADCT. O Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul - IPERGS, ora recorrente, alega violação aos artigos 87, I, do ADCT e 100, § 4º, da CF. O Min. Ricardo Lewandowski, relator, deu provimento recurso. Reportou-se à jurisprudência da Corte no sentido de que a execução do pagamento das verbas acessórias não é autônoma, havendo de ser considerada em conjunto com a condenação principal, em respeito ao disposto no art. 100, § 4º, da CF, que veda o fracionamento, a repartição ou a quebra do valor da execução. Em divergência, o Min. Marco Aurélio salientou que a situação concreta não se harmoniza os precedentes citados, haja vista serem diversos os titulares dos créditos em questão, e desproveu o recurso. Considerou que, no caso, a pensionista, ora recorrida, não pode executar as custas processuais por não as ter antecipado. Concluiu que não se trata de reembolso de despesas processuais e sim de pagamento ao titular do cartório. Após, pediu vista dos autos o Min. Menezes Direito.

    RE 578695/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 17.9.2008. (RE-57895)

    ITCD e Alíquotas Progressivas - 2

    O Tribunal retomou julgamento de recurso extraordinário interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul em que se discute a constitucionalidade do art. 18 da Lei 8.821/89, daquele Estado-membro, que prevê sistema progressivo de alíquotas para o imposto sobre a transmissão causa mortis e doação - ITCD - v. Informativo 510. O Min. Eros Grau, em voto-vista, abriu divergência, e deu provimento ao recurso para declarar a constitucionalidade do dispositivo questionado. Salientou, inicialmente, que o entendimento de que a progressividade das alíquotas do ITCD é inconstitucional decorre da suposição de que o § 1º do art. 145 da CF a admite exclusivamente para os impostos de caráter pessoal. Afirmou, entretanto, que todos os impostos estão sujeitos ao princípio da capacidade contributiva, mesmo os que não tenham caráter pessoal, e que o que esse dispositivo estabelece é que os impostos, sempre que possível, deverão ter caráter pessoal. Ou seja, a Constituição prescreve como devem ser os impostos, todos eles, e não somente alguns. Assim, todos os impostos, independentemente de sua classificação como de caráter real ou pessoal, podem e devem guardar relação com a capacidade contributiva do sujeito passivo. Aduziu, também, ser possível se aferir a capacidade contributiva do sujeito passivo do ITCD, pois, tratando-se de imposto direto, a sua incidência poderá expressar, em diversas circunstâncias, progressividade ou regressividade direta. Após os votos dos Ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia e Joaquim Barbosa, que acompanhavam a divergência, pediu vista dos autos o Min. Carlos Britto.

    RE 562045/RS, rel.Min. Ricardo Lewandowski, 17.9.2008. (RE-562045)

    Isenção de COFINS e Revogação por Lei Ordinária - 4

    Em conclusão, o Tribunal, por maioria, desproveu dois recursos extraordinários, e declarou legítima a revogação da isenção do recolhimento da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social sobre as sociedades civis de prestação de serviços de profissão legalmente regulamentada, prevista no art. 6º, II, da LC 70/91, pelo art. 56 da Lei 9.430/96 ("Art. 56. As sociedades civis de prestação de serviços de profissão legalmente regulamentada passam a contribuir para a seguridade social com base na receita bruta da prestação de serviços, observadas as normas da Lei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991.") - v. Informativos 436, 452 e 459. Considerou-se a orientação fixada pelo STF no julgamento da ADC 1/DF (DJU de 16.6.95), no sentido de: a) inexistência de hierarquia constitucional entre lei complementar e lei ordinária, espécies normativas formalmente distintas exclusivamente tendo em vista a matéria eventualmente reservada à primeira pela própria CF; b) inexigibilidade de lei complementar para disciplina dos elementos próprios à hipótese de incidência das contribuições desde logo previstas no texto constitucional. Com base nisso, afirmou-se que o conflito aparente entre o art. 56 da Lei 9.430/96 e o art. 6º, II, da LC 70/91 não se resolve por critérios hierárquicos, mas, sim, constitucionais quanto à materialidade própria a cada uma dessas espécies normativas. No ponto, ressaltou-se que o art. 56 da Lei 9.430/96 é dispositivo legitimamente veiculado por legislação ordinária (CF, art. 146, III, b, a contrario sensu, e art. 150, § 6º) que importou na revogação de dispositivo inserto em norma materialmente ordinária (LC 70/91, art. 6º, II). Concluiu-se não haver, no caso, instituição, direta ou indireta, de nova contribuição social a exigir a intervenção de legislação complementar (CF, art. 195, § 4º). Vencidos os Ministros Eros Grau e Marco Aurélio que davam provimento aos recursos, para que fosse mantida a isenção estabelecida no art. 6º, II, da LC 70/91. Em seguida, o Tribunal, por maioria, rejeitou pedido de modulação de efeitos. Vencidos, no ponto, os Ministros Menezes Direito, Eros Grau, Celso de Mello, Carlos Britto e Ricardo Lewandowski, que deferiam a modulação, aplicando, por analogia, o disposto no art. 27 da Lei 9.868/99. O Tribunal também rejeitou questão de ordem que determinava a baixa do processo ao STJ, pela eventual falta da prestação jurisdicional, vencidos o Min. Marco Aurélio, que a suscitara, e o Min. Eros Grau. Por fim, o Tribunal acolheu questão de ordem suscitada pelo Min. Gilmar Mendes, relator, para permitir a aplicação do art. 543-B do CPC, vencido o Min. Marco Aurélio. Não participou da votação nas questões de ordem o Min. Joaquim Barbosa, ausente naquele momento.

    RE 377457/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 17.9.2008. (RE-377457) RE 381964/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, 17.9.2008. (RE-381964)

    PRIMEIRA TURMA

    Tratamento Médico no Exterior e Reembolso de Despesas - 2

    A Turma retomou julgamento de recurso extraordinário interposto pela União contra acórdão do TRF da 1ª Região que concedera, a portadores de doença ocular progressiva (retinose pigmentária), o direito a reembolso total das despesas efetuadas em decorrência de tratamento médico no exterior - v. Informativo 501. Em voto-vista, o Min. Marco Aurélio, sem adentrar as questões relativas ao caráter experimental do tratamento e à existência, no Brasil, de profissionais habilitados a implementá-lo, desproveu o recurso. Asseverou que tais matérias não foram objeto de debate e decisão prévios. Assim, entendeu que não se poderia, a partir delas, assentar transgressão a qualquer preceito constitucional, ante a natureza excepcional do recurso extraordinário, no qual devem ser levadas em conta apenas as premissas do acórdão impugnado. No tocante à alusão aos artigos 6º e 196, ambos da CF, aduziu que estaria em consonância com reiterados pronunciamentos do STF a orientação daquela Corte, no que afirmara ser a saúde direito do cidadão e dever do Estado. Após o voto da Min. Cármen Lúcia, que acompanhava a divergência iniciada pelo Min. Marco Aurélio, pediu vista dos autos o Min. Ricardo Lewandowski.

    RE 368564/DF, rel. Min. Menezes Direito, 16.9.2008. (RE-368564)

    Reconhecimento da Continuidade Delitiva e Fase de Execução - 3

    A Turma concluiu julgamento de habeas corpus em que se pretendia o reconhecimento da continuidade delitiva entre os diversos crimes de estupro, atentado violento ao pudor e roubo praticados pelo paciente - v. Informativo 514. Inicialmente, em questão de ordem, o Min. Carlos Britto, relator, apreciou matéria nova suscitada, na assentada anterior, pelo Min. Marco Aurélio, relativa à possibilidade ou não de o juízo da execução criminal alterar o título condenatório definitivo para reconhecer a continuidade delitiva. Manifestou-se afirmativamente, realçando que ao juiz da execução compete decidir sobre soma ou unificação de penas; progressão ou regressão de regimes; detração e remição da pena e suspensão condicional da pena (LEP, art. 66, III). Asseverou que o voto que proferira, no sentido do indeferimento do habeas corpus, não prejudicaria o manejo de eventual ação de revisão criminal (CPP, art. 621), uma vez que não avançou no exame da existência ou não dos requisitos da continuidade delitiva. Reiterou, dessa forma, o entendimento de que a análise da impetração exigiria o revolvimento de todo o quadro empírico dos delitos praticados, incabível na via eleita, no que foi acompanhado pelos Ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio que julgava cabível a concessão, de ofício, do writ para assentar a impropriedade do exame procedido em execução de títulos condenatórios, como se pudessem ser modificados em tal via, abrindo-se margem, com isso, a que as matérias versadas pudessem ser apreciadas mediante o instrumental próprio. Em seguida, tendo em conta que as condenações estabeleceram a obrigatoriedade do regime integralmente fechado para o cumprimento das penas, a Turma, por unanimidade, deferiu a ordem, de ofício, para viabilizar a progressão no regime de cumprimento de pena.

    HC 93536/SP, rel. Min. Carlos Britto, 16.9.2008. (HC-93536)

    Roubo e Momento Consumativo - 2

    A Turma reafirmou a orientação desta Corte no sentido de que a prisão do agente ocorrida logo após a subtração da coisa furtada, ainda que sob a vigilância da vítima ou de terceira pessoa, não descaracteriza a consumação do crime de roubo. Por conseguinte, em conclusão de julgamento, indeferiu, por maioria, habeas corpus no qual se pretendia a tipificação da conduta do paciente na modalidade tentada do crime de roubo, ao argumento de que o delito não se consumara, haja vista que ele, logo após a subtração dos objetos da vítima, fora perseguido por policial e vigilante que presenciaram a cena criminosa e o prenderam em flagrante, recuperando os pertences - v. Informativo 517. Reputou-se evidenciado, na espécie, roubo frustrado, pois todos os elementos do tipo se consumaram com a inversão da posse da res furtiva. Vencido o Min. Marco Aurélio, relator, que concedia a ordem para restabelecer o entendimento sufragado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, por reconhecer a hipótese de tentativa, reduzira a pena aplicada ao paciente.

    HC 92450/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, 16.9.2008. (HC-92450)

    Concurso Público e Direito à Nomeação - 3

    Por vislumbrar direito subjetivo à nomeação dentro do número de vagas, a Turma, em votação majoritária, desproveu recurso extraordinário em que se discutia a existência ou não de direito adquirido à nomeação de candidatos habilitados em concurso público - v. Informativo 510. Entendeu-se que, se o Estado anuncia em edital de concurso público a existência de vagas, ele se obriga ao seu provimento, se houver candidato aprovado. Em voto de desempate, o Min. Carlos Britto observou que, no caso, o Presidente do TRF da 2ª Região deixara escoar o prazo de validade do certame, embora patente a necessidade de nomeação de aprovados, haja vista que, passados 15 dias de tal prazo, fora aberto concurso interno destinado à ocupação dessas vagas, por ascensão funcional. Vencidos os Ministros Menezes Direito, relator, e Ricardo Lewandowski que, ressaltando que a Suprema Corte possui orientação no sentido de não haver direito adquirido à nomeação, mas mera expectativa de direito, davam provimento ao recurso.

    RE 227480/RJ, rel. orig. Min. Menezes Direito, rel. p/ o acórdão Min. Cármen Lúcia, 16.9.2008. (RE-227480)

    SEGUNDA TURMA

    Garantia do Devido Processo: Estrangeiro Não-Residente e Reperguntas - 1

    Assiste a co-réu o direito de formular reperguntas aos demais litisconsortes penais passivos em ordem a conferir real efetividade e plenitude ao direito de defesa. Com base nesse entendimento, a Turma deferiu, de ofício, habeas corpus para anular - desde os interrogatórios judiciais dos demais co-réus, inclusive, realizados sem a co-participação da defesa do paciente -, processo-crime contra ele instaurado para apurar suposta prática do crime de lavagem de dinheiro no curso de contrato de financiamento mantido entre sua empresa e clube de futebol. Preliminarmente, superou-se a restrição fundada no Enunciado 691 da Súmula do STF. Reconheceu-se, em seguida, que o fato de o paciente ostentar a condição jurídica de estrangeiro (nacional russo) e de não possuir domicílio no Brasil não lhe inibe, por si só, o acesso aos instrumentos processuais de tutela da liberdade nem lhe subtrai o direito de ver respeitadas, pelo Poder Público, as prerrogativas de ordem jurídica e as garantias de índole constitucional que o ordenamento positivo brasileiro confere e assegura a qualquer pessoa que sofra persecução penal promovida pelo Estado. Nesse contexto, aduziu-se que se impõe, ao Judiciário, o dever de assegurar, mesmo ao réu estrangeiro sem domicílio no Brasil, os direitos básicos que resultam do postulado do devido processo legal, notadamente as prerrogativas inerentes à garantia da ampla defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre as partes perante o juiz natural e à garantia de imparcialidade do magistrado processante. Asseverou-se que o direito do réu à observância, pelo Estado, da garantia pertinente ao due process of law, além de traduzir expressão concreta do direito de defesa, também encontra suporte legitimador em convenções internacionais que proclamam a essencialidade dessa franquia processual, que compõe o próprio estatuto constitucional do direito de defesa, enquanto complexo de princípios e de normas que amparam qualquer acusado em sede de persecução criminal, ainda que se trate de réu estrangeiro, sem domicílio em território brasileiro, aqui processado por suposta prática de delitos a ele atribuídos.

    HC 94016/SP, rel. Min. Celso de Mello, 16.9.2008. (HC-94016)

    Garantia do Devido Processo: Estrangeiro Não-Residente e Reperguntas - 2

    Na seqüência, assentou-se que a magnitude do tema constitucional versado na impetração imporia algumas reflexões em torno da nova disciplina normativa a que se submete, hoje, o interrogatório, notadamente, o judicial. Ressaltou-se que, com a superveniência da Lei 10.792/2003, registraram-se significativas alterações no regime pertinente ao interrogatório, as quais refletiram a nova constituição jurídica que a CF/88 conferiu àquele que sofre persecução penal, fortalecendo as prerrogativas inerentes à garantia da plenitude de defesa, do contraditório e do tratamento paritário das partes no processo penal. Ao imputado, assegurou-se um círculo de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos e abusos cometidos por representantes do Estado, destacando-se que o réu não pode ser constrangido a confessar a prática do delito e nem a renunciar ao seu direito ao silêncio, nem auto-incriminar-se. Realçou-se, também, a relevância de se qualificar o interrogatório judicial como expressivo meio de defesa do réu, o que enseja a possibilidade de co-réu participar ativamente do interrogatório judicial dos demais litisconsortes penais passivos, traduzindo projeção concretizadora da própria garantia constitucional da plenitude de defesa, cuja integridade há de ser preservada por juízes e tribunais. No ponto, entendeu-se que eventual transgressão a tal direito subjetivo provoca nulidade absoluta dos atos processuais que se seguirem ao interrogatório judicial, em face da repercussão que deriva do desrespeito, pelo magistrado, a tão essencial franquia conferida pela própria CF. Sendo assim, determinou-se a realização de novos interrogatórios, assegurada, desde já, ao paciente, mediante regular e prévia intimação de seu advogado, a oportunidade de participação no interrogatório dos demais co-réus. Por fim, estendeu-se, de oficio, essa ordem em favor desses mesmos co-réus. Precedente citado:

    AP 470 AgR/MG (j. em 6.12.2007). HC 94016/SP, rel. Min. Celso de Mello, 16.9.2008. (HC-94016)

    Adequação Típica: Roubo Consumado e Homicídio Tentado - 1

    A Turma deferiu, parcialmente, habeas corpus para cassar sentença de 1º grau que condenara o paciente por latrocínio tentado (CP, art. 157, § 3º, in fine, c/c art. 14, II). Na espécie, embora consumado o roubo, da violência praticada não resultara morte, mas lesão corporal de natureza grave numa das vítimas. A defesa reiterava a alegação de que a capitulação dada ao fato seria inadequada e pleiteava, por esse motivo, o ajuste da imputação para roubo qualificado pelo resultado de lesão corporal grave (CP, art. 157, § 3º, 1ª parte). Inicialmente, adotou-se como premissa o cometimento do crime de roubo (CP, art. 157) e aduziu-se que a matéria discutida nos autos envolveria a adequação típica da conduta atribuída ao paciente. Asseverou-se que o latrocínio constitui delito complexo, em que o crime-fim é o roubo, não passando o homicídio de crime-meio. Desse modo, salientou-se que a doutrina divide-se quanto à correta tipificação dos fatos na hipótese de consumação do crime-fim (roubo) e de tentativa do crime-meio (homicídio), a saber: a) classificação como roubo qualificado pelo resultado, quando ocorra lesão corporal grave; b) classificação como latrocínio tentado; c) classificação como homicídio qualificado, na forma tentada, em concurso material com o roubo qualificado. Enfatizou-se, contudo, que tais situações seriam distintas daquela prevista no Enunciado 610 da Súmula do STF ("Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima.") e que as decisões impugnadas aderiram à tese de que as circunstâncias dos fatos evidenciaram o animus necandi dos agentes, caracterizando, por isso, tentativa de latrocínio. Esclareceu-se, ainda, que esta Corte possui entendimento no sentido de não ser possível punição por tentativa de latrocínio, quando o homicídio não se realiza, e que é necessário o exame sobre a existência de dolo homicida do agente, para, presente esse ânimo, dar-se por caracterizado concurso material entre homicídio tentado e roubo consumado.

    HC 91585/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 16.9.2008. (HC-91585)

    Adequação Típica: Roubo Consumado e Homicídio Tentado - 2

    Tendo em conta essas balizas, observou-se que para a classificação da conduta imputada ao paciente seria preciso identificar-se a finalidade dos agentes: a) se considerado ausente o animus necandi na violência praticada, incidiria o art. 157, § 3º, 1ª parte, do CP; b) se definido que a intenção era de matar as vítimas, o tipo correspondente seria o do art. 121, § 2º, V, do CP, na forma tentada, em concurso material com o crime de roubo. Afirmou-se, entretanto, que em sede de habeas corpus não se pode discutir o alcance da prova sobre a intenção do agente. Assim, reputou-se incontroverso que, consoante admitido pelo STJ, as indicações seriam no sentido de que o dolo era de matar e não o de provocar lesão corporal. Esse o quadro, assentou-se que não restaria alternativa senão a da teórica tipificação do fato como homicídio, na forma tentada, em concurso material com o delito de roubo. Por conseguinte, ante o reconhecimento da competência do tribunal do júri, determinou-se que a ele sejam remetidos os autos, a fim de que proceda a novo julgamento, limitando eventual condenação à pena aplicada na sentença ora anulada. Por fim, estendeu-se, de oficio, essa mesma ordem aos co-réus.

    HC 91585/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 16.9.2008. (HC-91585)