Informativo do STF 456 de 23/02/2007
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
ADI e Lei 9.868/99 - 1
O Tribunal iniciou julgamento de duas ações diretas de inconstitucionalidade parcial omissiva e positiva ajuizadas pela Confederação Nacional das Profissões Liberais - CNPL e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB contra dispositivos da Lei 9.868/99, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade - ADI e da ação declaratória de constitucionalidade - ADC perante o Supremo Tribunal Federal. Preliminarmente, o Tribunal rejeitou a alegação de ilegitimidade ativa da CNPL, por entender que a legitimação em tese para a ação direta conferida às confederações sindicais e entidades nacionais de classe, na medida em que as inclui no rol dos sujeitos do processo de controle abstrato de constitucionalidade, constitui prerrogativa, cujo exercício e cuja defesa se inserem, por si mesmos, no âmbito dos fins institucionais da corporação, não havendo, assim, como negar a relação de pertinência entre estes fins e o questionamento da higidez constitucional da lei que dispõe sobre o processo de ação direta e, por conseguinte, o exercício da prerrogativa constitucional de sua instauração.
ADI 2154/DF e ADI 2258/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 14.2.2007. (ADI-2154) (ADI-2258)
ADI e Lei 9.868/99 - 2
Em seguida, o Min. Sepúlveda Pertence, relator, afastou a argüição de inconstitucionalidade parcial por omissão que seria resultante do veto do Presidente da República aos artigos 17 e 18, §§ 1º e 2º, da Lei 9.868/99, os quais previam a ciência, por publicação de edital no Diário da Justiça e no Diário Oficial, da propositura da ADC, e possibilitavam que os legitimados para a ADI nela interviessem. O relator afirmou que a alegação de que o veto opusera embargos à conversão em lei da possibilidade de intervenção, implicando afronta à garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa, fora superada pela decisão do Tribunal no julgamento da ADC 1 QO/DF (DJU de 16.6.95), na qual se concluíra pela constitucionalidade da instituição da ADC pela EC 3/93, mesmo sem facultar a referida intervenção, ao fundamento de ser esta desnecessária, tendo em conta a possibilidade de propositura da ADI contra a mesma norma pelos seus legitimados, com a reunião dos processos para julgamento conjunto. Assim, o veto não inovara na ordem jurídica, mas mantivera o status quo ante, que o STF legitimara. Quanto a esse tópico, a Min. Cármen Lúcia pediu vista dos autos.
ADI 2154/DF e ADI 2258/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 14.2.2007. (ADI-2154) (ADI-2258)
ADI e Lei 9.868/99 - 3
Prosseguindo o julgamento, o Tribunal rejeitou a argüição de inconstitucionalidade da parte final do art. 26 da Lei 9.868/99, que veda que as decisões tomadas em ADI ou ADC sejam objeto de ação rescisória. Salientando-se a inconsistência da alegação de ofensa ao art. 5º, XXXV, da CF, aduziu-se que, adstritos os preceitos constitucionais pertinentes à competência para julgar a ação rescisória (CF, artigos 102, I, j; 105, I, e; e 108, I, b), a extensão e os pressupostos de sua admissibilidade constituem matéria da legislação processual ordinária, razão por que, não existindo imposição constitucional a admiti-la, a vedação por lei especial à ação rescisória da decisão de determinados processos não poderia ser reputada inconstitucional, a não ser que, por ser arbitrária ou desarrazoada, pudesse a exclusão ser considerada ofensiva a garantias constitucionais que lhe impusessem a admissão. Asseverou-se, ademais, que as decisões de mérito da ADI ou da ADC - ações dúplices -, por sua própria natureza, repelem a desconstituição por ação rescisória, delas podendo resultar tanto a declaração de inconstitucionalidade quanto de constitucionalidade. Esclareceu-se que, no caso de se declarar a inconstitucionalidade, a desconstituição dessa decisão restabeleceria a força da lei antes eliminada, o que geraria insegurança jurídica. Por sua vez, na hipótese de declaração de constitucionalidade, a segurança jurídica também estaria comprometida se essa decisão, vinculante de todos os demais órgãos da jurisdição e da administração pública, pudesse ser desconstituída por força de simples variações na composição do STF, sem mudança relevante do contexto histórico e das concepções jurídicas subjacentes ao julgado rescindido.
ADI 2154/DF e ADI 2258/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 14.2.2007. (ADI-2154) (ADI-2258)
ADI e Lei 9.868/99 - 4
No que se refere à norma final do § 2º do art. 11 da Lei 9.868/99 que prevê que a "concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior, salvo expressa manifestação em sentido contrário", o Tribunal, por maioria, julgou improcedente o pedido formulado. Salientou-se, inicialmente, que a ação direta foi instituída como instrumento de salvaguarda da higidez da ordem jurídica e não para a tutela de pretensões de direito dos sujeitos legitimados para propô-la e que, em razão disso, a recepção do princípio do pedido no processo objetivo da jurisdição constitucional há de ser dimensionada a partir dessa perspectiva institucional do sistema de controle abstrato de normas. Tendo isso em conta, entendeu-se, na linha adotada pela doutrina portuguesa e pequena parte da brasileira, que o Tribunal pode sobrepor apreciar incidentemente a constitucionalidade da lei precedente à impugnada para, julgando-a igualmente inválida, impedir sua revivescência decorrente da declaração de inconstitucionalidade da que a tenha revogado. Ressaltou-se que a recusa da repristinação se baseará em juízo similar ao da declaração incidente de inconstitucionalidade de norma cuja validade seja prejudicial da decisão principal a tomar, a qual sempre se pode dar de oficio e que nada exclui possa ocorrer no julgamento de uma ADI, onde um mesmo tribunal, como o STF, cumule as funções de órgão exclusivo do controle abstrato com o de órgão de cúpula do sistema difuso. Vencido, nessa parte, o Min. Marco Aurélio que declarava a inconstitucionalidade da expressão impugnada por considerar que a possibilidade de o Tribunal extravasar os limites objetivos da própria ADI, declarando restabelecida ou não a legislação anterior, contrariaria os princípios da segurança jurídica e o de que o Judiciário atua apenas mediante provocação.
ADI 2154/DF e ADI 2258/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 14.2.2007. (ADI-2154) (ADI-2258)
ADI e Lei 9.868/99 - 5
No que concerne ao art. 21 da Lei 9.868/99, que permite que o STF defira o pedido de medida cautelar na ADC, determinando aos juízes e tribunais que suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo, o Tribunal, também por maioria, julgou improcedente o pedido formulado. Reportando-se aos fundamentos da solução adotada no julgamento da ADC 4 MC/DF (DJU de 21.5.99) para deferimento parcial do pedido de medida cautelar nela formulado, por ser essa solução similar ao dispositivo questionado, afastou-se a alegação de ofensa ao princípio do juiz natural, ao entendimento de que esse preceito, ao contrário, tem por objetivo assegurar a eficácia da futura decisão do STF, que - em se tratando da análise de constitucionalidade ou não de lei ou ato normativo - é o juízo natural da questão. Além disso, aduziu-se que a norma não remete o julgamento da causa do juiz para o STF, mas apenas a questão da constitucionalidade que a este cabe decidir com eficácia erga omnes e efeito vinculante. Enfatizou-se, ainda, que apesar de o mecanismo cautelar questionado implicar a paralisação do curso do processo e, nele, do poder de controle difuso da constitucionalidade, de que disporia de regra o juiz da causa, tratar-se-ia de uma resultante do sistema brasileiro de controle de normas. Vencido, quanto a esse tópico, o Min. Marco Aurélio que julgava procedente o pleito por vislumbrar ofensa à garantia do livre acesso ao Judiciário (CF, art. 5º, XXXV). Após, relativamente ao art. 27 da Lei 9.868/99, o julgamento foi suspenso por falta de quórum.
ADI 2154/DF e ADI 2258/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 14.2.2007. (ADI-2154) (ADI-2258)
IPI. Alíquota Zero. Não-Tributação. Creditamento - 6
O Tribunal retomou julgamento conjunto de dois recursos extraordinários interpostos pela União contra acórdãos do TRF da 4ª Região que reconheceram o direito do contribuinte do IPI de creditar-se do valor do tributo na aquisição de insumos favorecidos pela alíquota zero e pela não-tributação - v. Informativos 304, 361, 374 e 420. Por maioria, deu-se provimento aos recursos, por se entender que a admissão do creditamento implica ofensa ao inciso II do § 3º do art. 153 da CF. Asseverou-se que a não-cumulatividade pressupõe, salvo previsão contrária da própria Constituição Federal, tributo devido e recolhido anteriormente e que, na hipótese de não-tributação ou de alíquota zero, não existe parâmetro normativo para se definir a quantia a ser compensada. Ressaltou-se que tomar de empréstimo a alíquota final relativa a operação diversa resultaria em ato de criação normativa para o qual o Judiciário não tem competência. Aduziu-se que o reconhecimento desse creditamento ocasionaria inversão de valores com alteração das relações jurídicas tributárias, dada a natureza seletiva do tributo em questão, visto que o produto final mais supérfluo proporcionaria uma compensação maior, sendo este ônus indevidamente suportado pelo Estado. Além disso, importaria em extensão de benefício a operação diversa daquela a que o mesmo está vinculado e, ainda, em sobreposição incompatível com a ordem natural das coisas. Por fim, esclareceu-se que a Lei 9.779/99 não confere direito a crédito na hipótese de alíquota zero ou de não-tributação e sim naquela em que as operações anteriores foram tributadas, mas a final não o foi, evitando-se, com isso, tornar inócuo o benefício fiscal. Ficaram vencidos, em ambos os recursos, os Ministros Cezar Peluso, Nelson Jobim, Sepúlveda Pertence, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, que lhes negavam provimento. O Min. Sepúlveda Pertence ressalvou a extensão, que alguns votos fizeram, da mesma equação jurídica à hipótese de não incidência do IPI. Em seguida, suscitada questão de ordem pelo Min. Ricardo Lewandowski no sentido de dar efeitos prospectivos à decisão, o julgamento foi suspenso para aguardar os votos da Min. Ellen Gracie, presidente, e do Min. Eros Grau.
RE 353657/PR, rel. Min. Marco Aurélio e RE 370682/SC, rel. Min.Ilmar Galvão, 15.2.2007. (RE-353657) (RE-370682)
Eleição para Cargos Diretivos em TRF e Vício Formal - 1
O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Procurador-Geral da República contra dispositivos da Lei 7.727/89 e do Regimento Interno do TRF da 3ª Região, que dispõem sobre eleição para cargos diretivos. Preliminarmente, o Tribunal, por maioria, afastou a alegação de se estar diante de ofensa meramente reflexa à Constituição Federal, com base na orientação fixada pela Corte no sentido de ser imprescindível, para verificar se houve violação à reserva de iniciativa de que trata o art. 93 da CF, saber como o estatuto da magistratura em vigor disciplina a questão. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio que, tendo em conta que os princípios enumerados pelo art. 93 da CF, e que devem ser observados, não aludem a eleição, entendia ausente o vício formal. Por unanimidade, o Tribunal julgou prejudicada a ação quanto ao § 1º do art. 4º da Lei 7.727/89, haja vista sua revogação pelo art. 5º da Lei 8.418/92.
ADI 3566/DF, rel. orig. Min. Joaquim Barbosa, rel. p/ o acórdão Min. Cezar Peluso, 15.2.2007. (ADI-3566)
Eleição para Cargos Diretivos em TRF e Vício Formal - 2
Quanto ao mérito, o Tribunal, por unanimidade, julgou improcedente o pedido no que se refere à expressão "eleitos na conformidade do que dispuserem os respectivos Regimentos Internos", constante do art. 4º, caput, da Lei 7.727/89. Entendeu-se que o aludido dispositivo deve ser interpretado no sentido de que não trata de condições de elegibilidade, mas apenas de mero procedimento de eleição. O Tribunal, por maioria, julgou procedente o pedido relativamente aos artigos 3º e 11, I, a, ambos do Regimento Interno do TRF da 3ª Região, que estabelecem a elegibilidade para os cargos de direção daquela Corte de todos os integrantes do órgão especial, sem distinção entre os mais antigos e os mais modernos. Salientando-se que a previsão de órgãos diretivos, a competência desses órgãos, o prazo dos mandatos, o universo dos elegíveis e as condições de elegibilidade são matérias tipicamente institucionais, objeto do estatuto da magistratura (LOMAN - LC 35/79), considerou-se que as normas regimentais impugnadas padecem de vício formal, porquanto ampliam, teoricamente, o universo dos elegíveis previsto naquele estatuto. Ressaltou-se que esses aspectos institucionais têm de ter tratamento uniforme para atender ao princípio da unidade nacional da magistratura, de modo a evitar discrepância que suscite procedimentos e interpretações contraditórios. Vencido, quanto a essa questão, o Min. Joaquim Barbosa, relator, que julgava improcedente o pedido também no que concerne às normas regimentais, ao fundamento de que o preceito contido no art. 102 da LOMAN ("dentre os seus juízes mais antigos") teria se tornado incompatível com a nova redação dada, pela EC 45/2004, ao art. 93, XI, da CF, que prevê a existência de órgãos especiais e tribunais compostos tanto por juízes mais antigos como por juízes eleitos, que podem não ser os mais antigos.
ADI 3566/DF, rel. orig. Min. Joaquim Barbosa, rel. p/ o acórdão Min. Cezar Peluso, 15.2.2007. (ADI-3566)
PRIMEIRA TURMA
Sonegação Fiscal: Crime Continuado e Intervalo Temporal - 1
A Turma, por maioria, deferiu, em parte, habeas corpus em que denunciado por suposta sonegação de tributo de recolhimento mensal (Lei 8.137/90, artigos 1º, I e II; e 11) pleiteava a reunião de todas as ações penais contra ele instauradas, ao argumento de que os crimes foram cometidos em continuidade delitiva (CP, art. 71), ainda que o intervalo entre as condutas tenha sido superior a 30 dias, e, em conseqüência, haveria conexão entre os processos (CPP, artigos 76 e 78, II, c). No caso, não obstante o processo relativo a delitos cometidos nos meses de julho e outubro de 1998 já ter sido distribuído a determinada vara criminal, outras novas denúncias, concernentes aos meses de março de 2000 a junho de 2001; julho a outubro de 1998; maio e novembro de 1999 e janeiro e fevereiro de 2000; março e abril de 1999, foram oferecidas, referentes aos mesmos tributo e tipo penal, que, distribuídas livremente, ensejaram 4 ações penais simultâneas em varas diversas .
HC 89573/PE, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 13.2.2007. (HC-89573)
Sonegação Fiscal: Crime Continuado e Intervalo Temporal - 2
Inicialmente, ressaltou-se que o crime continuado não se amolda às hipóteses de prorrogação de competência, seja pela conexão (CPP, art. 76), seja pela continência (CPP, art. 77), ocorrendo, isto sim, distribuição por prevenção. Assim, reputou-se necessário para o deslinde da questão saber se, na espécie, configurar-se-ia crime continuado para, caso afirmativo, remeterem-se as ações para o juízo prevento; ou, caso negativo, analisar-se o tema residual da prorrogação da competência pela continência ou conexão entre os crimes. Tendo em conta que uma das denúncias admitira intervalo de até 3 meses entre as condutas (meses de julho e outubro de 1998), considerou-se razoável aceitar-se, sem desfigurar a continuidade delitiva, esse prazo como o máximo a ser considerado como parâmetro para todas as ações, sem prejuízo da escolha de critério mais favorável pelas instâncias de mérito. Em conseqüência, deferiu-se o writ, nesta parte, para que o paciente passe a responder a 3 acusações (meses de julho e outubro de 1998; março a maio de 1999; novembro de 1999, janeiro de 2000 a outubro de 2001 e dezembro de 2001). Concluiu-se que o parcial reconhecimento da continuidade delitiva não alteraria a distribuição da primeira ação penal, devendo esta permanecer em vara distinta, na qual se encontra. Em seguida, procedeu-se ao exame da questão residual relativa à eventual conexão ou continência desse processo com os demais. Entendeu-se incabível a continência, pois inexistente concurso de agentes, concurso formal ou erro na execução a ele assimilável, bem como se afastou a possibilidade de conexão, haja vista sequer haver sido suscitada pela impetração, salvo como decorrência da continuidade delitiva. Vencido, parcialmente, o Min. Marco Aurélio que deferia o writ em maior extensão para que o processo tivesse curso em juízo único, ao fundamento de que, na hipótese, o critério temporal fixado pela jurisprudência não deveria prevalecer. Por fim, estendeu-se a ordem ao co-réu.
HC 89573/PE, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 13.2.2007. (HC-89573)
Art. 28 da Lei 11.343/2006 e Despenalização
A Turma, resolvendo questão de ordem no sentido de que o art. 28 da Lei 11.343/2006 (Nova Lei de Tóxicos) não implicou abolitio criminis do delito de posse de drogas para consumo pessoal, então previsto no art. 16 da Lei 6.368/76, julgou prejudicado recurso extraordinário em que o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro alegava a incompetência dos juizados especiais para processar e julgar conduta capitulada no art. 16 da Lei 6.368/76. Considerou-se que a conduta antes descrita neste artigo continua sendo crime sob a égide da lei nova, tendo ocorrido, isto sim, uma despenalização, cuja característica marcante seria a exclusão de penas privativas de liberdade como sanção principal ou substitutiva da infração penal. Afastou-se, também, o entendimento de parte da doutrina de que o fato, agora, constituir-se-ia infração penal sui generis, pois esta posição acarretaria sérias conseqüências, tais como a impossibilidade de a conduta ser enquadrada como ato infracional, já que não seria crime nem contravenção penal, e a dificuldade na definição de seu regime jurídico. Ademais, rejeitou-se o argumento de que o art. 1º do DL 3.914/41 (Lei de Introdução ao Código Penal e à Lei de Contravenções Penais) seria óbice a que a novel lei criasse crime sem a imposição de pena de reclusão ou de detenção, uma vez que esse dispositivo apenas estabelece critério para a distinção entre crime e contravenção, o que não impediria que lei ordinária superveniente adotasse outros requisitos gerais de diferenciação ou escolhesse para determinado delito pena diversa da privação ou restrição da liberdade. Aduziu-se, ainda, que, embora os termos da Nova Lei de Tóxicos não sejam inequívocos, não se poderia partir da premissa de mero equívoco na colocação das infrações relativas ao usuário em capítulo chamado "Dos Crimes e das Penas". Por outro lado, salientou-se a previsão, como regra geral, do rito processual estabelecido pela Lei 9.099/95. Por fim, tendo em conta que o art. 30 da Lei 11.343/2006 fixou em 2 anos o prazo de prescrição da pretensão punitiva e que já transcorrera tempo superior a esse período, sem qualquer causa interruptiva da prescrição, reconheceu-se a extinção da punibilidade do fato e, em conseqüência, concluiu-se pela perda de objeto do recurso extraordinário.
RE 430105 QO/RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 13.2.2007. (RE-430105)
Fac-Símile e Prazo Recursal
Nos atos sujeitos a prazo, o termo inicial da contagem dos 5 dias para a apresentação dos originais a que se refere o art. 2º, parágrafo único, da Lei 9.800/99 deve ser contado do término do prazo assinado para a prática do ato e não do recebimento do material por fax ("Art. 2º A utilização de sistema de transmissão de dados e imagens não prejudica o cumprimento dos prazos, devendo os originais ser entregues em juízo, necessariamente, até cinco dias da data do seu término. Parágrafo único. Nos atos não sujeitos a prazo, os originais deverão ser entregues, necessariamente, até cinco dias da data da recepção do material."). Com base nesse entendimento, a Turma rejeitou preliminar de intempestividade suscitada pelo Ministério Público e conheceu de recurso ordinário em habeas corpus cujo original fora apresentado ao protocolo 2 dias após o fim do prazo recursal. Todavia, no mérito, negou-lhe provimento por entender incabível infirmar, na via eleita, as declarações das instâncias inferiores no sentido da boa procedência da gravação de fita supostamente obtida como produto de montagem em decorrência de armação política.
RHC 86952/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 13.2.2007. (RHC-86952)
Crime Praticado a Bordo de Aeronave e Competência
A Turma, por maioria, negou provimento a recurso ordinário em habeas corpus em que se sustentava a incompetência da justiça federal para julgar denunciados pela suposta prática do crime de roubo qualificado ocorrido no interior de avião pousado (CP, artigos 157, § 2º, I, II, III e 288, c/c o art. 69), consistente na subtração de numerário pertencente ao Banco do Brasil e sob a guarda de empresa transportadora de valores. Alegava-se, na espécie, que os sujeitos passivos do crime não estariam abarcados pelo art. 109, IV, da CF ("Art. 109: Aos juízes federais compete processar e julgar: IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas..."). Tendo em conta que o delito fora cometido a bordo de aeronave, entendeu-se que o fato de esta se encontrar em terra não afastaria a competência da justiça federal prevista no art. 109, IX, da CF ("IX - os crimes cometidos a bordo de navios e aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar;"). Asseverou-se tratar-se de norma constitucional taxativa sobre competência, cuja interpretação deve ser restrita, e que, no caso, a qualidade do sujeito passivo não importaria. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, relator, e Ricardo Lewandowski, que davam provimento ao recurso para fixar a competência da justiça estadual onde verificado o roubo, por considerar que a razão de ser do disposto no aludido art. 109, IX, da CF, não seria a proteção do deslocamento em si verificado mediante navios e aeronaves, e sim a determinação da área geográfica da prática criminosa e, portanto, da comarca competente para o julgamento.
RHC 86998/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ o acórdão Min. Cármen Lúcia, 13.2.2007. (RHC-86998)
Art. 366 do CPP e Suspensão do Prazo Prescricional
A Turma deu provimento a recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul contra acórdão do tribunal de justiça local que mantivera decisão que, ao declarar a revelia do ora recorrido (CPP, art. 366), suspendera o curso do processo, mas limitara a suspensão do prazo prescricional ao da prescrição em abstrato do fato delituoso. Inicialmente, afastou-se a alegação de ofensa ao art. 97 da CF, no sentido de que a interpretação dada pela Corte a quo ao citado art. 366 do CPP consubstanciar-se-ia em uma espécie de controle de constitucionalidade. Asseverou-se, no ponto, que no controle difuso, a interpretação que restringe a aplicação de uma norma a alguns casos, mantendo-a com relação a outros, não se identifica com a declaração de inconstitucionalidade prevista naquele dispositivo constitucional. No tocante à suspensão da prescrição, entendeu-se que a Constituição não veda que seu prazo seja indeterminado, uma vez que não se constitui em hipótese de imprescritibilidade e a retomada do curso da prescrição fica apenas condicionada a evento futuro e incerto. Além disso, aduziu-se que a Constituição se restringe a enumerar os crimes sujeitos à imprescritibilidade (CF, art. 5º, XLII e XLIV), sem proibir, em tese, que lei ordinária crie outros casos. Por fim, considerou-se inadmissível sujeitar-se o período de suspensão de que trata o art. 366 do CPP ao tempo da prescrição em abstrato, visto que, do contrário, o que se teria seria uma causa de interrupção e não de suspensão. RE provido para determinar a suspensão da prescrição por prazo indeterminado. Precedente citado: Ext 1042/Governo de Portugal (j. em 19.12.2006).
RE 460971/RS, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 13.2.2007. (RE-460971)
Justiça Estadual e Crime contra a Ordem Econômica
Por não vislumbrar ofensa aos serviços de fiscalização de entidade autárquica (Agência Nacional de Petróleo - ANP) a justificar a competência da justiça federal para julgamento de ação penal proposta contra acusado pela suposta infração ao art. 1º da Lei 8.176/91, consistente na venda de combustível adulterado, a Turma manteve acórdão que assentara a competência da justiça estadual para o julgamento da causa. Alegava-se, na espécie, violação ao art. 109, IV, da CF ("Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas..."). De início, ressaltou-se que: regra geral, os crimes contra a ordem econômica são de competência da justiça estadual; no caso, não haveria a incidência do art. 109, VI, da CF ("VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados em lei, contra sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;"), uma vez que a Lei 8.176/91 não previu a competência para o processo e julgamento do fato imputado ao ora recorrido; e os crimes elencados no citado inciso devem ser julgados pela justiça federal, ainda que ausente na legislação infraconstitucional disposição nesse sentido, quando os fatos se enquadrarem nas hipóteses previstas no art. 109, IV, da CF. Todavia, entendeu-se que o art. 109, VI, da CF não limita a disciplina quanto à competência da justiça federal relativamente aos crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira, ao contrário, ele a amplia para permitir, que a partir das peculiaridades de determinadas condutas lesivas a esses sistemas, possa a legislação infraconstitucional subtrair da justiça estadual a competência para julgar causas que se aconselha sejam apreciadas pela justiça federal, mesmo que não abrangidas pelo art. 109, IV, da CF. E, a partir dessa premissa, considerou-se que a conduta imputada ao recorrido não se amoldaria ao disposto no aludido art. 109, IV, da CF, haja vista que não se poderia confundir o fato objeto da fiscalização, a adulteração de combustível, com o exercício das atividades fiscalizatórias da ANP, cujo embaraço ou impedimento poderiam, em tese, configurar crimes de competência da justiça federal, porquanto lesivos a serviços prestados por entidade autárquica federal.
RE 502915/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 13.2.2007. (RE-502915)
SEGUNDA TURMA
Soberania do Júri e Escolha de Tese
A Turma deferiu habeas corpus para cassar decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que determinara, ao fundamento de que a decisão do conselho de sentença fora manifestamente contrária à prova dos autos (CPP, art. 593, III, d), a realização de novo júri a condenado pela prática do delito tipificado no art. 121, § 1º, do CP. Considerou-se que, na espécie, se o tribunal do júri, com base no depoimento de testemunhas ouvidas em juízo, concluíra que o réu cometera homicídio privilegiado, não poderia o tribunal local substituir esse entendimento, por reputar existentes outras provas mais robustas no sentido contrário ao da tese acolhida. Afastou-se, ainda, a alegação de que o reconhecimento dessa nulidade implicaria revolvimento de provas, incabível na via eleita, uma vez que o próprio acórdão impugnado afirmara haver prova, naqueles autos, a respaldar o veredicto popular, não se podendo concluir, assim, que a tese eleita pelo júri seria inverossímil ou arbitrária.
HC 85904/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 13.2.2007. (HC-85904)