Informativo do STF 407 de 04/11/2005
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
Serviços Notariais e de Registro: Concurso Público e Princípio da Isonomia
Por vislumbrar ofensa aos princípios do concurso público (CF, art. 37, II) e da isonomia (CF, art. 5º, caput), o Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado do Rio Grande do Sul para declarar a inconstitucionalidade dos incisos I, II, III e X do art. 16 e do inciso I do art. 22, ambos da Lei 11.183/98, daquele Estado, que, dispondo sobre concurso de ingresso e remoção nos serviços notarial e de registro, estabelecem, respectivamente, como títulos de concurso público, atividades relacionadas a esses serviços, e, como critério de desempate entre candidatos, a preferência para o mais antigo na titularidade dos mesmos. Entendeu-se que os dispositivos impugnados estabelecem tratamento diferenciado que se afasta dos objetivos da exigência do concurso público, já que fixam critério arbitrário de sobrevalorização dos títulos da atividade cartorária, conferindo privilégio a um determinado grupo de candidatos em detrimento dos demais. Em seguida, o Tribunal deliberou sobre a proposta do Min. Gilmar Mendes no sentido de se atribuir, por questões de segurança jurídica, eficácia ex nunc à decisão, aplicável ao concurso em andamento, preservando-se os concursos anteriores. Nesse sentido, acompanharam-no os Ministros Carlos Britto, Ellen Gracie, Celso de Mello, Nelson Jobim, presidente. Votaram pela concessão de efeitos ex tunc os Ministros Marco Aurélio, relator, e Sepúlveda Pertence. Quanto à eficácia da decisão, o julgamento foi suspenso para aguardar os votos dos Ministros Joaquim Barbosa e dos Ministros ausentes. Precedentes citados:
ADI 598/TO (DJU de 12.11.93); ADI 1946/DF (DJU de 16.5.2003); ADI 3443/MA (DJU de 23.9.2005). ADI 3522/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 26.10.2005. (ADI-3522)
Materiais de Amianto: Proibição e Competência Legislativa
O Tribunal iniciou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria - CNTI contra a Lei 12.589/2004, do Estado de Pernambuco, de iniciativa parlamentar, que proíbe a fabricação, o comércio e o uso de materiais, elementos construtivos e equipamentos constituídos por amianto ou asbesto, no âmbito daquela unidade federativa, e impõe que as licitações para contratação de serviços tenham explícita a proibição desse uso. O Min. Eros Grau, relator, julgou procedente o pedido formulado por entender que a lei em questão invade a competência da União para legislar sobre normas gerais sobre produção e consumo, meio-ambiente e controle de poluição, proteção e defesa da saúde, bem como extrapola a competência legislativa suplementar dos Estados-membros (CF, art. 24, V, VI, e XII, § 2º). Ressaltou que a legislação federal em vigor (Lei 9.055/95), que traça as normas gerais a esse respeito, nos termos do art. 24, § 1º da CF, não veda a comercialização nem o uso do referido silicato. Além disso, considerou que a norma, ao obstar que os órgãos públicos estaduais adquiram materiais que contenham o amianto, usurpa a área de atuação do Chefe do Poder Executivo, a quem cabe a direção, a organização e o funcionamento da Administração (CF, art. 84, II e VI, a). Após, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do Min. Joaquim Barbosa.
ADI 3356/PE, rel. Min. Eros Grau, 26.10.2005. (ADI-3356)
ADI e Vício Formal - 1
Entendendo caracterizada a afronta à reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo para as leis que disponham sobre criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, ou impliquem aumento de sua remuneração, bem como sobre servidores públicos e seu regime jurídico (CF, art. 61, § 1º, a e c), o Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta proposta pelo Governador do Distrito Federal para declarar a inconstitucionalidade das Leis Distritais 1.916/98 e 2.153/98, resultantes de iniciativa parlamentar, que, respectivamente, institui a gratificação de apoio fazendária aos servidores da carreira da administração pública do DF e em exercício na Secretaria da Fazenda e Planejamento, e estende essa gratificação aos servidores das carreiras da administração autárquica e fundacional lotados e em exercício nos órgãos setoriais dos sistemas de planejamento e orçamento e de finanças e controle.
ADI 2249/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 26.10.2005. (ADI-2249)
ADI e Vício Formal - 2
Em face da aparente ofensa à reserva de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo para dispor sobre regime jurídico dos servidores públicos (CF, art. 61, § 1º, II, c), o Tribunal concedeu liminar em ação direta de inconstitucionalidade para suspender a eficácia da Lei Complementar 109/2005, do Estado do Paraná, resultante de iniciativa parlamentar, que, dispondo sobre regime jurídico dos servidores da Procuradoria Geral do referido Estado, determina que a ação regressiva contra agentes públicos deverá ser promovida pelo Procurador-Geral do Estado, no prazo de 90 dias a contar do trânsito em julgado da condenação, sob pena de aplicação de multa diária, bem como responsabilização da autoridade.
ADI 3564 MC/PR, rel. Min. Eros Grau, 26.10.2005. (ADI-3564)
Extradição: Brasileiro Naturalizado e Promessa de Reciprocidade
O Tribunal iniciou julgamento de questão de ordem em extradição ajuizada pelo Governo da Alemanha, em que se discute a possibilidade da entrega de brasileiro naturalizado, quando inexiste tratado bilateral em matéria de extradição entre o Estado requerente e o Brasil e a promessa de reciprocidade encontra óbice na Constituição daquele país, que veda a extradição de seus nacionais, sem ressalva. Na espécie, a aquisição da nacionalidade brasileira pelo extraditando, de nacionalidade original libanesa, fora formalizada em dezembro de 2003, com a entrega do certificado de conclusão do processo de naturalização (Lei 6.815/80, art. 119), sendo que os fatos delituosos a ele imputados ocorreram entre o início de 2001 e junho de 2003 e teriam relação com o tráfico de drogas. O Min. Joaquim Barbosa, relator, considerando irrelevante o fato de a Constituição do Brasil ressalvar hipóteses de extradição de seus nacionais e a da Alemanha não a autorizar genericamente, resolveu a questão de ordem no sentido de admitir o seguimento do processo quanto a crimes anteriores à naturalização do extraditando no Brasil, com fundamento na primeira exceção contida no inciso I do art. 5º da CF ("nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização..."). Entendeu que, até a conclusão do processo de naturalização, o extraditando não era nacional brasileiro, portanto, a hipótese semelhante inversa seria a de pedido de extradição à Alemanha de pessoa sem nacionalidade alemã, presente a qualquer outro título em seu território. Após, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do Min. Carlos Britto. Ext 1010 QO/República Federal da Alemanha, rel. Min. Joaquim Barbosa, 26.10.2005. (Ext-1010)
Equilíbrio Econômico-Financeiro de Contrato e Princípio da Harmonia entre os Poderes
Considerando configurada a afronta aos artigos 2º; 37, XXI; e 175, da CF, o Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta proposta pelo Governador do Estado do Espírito Santo para declarar a inconstitucionalidade da Lei Estadual 7.304/2002, resultante de iniciativa parlamentar, que exclui as motocicletas da relação de veículos sujeitos ao pagamento de pedágio e concede aos estudantes desconto de 50% sobre o valor do mesmo. Afastou-se, primeiramente, a alegação de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa, uma vez que os casos de limitação da iniciativa parlamentar estão previstos, numerus clausus, no § 1º do art. 61 da CF, que trata de matérias relativas ao funcionamento da Administração, em especial as atinentes a servidores e órgãos do Poder Executivo, não se podendo ampliar o rol para qualquer situação que gere aumento de despesas para o Estado-membro. Por outro lado, entendeu-se que a lei em análise, ao conceder isenções sem prever nenhuma forma de compensação, afetou o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão celebrado entre a Administração capixaba com a empresa concessionária, avançou sobre a política tarifária estabelecida contratualmente e sob o controle do poder concedente, e introduziu elemento novo na relação contratual, incorrendo em indevida ingerência do Poder Legislativo na esfera própria das atividades da Administração Pública.
ADI 2733/ES, rel. Min. Eros Grau, 26.10.2005. (ADI-2733)
Reclamação: Ação Civil Pública e Declaração de Inconstitucionalidade
O Tribunal, por maioria, julgou procedente reclamação ajuizada contra tutela antecipada concedida por juiz federal de seção judiciária de São Paulo, que suspendera a aplicação do art. 1º da Medida Provisória 14/2001, convertida na Lei 10.438/2002. Salientou-se, inicialmente, a existência de ação direta em que se objetiva a declaração da inconstitucionalidade da citada lei e de que a ação civil pública em questão - em que se impugna a validade de encargo tarifário (seguro anti-apagão) - fora proposta antes da conversão e do ajuizamento dessa ADI. Entendeu-se que a decisão impugnada usurpou a competência privativa do Supremo para julgar ação direta de inconstitucionalidade que tenha como parâmetro a Constituição Federal, uma vez que, no caso, a ação civil é proposta contra a União e a ANEEL e a declaração de inconstitucionalidade com efeitos erga omnes é posta como o próprio objeto do pedido e não como causa de pedir. Vencido o Min. Marco Aurélio que não reconhecia a usurpação da competência da Corte por considerar que o pronunciamento, afastando a incidência da lei, seria restrito e indispensável à acolhida da medida acauteladora. Rcl julgada procedente para cassar a medida liminar concedida, declarar a incompetência do reclamado e determinar o arquivamento da ação civil pública. Precedente citado:
Rcl 1017/SP (DJU de 3.6.2005). Rcl 2224/SP, rel Min. Sepúlveda Pertence, 26.10.2005. (Rcl-2224)
Processo Administrativo Disciplinar: Comissão de Inquérito e Devido Processo Legal - 2
Concluído julgamento de mandado de segurança impetrado contra decreto do Presidente da República, que demitira o impetrante do cargo de fiscal do trabalho, do Ministério do Trabalho, pela prática de diversas infrações previstas na Lei 8.112/90, apuradas por comissão de inquérito. O impetrante alegava ser vítima de trama planejada por desafeto seu, com participação dos membros da referida comissão, e que o processo administrativo contra ele instaurado estaria eivado de ilegalidades - v. Informativo 380. O Tribunal, por maioria, indeferiu a ordem. Entendeu-se que a análise do conjunto probatório produzido em sede administrativa, necessária à verificação da procedência da primeira alegação, é incompatível com a via eleita, devendo o impetrante, para tanto, recorrer às vias ordinárias. Ressaltou-se que, apesar de o relatório final apresentado pela comissão de inquérito conter redação inadequada à boa técnica administrativa, com trechos em que há referências pejorativas sobre o impetrante, tal inconveniente, por si só, não macularia o procedimento administrativo realizado, já que as conclusões a que chegara o mencionado relatório não vinculariam a autoridade julgadora, conforme precedente da Corte (MS 21280/DF, DJU de 20.3.92). Além disso, a censura, quanto a esse ponto, feita pelas diversas instâncias administrativas pelas quais tramitara o processo consistiria numa demonstração de que a autoridade julgadora não teria sido influenciada pelas impropriedades contidas no relatório. Por fim, asseverou-se não ter ocorrido cerceamento de defesa, porquanto não arroladas como testemunhas as pessoas que o impetrante afirmara não terem sido ouvidas pela comissão. Vencidos os Ministros Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence, que, vislumbrando ofensa ao devido processo legal, deferiam a segurança.
MS 22151/PR, rel. Min. Ellen Gracie, 27.10.2005. (MS-22151)
Decreto Expropriatório: Promitente Comprador e Legitimidade - 2
Em conclusão de julgamento, o Tribunal proveu agravo regimental em mandado de segurança impetrado contra decreto do Presidente da República - que declarara de interesse social, para fins de reforma agrária, imóvel rural -, para reconhecer a legitimidade do impetrante, promitente comprador do imóvel, para figurar no pólo ativo da demanda - v. Informativo 389. Entendeu-se que, tanto à luz do novo Código Civil quanto da legislação civil a ele anterior, o promitente comprador, quando efetua o registro da promessa de compra e venda no Cartório de Registro de Imóveis, passa a ter direito real à aquisição do bem, oponível erga omnes, com o poder de seqüela que é próprio dos direitos dessa natureza. O Min. Joaquim Barbosa, relator, reajustou seu voto.
MS 24908 AgR/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 27.10.2005. (MS-24908)
Prevenção de Turma e Inocorrência
O Tribunal, por maioria, negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão do Min. Nelson Jobim, presidente, que indeferira pedido de redistribuição de habeas corpus entre os integrantes da 1ª Turma do Supremo por considerar inaplicável, à espécie, a regra do § 1º do art. 69 do Regimento Interno do STF ("Se o Relator deixar o Tribunal, a prevenção referir-se-á à Turma julgadora."). No caso concreto, o Min. Ilmar Galvão, relator de agravo de instrumento interposto em favor do ora paciente, visando à subida de recurso extraordinário criminal, negara seguimento ao recurso, e mantivera essa decisão em agravo regimental. Ressaltando que o Regimento Interno do Supremo estabelece duas regras de prevenção sucessivas: a do art. 69 (prevenção do relator), que é geral, e a do art. 10 (prevenção da Turma), entendeu-se que, em razão de o agravo de instrumento não ter sido apreciado pela 1ª Turma, à qual pertencia o Min. Ilmar Galvão, não haveria que se falar em prevenção da mesma, independentemente do teor da decisão monocrática. Vencido o Min. Marco Aurélio que dava provimento ao recurso por considerar que estaria prevento o Min. Carlos Britto, sucessor do Min. Ilmar Galvão.
HC 85904 AgR/SP, rel. Min. Nelson Jobim, 3.11.2005. (HC-85904)
Denúncia contra Parlamentar: Suspensão de Prazo Prescricional e EC 35/2001
O Tribunal recebeu denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal em que se imputa a Deputado Federal a suposta prática de crime de corrupção ativa em concurso de pessoas (CP, art. 333 c/c art. 29). Na espécie, o então relator do processo, Min. Sydney Sanches, com base no disposto na redação primitiva dos §§ 1º e 2º do art. 53 da CF, solicitara licença à Câmara dos Deputados e ordenara a suspensão do curso do prazo prescricional, tendo, posteriormente, em face da publicação da EC 35/2001, determinado a notificação do denunciado para oferecer resposta. Inicialmente, afastou-se a alegação de prescrição da pretensão punitiva. Considerou-se que o termo a quo da prescrição tivera início na data em que o crime supostamente se consumara, suspendendo-se com o despacho de solicitação da licença à Casa Legislativa, conforme precedentes da Corte, à luz do disposto na redação primitiva do art. 53, § 2º, da CF, retomando seu curso com a publicação da EC 35/2001. No mais, entendeu-se haver indícios suficientes de autoria e materialidade do crime e que a denúncia atende aos pressupostos do art. 41 do CPP, com a exposição do fato criminoso e todas as suas circunstâncias e a classificação do delito. Inq 1326/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 3.11.2005. (Inq-1326)
Competência Originária do Supremo e Conflito acerca de Atribuições Constitucionais
Com fundamento no art. 102, I, f, da CF, o Tribunal, resolvendo questão de ordem, assentou, por maioria, sua competência para julgar mandado de segurança impetrado pela Ordem dos Advogados do Brasil - OAB - Seccional de São Paulo contra ato do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do referido Estado, em que se pretende a anulação de lista tríplice para provimento de cargos de desembargador naquele tribunal, sob a alegação de ofensa ao art. 94 e seu parágrafo único da CF. Entendeu-se ser da competência originária do Supremo o julgamento de causa em que autarquia federal e Estado-membro, pelo órgão de um dos seus poderes, contendam acerca de suas atribuições constitucionais. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, Carlos Britto e Cezar Peluso que, não vislumbrando conflito federativo apto a invocar a alínea f do aludido dispositivo constitucional, resolviam a questão de ordem no sentido de assentar a incompetência do Supremo. Precedentes citados:
MS 22042 QO/RR (DJU de 24.3.95); ACO 684 QO/MG (acórdão pendente de publicação). MS 25624 QO/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 3.11.2005. (MS-25624)
Meia-Entrada e Constitucionalidade
O Tribunal, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Confederação Nacional do Comércio - CNC contra o art. 1º da Lei 7.844/92, do Estado de São Paulo, que assegura aos estudantes o pagamento de meia-entrada do valor cobrado para o ingresso em eventos esportivos, culturais e de lazer. Inicialmente, afastou-se a inconstitucionalidade formal alegada, ao fundamento de que os Estados-membros e o Distrito Federal, por força do disposto no art. 24, I, da CF, detêm competência concorrente para legislar sobre o direito econômico. Asseverou-se que, no caso, inexistindo lei federal regulando a matéria, o Estado-membro editou a lei em questão no exercício de competência legislativa plena (CF, art. 24, § 3º). Da mesma forma, foram rejeitados os argumentos quanto a vícios de inconstitucionalidade material. Esclareceu-se que, para que sejam realizados os fundamentos do art. 1º e os fins do art. 3º, da CF, é necessário que o Estado atue sobre o domínio econômico, sendo essa intervenção não só adequada, mas indispensável à consolidação e preservação do sistema capitalista. Considerou-se, destarte, que, se de um lado a Constituição assegura a livre iniciativa, de outro determina ao Estado a adoção de providências tendentes a garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto (CF, arts. 23, V; 205; 208; 215 e 217, § 3º), ressaltando que, na composição entre esses princípios e regras, há de ser preservado o interesse da coletividade. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Cezar Peluso que julgavam procedente o pedido.
ADI 1950/SP, rel. Min. Eros Grau, 3.11.2005. (ADI-1950)
PRIMEIRA TURMA
Crime de Desobediência e Cumprimento de Dever Legal
Por falta de justa causa, a Turma deferiu habeas corpus para fulminar procedimento instaurado contra titular de ofício de registro de imóveis acusado pela suposta prática do crime de desobediência (CP, art. 330). No caso concreto, o paciente, em dúvida sobre a possibilidade de registrar carta de adjudicação emanada de Vara do Trabalho, questionara Juiz de Direito da Vara dos Registros Públicos, o qual consignara o acerto da sua recusa em proceder ao imediato registro. Após as providências cabíveis, o título fora registrado e o Juízo da Vara do Trabalho acionara o Ministério Público. Entendeu-se que o paciente limitara-se a cumprir dever imposto pela Lei de Registros Públicos. Ressaltou-se, ainda, a viabilidade de se ter como agente do crime de desobediência pessoa que implemente atos a partir de função pública, na espécie, delegatário de poder público (CF, art. 236).
HC 85911/MG, rel. Min. Marco Aurélio, 25.10.2005. (HC-85911)
Legitimidade do Ministério Público e Miserabilidade - 3
Concluído julgamento de habeas corpus em que se pretendia a nulidade de processo penal pelo qual o paciente fora condenado por atentado violento ao pudor (CP, art. 214) e por resistência (CP, art. 329), sob a alegação de ofensa, na espécie, ao art. 225, caput, do CP, dado que o Ministério Público não possuiria legitimidade para propor ação penal, em face da ausência das hipóteses previstas no § 1º, I e II, do mesmo dispositivo - v. Informativo 404. Entendendo incidente, na espécie, o inciso I do § 1º do art 225 do CP (miserabilidade), a Turma indeferiu o writ. Asseverou-se não haver nada documentado no processo a comprovar que a vítima e sua representante tivessem condições financeiras para não se enquadrarem naquela situação, mas, que dos autos, infere-se que a última é trabalhadora doméstica, circunstância já reconhecida por este Tribunal como suficiente para presumir a hipossuficiência, além do que é divorciada, sendo falecido o pai do menor. Quanto à representação para ação penal pública, considerou-se ser suficiente a demonstração inequívoca do interesse na persecução criminal, e que, por tratar-se de notícia-crime coercitiva, qual a prisão em flagrante, bastaria a ausência de oposição expressa ou implícita da vítima ou de seus representantes, de tal modo que, pelo contexto dos fatos e da condução do processo, se verificasse a intenção de se prosseguir no processo, como no caso.
HC 86058/RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 25.10.2005. (HC-86058)
Lei 10.684/2003: Extinção da Punibilidade e Aplicação da Lei Mais Benéfica
A Turma iniciou julgamento de habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática do crime de apropriação indébita de contribuições previdenciárias, em que se pretende a suspensão da pretensão punitiva do Estado, pela adesão da empresa ao REFIS em data anterior ao veto ao § 2º do art. 5º da Lei 10.684/2003, o qual permitia o parcelamento de débitos referentes a contribuições descontadas dos segurados e não repassadas ao INSS. Sustenta-se, na espécie, que: a) em abril de 2000, o paciente obtivera o parcelamento do débito previdenciário; b) a Lei 10.684/2003 seria mais benéfica, a incidir o disposto no art. 2º e parágrafo único do CP; c) o trânsito em julgado do decreto condenatório ocorrera em 9.8.2004; d) o veto ao disposto no § 2º do art. 5º da Lei 10.684/2003 não alcançaria a situação do paciente, no que são excluídos do parcelamento os débitos decorrentes de contribuições dos segurados e não recolhidas pelo empregador; e) a sentença fora proferida antes do veto. O Min. Marco Aurélio, relator, acompanhado pelos Ministros Eros Grau e Cezar Peluso, deferiu, em parte, o writ para anular o acórdão do TRF da 1ª Região que confirmara a condenação do paciente e suspender a pretensão punitiva e o curso da prescrição, ficando sobrestado o processo instaurado. Inicialmente, o relator apresentou panorâmica da evolução legislativa no trato da matéria, ressaltando que a opção político-legislativa sempre foi no sentido de, tanto quanto possível, alcançar-se a liquidação da dívida ativa da Fazenda, afirmando, também, que tais normas dizem respeito ao não recolhimento de contribuições descontadas de empregados. Asseverou que, no caso, o parcelamento ocorrera em data anterior ao citado veto e que esse parcelamento produz, até ser contestado, as conseqüências mencionadas no referido art. 9º da Lei 10.684/2003 ("É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento. § 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. § 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios."). Entendeu, tendo em conta a interpretação sistemática e teleológica do art. 2º do CP e do CPP, aplicável, portanto, a Lei 10.684/2003, considerando que a incidência do art. 9º desse diploma legal não poderia afastar a do seu § 1º. Dessa forma, concluiu, em observância ao princípio da unidade, ser inadmissível a tese da defesa no sentido de se ter a proclamação da incidência do art. 9º da Lei 10.648/2003, ante a adesão ao REFIS, obstando-se a pretensão punitiva do Estado e, ao mesmo tempo, assentar-se o curso da prescrição. Após, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Min. Sepúlveda Pertence.
HC 85661/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 25.10.2005. (HC-85661)
Código de Trânsito e Julgamento Extra Petita
A Turma deferiu habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática dos crimes previstos nos artigos 309 e 311 do Código de Trânsito Brasileiro - CTB, cuja denúncia não mencionara os elementos integrantes do segundo tipo penal. Asseverou-se que a inicial, além de descrever a conduta do art. 309 do CTB ("Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano"), limitara-se a relatar a circunstância de o paciente haver trafegado com o veículo na contramão, causando acidente. Destarte, entendeu-se que o fato do qual se defendera o paciente não consta como núcleo do art. 311 do CTB ("Trafegar em velocidade incompatível com a segurança nas proximidades de escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque de passageiros, logradouros estreitos, ou onde haja grande movimentação ou concentração de pessoas, gerando perigo de dano"). HC deferido para excluir da condenação o crime do art. 311 do CTB.
HC 86538/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 25.10.2005. (HC-86538)
Art. 37, § 1º da CF e Promoção Pessoal
A Turma iniciou julgamento de agravo regimental em recurso extraordinário interposto contra decisão monocrática do Min. Marco Aurélio, relator, que negara seguimento ao recurso, ao fundamento de pretender-se o reexame de elementos probatórios. No caso concreto, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em embargos infringentes, julgara procedente pedido formulado em ação popular ajuizada contra prefeito, por afronta aos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa (CF, art. 37, § 1º), em razão de publicações com caráter de promoção pessoal. Repisa-se a alegação de ofensa ao art. 37, § 1º, da CF, porquanto a interpretação dada pelo Tribunal de origem ao dispositivo constitucional seria irrazoável, violando o princípio do devido processo legal. Aduz-se que, não estando configurada a promoção pessoal, não seria vedada a veiculação de nome, símbolo ou imagem do Chefe do Poder Executivo, requerendo-se, outrossim, a qualificação jurídica dos fatos. O Min. Marco Aurélio, relator, ressaltando o que assentado no acórdão impugnado, no sentido de tratar-se de publicidade com promoção pessoal, negou provimento ao agravo. Reafirmou seu entendimento sobre a inviabilidade do reexame dos elementos probatórios. Por outro lado, o Min. Eros Grau deu provimento ao regimental para dar seguimento ao recurso extraordinário. Salientando que o aludido art. 37, § 1º, da CF não impede a propaganda institucional, considerou que se debate, na espécie, o enquadramento normativo dos fatos e não a reapreciação de provas. Após, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Min. Cezar Peluso.
RE 366983 AgR/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 25.10.2005. (RE-366983)
Gratificação (GASA) e Extensão a Inativos
Com base no art. 40, § 8º da CF - que determina a extensão aos inativos de quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade - a Turma, por maioria, deu provimento a agravo regimental para negar provimento a recurso extraordinário interposto pelo Estado de São Paulo contra acórdão que estendera, por sua generalidade, a servidores aposentados a Gratificação por Atividade de Suporte Administrativo - GASA, instituída pela LC estadual 876/2000. Reconheceu-se o direito dos servidores inativos a terem incorporada em seus proventos a referida gratificação, tendo em vista tratar-se de vantagem deferida de forma geral. O Min. Sepúlveda Pertence asseverou que a não incorporação da GASA aos proventos não a transformaria em gratificação precária, passível de ser subtraída de servidores. Vencido o Min. Eros Grau, relator, que negava provimento ao agravo regimental. O Min. Cezar Peluso retificou o voto proferido em 21.9.2004.
AI 429052 AgR/SP, rel. orig. Min. Eros Grau, rel. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 25.10.2005. (AI-429052)
Ação Civil Pública e Legitimidade do Ministério Público
O Ministério Público possui legitimidade para propor ação civil pública com o fim de declarar nula cláusula contratual referente à proteção adicional para cartões de crédito. Com base nesse entendimento, a Turma negou provimento a recurso extraordinário interposto por Unicard Banco Múltiplo S/A em que se sustentava ofensa ao art. 127 da CF, sob alegação de ilegitimidade do parquet, porquanto o direito defendido se enquadraria no campo dos interesses individuais disponíveis. Considerou-se presente relação jurídica de consumo, tendo em conta os serviços prestados pelo recorrente, a ensejar a competência do Ministério Público (CF, art. 129, III e CDC, arts. 81 e 82). Asseverou-se ser inviável o acionamento individual do Poder Judiciário, devendo-se prestigiar o macro-processo.
RE 441318/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 25.10.2005. (RE-441318)
SEGUNDA TURMA
Direito de Recorrer em Liberdade
A Turma deferiu habeas corpus para assegurar a condenado pela prática de homicídio qualificado o direito de permanecer em liberdade até o trânsito em julgado da sentença. No caso concreto, fora expedido mandado de prisão contra o réu, quando ainda pendente de julgamento o agravo de instrumento visando à subida de recurso especial. Considerando a especificidade do caso, qual seja, o fato de a sentença ter assegurado esse direito e de não ter havido interposição de recurso contra a condenação por parte da acusação, entendeu-se que a determinação da prisão do paciente, antes do trânsito em julgado, configurara constrangimento ilegal.
HC 85856/DF, rel. Min. Carlos Velloso, 25.10.2005. (HC-85856)
Crime Militar e Ausência de Dolo Antecedente
A Turma deferiu habeas corpus impetrado contra acórdão do STM que condenara general pela prática do crime de estelionato (CPM, art. 251). Na espécie, a acusação se dera porque o paciente, diante da sua transferência de unidade, por necessidade do serviço, solicitara as indenizações de transporte e ajuda de custo, previstas nos arts. 34 e 35 da Lei 8.237/91, mas não as utilizara para o fim requerido. Além disso, posteriormente à assunção do novo comando, solicitara sua transferência para a reserva. Entendeu-se atípica a conduta, por ausência de dolo antecedente, já que a transferência se dera por necessidade de serviço e as indenizações estavam fundadas em normas legais que dispensavam, inclusive, prestação de contas. HC deferido para restabelecer a sentença absolutória.
HC 85902/DF, rel. Min. Ellen Gracie, 25.10.2005. (HC-85902)
Crime de Desobediência e Atipicidade
Por atipicidade da conduta, a Turma deferiu habeas corpus para trancar ação penal instaurada contra acusado pela suposta prática do delito de desobediência (CP, art. 330). No caso, o paciente teria descumprido ordem judicial, emanada de Juizado Especial Cível, que determinara, em sede cautelar, à empresa de energia da qual ele era preposto, que não efetuasse o corte de energia na residência de determinada pessoa, sob pena de multa diária. Considerou-se que, para a configuração do delito de desobediência, salvo se a lei ressalvar expressamente a possibilidade de cumulação da sanção de natureza civil ou administrativa com a de natureza penal, não basta apenas o não cumprimento de ordem legal, sendo indispensável que, além de legal a ordem, não haja sanção determinada em lei específica no caso de descumprimento.
HC 86254/RS, rel. Min. Celso de Mello, 25.10.2005. (HC-86254)
Parcelamento de Terras Pertencentes à União e Competência da Justiça Federal
Compete à Justiça Federal o processamento e julgamento da ação penal proposta para apurar a prática do crime de parcelamento irregular de terras pertencentes à União. Com base nesse entendimento, a Turma, anulou, desde o recebimento da denúncia, processo penal pelo qual o requerente, Prefeito de São Francisco de Guaporé/RO, fora condenado, pela Justiça Estadual, à prestação de serviços à comunidade pela prática do referido delito.
RHC 86081/RO, rel. Min. Gilmar Mendes, 25.10.2005. (RHC-86081)
Revisão Geral de Remuneração e Enunciado 339 da Súmula - 3
A Turma concluiu julgamento de recurso extraordinário interposto pelo Estado do Rio de Janeiro, com base no art. 102, III, a e c, da CF, contra acórdão do Tribunal de Justiça daquele Estado que deferira mandado de segurança para garantir a defensores públicos, procuradores de Estado e delegados de polícia a percepção de reajustes concedidos, a título de abonos, aos servidores públicos do referido ente federativo, bem como para assegurar-lhes a observância do teto limite remuneratório fixado em Decreto Legislativo estadual - v. Informativos 363 e 373. A Turma não conheceu do recurso pela alínea c, por entender que o referido Decreto não fora contestado perante a Constituição Federal, mas apenas servira de fundamento ao acórdão recorrido para invalidar ato do Poder Executivo local que fixara a remuneração dos secretários de Estado, este sim questionado em face do art. 49, VIII, da CF. No tocante ao fundamento previsto no art. 102, III, a, da CF, considerando que somente os artigos 2º e 37, X, da CF foram prequestionados, conheceu-se do recurso e a ele negou-se provimento. Asseverou-se que, no caso, tendo o tribunal de justiça examinado os decretos estaduais e concluído tratar-se de revisão geral, haveria óbice, em recurso extraordinário, em se concluir de forma diversa e reinterpretar direito local. Assim, estabelecida a premissa de se estar diante de revisão geral, e não de hipótese de reajuste setorial, aplicou-se o precedente firmado no RMS 22307/DF (DJU de 13.6.97), no qual, com fundamento na auto-aplicabilidade do art. 37, X, da CF, em sua redação original, afastou-se o Enunciado 339 da Súmula do STF para garantir a todos os servidores públicos federais o reajuste concedido aos servidores militares pelas Leis 8.622/93 e 8.627/93. Vencido o Min. Joaquim Barbosa que, considerando prequestionados os artigos 2º e 37, X e XI, da CF, conhecia do recurso apenas pela alínea a, julgando o apelo extremo prejudicado no que concerne à alínea c; e aplicava o Enunciado 339 da Súmula do STF ("Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento da isonomia"), entendendo violado o princípio da separação dos poderes (CF, art. 2º), uma vez que o acórdão impugnado estendera aos recorridos, com o argumento de haver tratamento discriminatório, aumento que não lhes fora concedido pelos atos normativos questionados.
RE 393679/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 25.10.2004. (RE-393679)
Estabilidade Excepcional e Servidor em Substituição
A Turma negou provimento a recurso extraordinário interposto pelo Estado do Espírito Santo e manteve acórdão do Tribunal de Justiça do respectivo Estado que reconhecera a aquisição de estabilidade, nos termos do art. 19 do ADCT, de servidora nomeada em substituição e que permanecera no cargo por mais de 10 anos. Sustentava o recorrente a violação ao art. 37, caput, da CF, e ao art.19, § 2º, do ADCT - que excepciona que a estabilidade é inaplicável aos ocupantes de cargos, funções e empregos que a lei declare de livre exoneração -, enfatizando que a recorrida não ocupava cargo efetivo, mas em substituição. Ressaltando que a estabilidade é a aderência à integração ao serviço público a qual não se confunde com efetividade, que é atributo do cargo, entendeu-se que o fato de a servidora estar no exercício de substituição não retira dela o direito à estabilidade. Considerou-se, ademais, que o Estado não comprovara que ela estivesse em alguma das hipóteses de exceção previstas no art. 19, § 2º, do ADCT.
RE 319156/ES, rel. Min. Ellen Gracie, 25.10.2005. (RE-319156)