Informativo do STF 385 de 29/04/2005
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
ADPF. Anencefalia. Aborto - 2
Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por maioria, resolveu questão de ordem suscitada pelo Procurador-Geral da República, no sentido de assentar a adequação da argüição de descumprimento de preceito fundamental ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde - CNTS, na qual se pretende obter posicionamento do STF sobre o aborto de feto anencéfalo - v. Informativos 354, 366 e 367. A argüente aponta como violados os preceitos dos artigos 1º, IV (dignidade da pessoa humana); 5º, II (princípio da legalidade, liberdade e autonomia da vontade); 6º, caput, e 196 (direito à saúde), todos da CF, e, como ato do Poder Público, causador da lesão, o conjunto normativo ensejado pelos artigos 124, 126, caput, e 128, I e II, do Código Penal, requerendo, em última análise, a interpretação conforme à Constituição dos referidos dispositivos do CP, a fim de explicitar que os mesmos não se aplicam aos casos de aborto de feto anencéfalo. Entendeu-se, nos termos do voto do relator, que os requisitos concernentes à ação foram devidamente atendidos (Lei 9.882/99, arts. 1º, 3º e 4º, § 1º). Salientando de um lado a presença de argumentos em torno de valores básicos inafastáveis no Estado Democrático de Direito e, de outro, os enfoques do Judiciário com arrimo em conclusões sobre o alcance dos dispositivos do Código Penal que dispõem sobre o crime de aborto, concluiu-se pela necessidade do pronunciamento do Tribunal, a fim de se evitar a insegurança jurídica decorrente de decisões judiciais discrepantes acerca da matéria. Assentou-se a inexistência de outro meio eficaz de sanar a lesividade alegada, apontando-se, como fundamento, o que verificado relativamente ao habeas corpus 84025/RJ (DJU de 25.6.2004), da relatoria do Min. Joaquim Barbosa, no qual a paciente, não obstante recorrer a essa via processual, antes do pronunciamento definitivo pela Corte, dera à luz a feto que veio a óbito em minutos, ocasionando o prejuízo da impetração. Ressaltou-se, também, o que consignado na ADPF 33 MC/PA (DJU de 6.8.2004), por seu relator, Min. Gilmar Mendes, quanto ao caráter acentuadamente objetivo da ADPF e a necessidade de o juízo da subsidiariedade ter em vista os demais processos objetivos já consolidados no sistema constitucional - a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade. Assim, incabíveis estas, como no caso de controle de legitimidade do direito pré-constitucional, possível a utilização daquela.
ADPF 54 QO/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 27.4.2005. (ADPF-54)
ADPF. Anencefalia. Aborto - 3
Em acréscimo aos fundamentos do relator, o Min. Carlos Britto asseverou a possibilidade do emprego da interpretação conforme à Constituição, tendo em conta a pluralidade de entendimentos quanto ao conteúdo e alcance dos citados artigos do CP, bem como a diversidade de decisões dela resultantes. O Min. Gilmar Mendes retomou fundamentos por ele adotados na citada ADPF 33 MC/PA. O Min. Sepúlveda Pertence, também acompanhando o voto do relator, mas, ressalvando a tese de que só o cabimento de um processo objetivo outro obstaria a utilização da ADPF, entendeu ser patente a relevância da controvérsia constitucional e que apenas uma medida extrema, como a utilizada, com efeitos erga omnes e eficácia vinculante, seria capaz de reparar a lesão ocorrida ou obviar a ameaça identificada. Refutou, ainda, o fundamento de que a ADPF se reduziria a requerer que fizesse incluir uma 3ª alínea no art. 128 do CP, por considerar que a pretensão formulada é no sentido de se declarar, em homenagem aos princípios constitucionais aventados, não a exclusão de punibilidade, mas a atipicidade do fato. Por sua vez, o Min. Nelson Jobim, Presidente, ressaltou que o art. 128 e seus incisos pressupõem sempre que há vida possível do feto, e que essa potencialidade de vida nos conduz a examinar o art. 124 para discutir se, sob sua égide, se inclui um tipo de feto que não tenha essa possibilidade, a fim de verificar se essa interpretação é ou não compatível com o caput do art. 5º da CF, que se refere à inviolabilidade do direito à vida. Concluiu estar tanto aí quanto na insegurança jurídica das decisões contraditórias a controvérsia constitucional posta. Vencidos os Ministros Eros Grau, Cezar Peluso e Ellen Gracie que não conheciam da ação por considerar, em síntese, que o pedido de interpretação conforme dos artigos implicaria ofensa ao princípio da reserva legal, criando mais uma hipótese de excludente de punibilidade. Vencido, da mesma forma, o Min. Carlos Velloso que julgava incabível a argüição, em razão de a pretensão da argüente equivaler, em última análise, a uma declaração de inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, de disposições legais pré-constitucionais. Determinou-se, por fim, o retorno dos autos ao relator para examinar se é caso ou não da aplicação do art. 6º, § 1º da Lei 9.882/99.
ADPF 54 QO/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 27.4.2005. (ADPF-54)
CNMP: EC 45/2004 e Vício Formal
Por considerar densa a plausibilidade da alegação de desrespeito ao § 2º do art. 60 da CF, que dispõe sobre o processo legislativo referente à proposta de emenda constitucional, o Tribunal concedeu liminar requerida em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público - CONAMP para suspender a eficácia das expressões "e do Ministério Público", "respectivamente" e "e ao Ministério Público da União", contidas no § 1º do art. 5º da Emenda Constitucional 45/2004 ("Art. 5º O Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público serão instalados no prazo de cento e oitenta dias a contar da promulgação desta Emenda, devendo a indicação ou escolha de seus membros ser efetuada até trinta dias antes do termo final. § 1º Não efetuadas as indicações e escolha dos nomes para os Conselhos Nacional de Justiça e do Ministério Público dentro do prazo fixado no caput deste artigo, caberá, respectivamente, ao Supremo Tribunal Federal e ao Ministério Público da União realizá-las."). Entendeu-se que a inovação promovida pelo Senado quanto à indicação e escolha supletiva de nomes para o Conselho Nacional do Ministério Público teria implicado alteração substancial no texto aprovado, em dois turnos, pela Câmara dos Deputados, segundo o qual caberia, também ao STF, o aludido mister.
ADI 3472 MC/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 28.4.2005. (ADPF-54)
Demarcação de Terras Indígenas e Devido Processo Legal
O Tribunal, por maioria, denegou mandado de segurança impetrado por proprietários de glebas rurais no Município de Pesqueira, no Estado de Pernambuco, contra o decreto presidencial de 30.4.2001, publicado no Diário Oficial de 2.5.2001, que homologou a demarcação de terras indígenas da Tribo Xucuru, na região onde localizadas as propriedades dos impetrantes. Insurgiam-se estes contra a distinção feita pelo Decreto 1.775/96 relativa ao direito de defesa em processos demarcatórios iniciados antes e depois de seu advento, pois, neste caso, haveria uma única oportunidade para defesa e, naquele, a defesa alcançaria todas as fases do processo de demarcação. Inicialmente, por maioria, afastou-se a preliminar de nulidade do processo por ausência de citação da FUNAI como litisconsorte passiva, bem como a de ausência de direito líquido e certo dos impetrantes. No mérito, entendeu-se, com base no que decidido no MS 21649/MS (DJU de 15.12.2000), que o Decreto 1.775/96, ao invés de violar o princípio da ampla defesa, veio a corrigir erros que se encontravam no decreto anterior que disciplinava a matéria (Decreto 22/91). Ressaltou-se que, nos processos iniciados antes do advento do Decreto 1.775/96, o nível de impugnação à demarcação das terras não poderia ser o mesmo que o outorgado aos processos surgidos após o seu advento, uma vez que, na primeira hipótese, os trabalhos referentes à demarcação já teriam tido início. Afirmou-se que o decreto poderia estabelecer tanto um procedimento diferenciado para os processos iniciados antes de seu advento como anulá-los, e que, neste caso, haveria um ônus redobrado tanto para os interessados quanto para a Administração. Concluiu-se que o direito à ampla defesa fora observado, porquanto concedido a todos os interessados o direito de se manifestarem em prazos razoáveis, salientando-se, por fim, o fato de o decreto homologatório impugnado ter sido precedido de contestação dos impetrantes. Vencido o Min. Marco Aurélio que concedia a ordem por considerar que, a despeito de o Decreto 1.775/96 prever a defesa quanto aos processos em curso, por não ter sido esta viabilizada desde o início do processo administrativo, restaria violado o princípio do contraditório.
MS 24045/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 28.4.2005. (ADPF-54)
PRIMEIRA TURMA
Art. 113 do CP e Prisão Cautelar
O art. 113 do Código Penal tem aplicação vinculada às hipóteses de evasão do condenado ou de revogação do livramento condicional, não se referindo ao tempo de prisão cautelar para efeito do cálculo da prescrição (CP: "Art. 113 - No caso de evadir-se o condenado ou de revogar-se o livramento condicional, a prescrição é regulada pelo tempo que resta da pena"). Com base nesse entendimento, a Turma, por maioria, negou provimento a recurso ordinário em habeas corpus no qual se pretendia que a prescrição da pretensão executória fosse calculada com base no restante da pena a cumprir, descontados os dias em que o réu estivera preso provisoriamente, como resultado da detração operada com base no art. 42 do CP. No caso, o recorrente fora preso em flagrante delito e condenado a um ano de reclusão e dez dias-multa, pena substituída por restritiva de direitos e, posteriormente, convertida em privativa de liberdade, em razão do descumprimento da pena alternativa. Considerou-se o princípio da legalidade estrita, de observância cogente em matéria penal, que impede a interpretação extensiva ou analógica das normas penais. Vencido o Min. Marco Aurélio, que dava provimento ao recurso. Precedentes citados:
HC 69865/PR (DJU de 26.11.93); HC 74071/SP (DJU de 11.4.97). RHC 85026/SP, rel. Min. Eros Grau, 26.4.2005. (RHC-85026)
Notícia-Crime e Delação Anônima - 2
A Turma retomou julgamento de habeas corpus em que se pretende o trancamento, por falta de justa causa, de notícia-crime, instaurada no STJ, por requisição do Ministério Público Federal, contra juiz estadual e dois desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado de Tocantins, pela suposta prática do delito de tráfico de influência (CP, art. 332). Sustenta o impetrante que a atuação do parquet se fez com base unicamente em denúncia anônima, o que violaria o inciso IV do art. 5º da CF ("IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;") e o disposto nos artigos 144 da Lei 8.112/90 e 14, § 1º, da Lei 8.429/92, no que versam sobre a inidoneidade da denúncia anônima para os fins quer de instauração de processo administrativo, quer de ação concernente à improbidade administrativa - v. Informativo 376. O Min. Carlos Britto, em voto-vista, indeferiu o habeas corpus por entender que a requisição assentara-se não apenas no documento apócrifo, mas, também, na análise de decisões proferidas pela Justiça do Estado do Tocantins, valendo-se, portanto, de outros elementos para chegar à conclusão no sentido da necessidade de melhor esclarecimento dos fatos. Considerou que os indícios de irregularidades constatados nas referidas decisões judiciais, dado o caráter público destas, poderiam ter chegado ao conhecimento do parquet independemente da existência da denúncia anônima, não havendo se falar, por isso, em ofensa a direitos à honra, vida privada, imagem ou intimidade do paciente como conseqüência da atuação da Procuradoria-Geral da República. Em seguida, os Ministros Eros Grau, que ratificou seu voto anterior, e Cezar Peluso acompanharam o voto do Min. Marco Aurélio, relator, deferindo o writ. O julgamento foi suspenso com o pedido de vista do Min. Sepúlveda Pertence.
HC 84827/TO, rel. Min. Marco Aurélio, 26.4.2005. (HC-84827)
SEGUNDA TURMA
Sociedade Civil de Direito Privado e Ampla Defesa - 3
A Turma retomou julgamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que mantivera decisão que reintegrara associado excluído do quadro da sociedade civil União Brasileira de Compositores - UBC, sob o entendimento de que fora violado o seu direito de defesa, em virtude de o mesmo não ter tido a oportunidade de refutar o ato que resultara na sua punição - v. Informativos 351 e 370. O Min. Joaquim Barbosa, em voto-vista, acompanhando o Min. Gilmar Mendes, negou provimento ao recurso. Entendeu que os princípios fundamentais têm aplicação no âmbito das relações privadas e que, na espécie, os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório deveriam ter sido observados na exclusão de sócio, tendo em conta a natureza peculiar da associação em causa, a qual possui caráter quase público. Por fim, asseverou que a incidência de direitos fundamentais nas relações privadas há de ser aferida caso a caso, para não se suprimir a autonomia privada. Por outro lado, o Min. Carlos Velloso dissentiu e, seguindo o voto da Min. Ellen Gracie, relatora, deu provimento ao recurso. Considerou que a questão cinge-se ao âmbito infraconstitucional, haja vista tratar-se de alegação de ofensa ao princípio do devido processo legal, cuja lei, no caso, seria o estatuto da associação a qual o recorrido aderira. Ressaltou, ainda, que, aplicado o Novo Código Civil, o tema seria de legalidade e que, incidente o antigo, de matéria regimental. Após, pediu vista o Min. Celso de Mello.
RE 201819/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 26.4.2005. (RE-201819)
Empregada Gestante e Contrato por Prazo Determinado - 2
A Turma retomou julgamento de recurso extraordinário interposto pelo Estado de Santa Catarina contra acórdão do Tribunal de Justiça desse Estado que concedera, em parte, mandado de segurança à recorrida, contratada temporariamente como professora, sob o regime da Lei 8.391/91, para assegurar-lhe o direito à licença-maternidade. Na espécie, o acórdão recorrido entendera que, em razão de a impetrante estar a menos de dois meses do parto no momento em que encerrado o contrato de trabalho, o direito à licença deveria ser ao mesmo integrado, haja vista ser uma proteção ao nascituro e ao infante e não uma benesse ao trabalhador - v. Informativo 364. O Min. Joaquim Barbosa, em voto-vista, acompanhou a Min. Ellen Gracie, relatora, e deu provimento ao recurso por considerar incompatíveis os institutos da estabilidade provisória com o do contrato temporário. Afirmou que não estariam presentes os dois requisitos objetivos condicionantes da estabilidade provisória, quais sejam, dispensa arbitrária e ausência de justa causa, os quais, somados à gravidez, ensejariam o pedido, uma vez que, na espécie, a extinção do contrato ocorrera em virtude de prazo prefixado. Asseverou, também, que o contrato temporário, exceção ao contrato por prazo determinado vigorante no sistema da CLT, segue normas próprias e, deste modo, admitir-se a estabilidade provisória no seu curso seria violar o princípio da autonomia da vontade. Após, o julgamento foi suspenso em razão do pedido de vista do Min. Carlos Velloso.
RE 287905/SC, rel. Min. Ellen Gracie, 26.4.2005. (RE-287905)