Informativo do STF 383 de 15/04/2005
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
EC 45/2004: Conselho Nacional de Justiça - 1
O Tribunal, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB contra os artigos 1º e 2º da EC 45/2004, que estabelecem normas relativas ao Conselho Nacional de Justiça - CNJ. A requerente alegava que a instituição do CNJ, voltado ao controle da atuação administrativa e financeira do Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados, composto por membros na origem alheios ao mesmo Poder, ofenderia o princípio da separação e da independência dos poderes (CF, art. 2º) e também o pacto federativo (CF, arts. 18, 25 e 125), na medida em que submeteu os órgãos do Poder Judiciário dos Estados a uma supervisão administrativa, orçamentária, financeira e disciplinar por órgão da União. Sustentava ainda, em relação ao art. 103-B, § 4º, III, introduzido pela mesma Emenda, que teria havido afronta ao § 2º do art. 60 da CF, já que a expressão "perda do cargo", contida no texto vindo da Câmara dos Deputados, ao ser suprimida do texto aprovado no Senado Federal, deveria ser submetida à reapreciação da primeira Casa legislativa. Preliminarmente, por unanimidade, afastou-se o vício formal de inconstitucionalidade da norma em questão, suscitado pela Advocacia-Geral da União - consistente na impossibilidade jurídica dos pedidos, porque deduzidos antes da publicação oficial da Emenda -, haja vista que a publicação superveniente da mesma corrigiu a carência original da ação. Também por unanimidade, não se conheceu do pedido declaratório de inconstitucionalidade do art. 125, § 8º, tendo em conta a inexistência de tal dispositivo no texto da Emenda impugnada afinal promulgado.
ADI 3367/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 13.4.2005. (ADI-3367)
EC 45/2004: Conselho Nacional de Justiça - 2
No mérito, inicialmente, afastou-se a apontada violação ao art. 2º da CF. Remontando à matriz histórica e à evolução da doutrina política que inspiraram nosso sistema constitucional da separação dos Poderes, afirmou-se que o constituinte desenhou a estrutura institucional desses Poderes de forma a garantir-lhes a independência no exercício das funções típicas, por meio da previsão de autonomia orgânica, administrativa e financeira, temperando-a, no entanto, com a prescrição de outras atribuições, muitas de controle recíproco, cujo conjunto forma um sistema de integração e cooperação preordenado a assegurar equilíbrio dinâmico entre os órgãos, em benefício da garantia da liberdade, consistindo esse quadro normativo em expressão natural do princípio na arquitetura política dos freios e contrapesos. Com base nisso, esclareceu-se que o CNJ é órgão próprio do Poder Judiciário (CF, art. 92, I-A), composto, na maioria, por membros desse mesmo Poder (CF, art. 103-B), nomeados sem interferência direta dos outros Poderes, dos quais o Legislativo apenas indica, fora de seus quadros e, assim, sem vestígios de representação orgânica, dois dos quinze membros, não podendo essa indicação se equiparar a nenhuma forma de intromissão incompatível com a idéia política e o perfil constitucional da separação e independência dos Poderes. Salientou-se, ademais, que a composição híbrida do CNJ não compromete a independência interna e externa do Judiciário, porquanto não julga causa alguma, nem dispõe de atribuição, de nenhuma competência, cujo exercício interfira no desempenho da função típica do Judiciário, a jurisdicional. Levando em conta as atribuições conferidas ao Conselho - controle da atividade administrativa e financeira do Judiciário e controle ético-disciplinar de seus membros - assentou-se que a primeira não atinge o autogoverno do Judiciário, visto que, da totalidade das competências privativas dos tribunais (CF, art. 96), nenhuma lhes foi usurpada, e que a segunda não acarreta imparcialidade jurisdicional, eis que representa expressiva conquista do Estado democrático de direito a consciência de que os mecanismos de responsabilização dos juízes, por inobservância das obrigações funcionais, são imprescindíveis à boa prestação jurisdicional, sendo de reconhecer, como imperativo do regime republicano e da inteireza e serventia da função, a necessidade de convívio permanente entre a independência jurisdicional e instrumentos de responsabilização dos juízes que não sejam apenas formais, mas que cumpram, com efetividade, o papel que se lhes predica. Acrescentou-se que a existência, no Conselho, de membros alheios ao corpo da magistratura, além de viabilizar a erradicação do corporativismo, estende uma ponte entre o Judiciário e a sociedade, permitindo a oxigenação da estrutura burocrática do Poder e a resposta a críticas severas.
ADI 3367/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 13.4.2005. (ADI-3367)
EC 45/2004: Conselho Nacional de Justiça - 3
Da mesma forma, julgou-se improcedente a alegada violação ao pacto federativo. Ressaltou-se que este, em relação ao Poder Judiciário, se expressa de forma normativa diversa da que atua sobre os demais Poderes, pois a Jurisdição, enquanto manifestação da unidade do poder soberano do Estado, é una e indivisível, sendo doutrina assente que o Poder Judiciário tem caráter nacional, consistindo a divisão da estrutura judiciária brasileira, sob equívoca denominação, em "Justiças", como resultado tão-só da repartição racional do trabalho da mesma natureza entre distintos órgãos jurisdicionais. Considerou-se que o CNJ reúne as características palpáveis de órgão federal, enquanto representativo do Estado unitário, formado pela associação das unidades federadas. Não é órgão da União, mas sim do Poder Judiciário nacional, não havendo que se falar, assim, em supervisão administrativa, orçamentária, financeira e disciplinar dos órgãos judiciários estaduais por órgão da União. Assentou-se, ainda, que a composição do Conselho reverencia e contempla as duas esferas federativas dotadas de "Justiças", a União e os Estados-membros, os quais contam com representantes das respectivas magistraturas (CF, art. 103-B, I a IX). Concluiu-se que o Conselho não anula, mas reafirma o princípio federativo.
ADI 3367/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 13.4.2005. (ADI-3367)
EC 45/2004: Conselho Nacional de Justiça - 4
Rechaçou-se, também, a mencionada inconstitucionalidade formal do art. 103-B, § 4º, III, porquanto, não obstante a retirada, no Senado, da expressão "perda do cargo", o texto residual, aprovado em ambas as Casas legislativas, teria mantido intacto o sentido nomológico, dada sua perceptível autonomia semântica. Além disso, afirmou-se que a inclusão do poder de ordenar a perda do cargo de magistrado vitalício, como atribuição do Conselho, é que poderia consubstanciar inconstitucionalidade, ante a previsão do inciso I do art. 95 da CF, que restringe, de forma taxativa, as hipóteses em que é possível a perda, nada valendo, por essa razão, a submissão da expressão suprimida ao escrutínio da Câmara dos Deputados. Por fim, quanto ao aditamento à inicial, em que se impugnava a proposta de acréscimo de mais um parágrafo ao art. 103-B da CF, pendente de apreciação na Câmara, dispondo sobre vedações aos membros do Conselho, referidos nos incisos XII e XIII do mesmo artigo, de cumulação com outras atividades durante o exercício do mandato, afastou-se a apontada violação ao princípio isonômico, consistente na premissa de que a falta de norma semelhante no corpo da Emenda significaria que as vedações propostas não se aplicariam aos advogados e cidadãos integrantes do Conselho, tendo em vista que a pendência da proposta voltada a incorporar aqueles impedimentos à ordem constitucional não implica que a eles não estejam sujeitos os referidos membros, bastando juízo analógico baseado nos artigos 95, parágrafo único, e 127, § 5º, II, da CF, para concluir-se que ninguém pode desempenhar atividades incompatíveis com a função de membro do Conselho.
ADI 3367/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 13.4.2005. (ADI-3367)
EC 45/2004: Conselho Nacional de Justiça - 5
Em suma, com esses fundamentos, o Tribunal julgou, por maioria, totalmente improcedente o pedido. Vencidos o Min. Marco Aurélio, que o julgava integralmente procedente; os Ministros Ellen Gracie e Carlos Velloso, que o julgavam parcialmente procedente, para declarar a inconstitucionalidade dos incisos X, XI, XII e XIII do art. 103-B e o Min. Sepúlveda Pertence, que o julgava procedente, em menor extensão, dando pela inconstitucionalidade somente do inciso XIII do caput do art. 103-B.
ADI 3367/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 13.4.2005. (ADI-3367)
Reclamação: Demarcação de Terras Indígenas e Conflito Federativo
O Tribunal, por maioria, julgou procedente pedido formulado em reclamação para o efeito de reconhecer sua competência para o julgamento de diversos feitos, dentre os quais uma ação popular em trâmite perante a 1ª Vara da Seção Judiciária de Roraima, na qual se discutia a validade jurídica da Portaria 820/98, do Ministério da Justiça, que demarcou a área indígena "Raposa Serra do Sol". Entendeu-se caracterizada a hipótese de conflito federativo prevista no art. 102, I, f, da CF ("Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal...: I - processar e julgar, originariamente:... f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta;"), já que o objeto da citada ação popular, assim como os feitos processuais dela originados, estariam colocando pessoas de estatura federativa, quais sejam, a União e o Estado de Roraima, em posições temerariamente antagônicas. Ressaltou-se que a impugnação da validade jurídica da referida Portaria acarretaria uma situação de desconsideração da competência constitucional da União para efetuar os procedimentos de demarcação de áreas indígenas (CF, art. 231), bem como uma lesão ao princípio da homogeneidade federativa, este a significar a "costura" da conciliação possível de interesses entre pessoas que se dotam de autonomia política. Por fim, em razão da edição da Portaria 534/2005, também do Ministério da Justiça, por meio da qual a União alterou substancialmente o disposto na Portaria 820/98, reconheceu-se a perda superveniente do objeto das ações judiciais relacionadas pelo reclamante, tendo em conta que as mesmas impugnavam o ato normativo modificado, e declarou-se a prejudicialidade dos agravos regimentais interpostos no bojo da reclamatória. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Carlos Velloso que julgavam o pedido improcedente, por considerar ser da competência do juízo da 1ª instância a ação popular, independente da origem do ato impugnado. Precedente citado:
Rcl 424/RJ (DJU de 6.9.96). Rcl 2833/RR, rel. Min. Carlos Britto, 14.4.2005. (Rcl-2833)
Contribuições Sindicais e Vício Formal
O Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada por diversas confederações de trabalhadores para declarar a inconstitucionalidade da Portaria 160/2004, do Ministro de Estado do Trabalho e Emprego, que, disciplinando as contribuições instituídas pelos sindicatos em assembléia geral da categoria, referindo-se à confederativa (CF, art. 8º, IV) e à assistencial (CLT, art. 513, e), dispõe, entre outras coisas, a obrigatoriedade das contribuições em relação aos empregados sindicalizados, determinando o desconto em folha de pagamento de salários quando fixadas as últimas em convenção ou acordo coletivo e em sentença, exigindo a autorização do empregado não-associado, sob pena de sujeitar-se o empregador à autuação administrativa, bem como impõe a cobrança de juros da mora e multa, caso não recolhida a importância descontada no prazo nela estipulado. Entendeu-se que o ato normativo questionado extrapola a competência conferida aos Ministros de Estado de expedir instruções para a execução de leis, decretos e regulamentos (CF, art. 87, parágrafo único, II), a qual deve estar direcionada ao funcionamento em si do Ministério, descabendo reconhecer ao Ministro de Estado alçada para definir a espécie de instrumento própria à previsão de contribuição, bem como consignar a finalidade desta última. Salientou-se, também, que referida portaria, ao dispor sobre a contribuição prevista na alínea e do art. 513 da Consolidação das Leis do Trabalho - estabelecendo a necessidade de previsão em convenção ou acordo coletivo e destinação do que arrecadado ao custeio de atividades assistenciais, a melhoria e ao crescimento sindical, além de viabilizar a participação nas negociações por melhores condições de trabalho -, acabou por aditar a CLT, invadindo campo reservado ao legislador. No que se refere à exigência de notificação do valor das contribuições e à necessidade da prévia e expressa autorização do empregado não-associado para desconto em folha, considerou-se que se introduziu exigência estranha ao art. 513, e, da CLT, salientando-se que o art. 545 desse diploma, ao estabelecer a necessidade de autorização, refere-se a mensalidades devidas ao sindicato, e não à contribuição sindical de que cuida aquele dispositivo.
ADI 3206/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 14.4.2005. (ADI-3206)
PRIMEIRA TURMA
Decisão Absolutória do Júri. Instauração de Nova Ação Penal. Coisa Julgada - 2
A Turma retomou julgamento de habeas corpus em que se pretende o trancamento de ação penal instaurada contra dois pacientes, autor material e partícipe, denunciados pela prática de homicídio qualificado, sob a alegação de ofensa à coisa julgada. Em decorrência de desmembramento do processo, o denunciado por participação fora julgado antes do acusado como autor material do delito, tendo sido absolvido pelo Conselho de Sentença, que acatara a tese de negativa de participação. O denunciado como autor material, após o trânsito em julgado dessa decisão, retratara-se, no Júri, da versão até então sustentada, passando a negar a autoria do crime, imputando esta ao outro co-réu, o que, reconhecido pelo Conselho de Sentença, implicara sua absolvição, decisão também transitada em julgado. Posteriormente, o Ministério Público, denunciando-os pelo mesmo fato, invertera as acusações de autoria e participação - v. Informativo 369. O Min. Eros Grau proferiu voto-vista no sentido de deferir o writ, em parte, para tornar nula a decisão que recebera a segunda denúncia contra o acusado, ao qual, anteriormente, fora imputada a participação. Considerando que, quando do julgamento deste, o júri, ao responder dois quesitos, afirmara por unanimidade que terceira pessoa que não o réu disparara contra a vítima e que este não participara da conduta daquela, entendeu que, assim, o réu teria sido absolvido tanto da autoria quanto da participação e que nova pretensão punitiva instaurada pelo Ministério Público, em relação ao mesmo fato, violaria frontalmente a conclusão anterior do Júri. Após, pediu vista o Min. Cezar Peluso.
HC 82980/DF, rel. Min. Carlos Britto, 12.4.2005. (HC-82980)
SEGUNDA TURMA
Progressão de Regime e Crime Hediondo
A Turma indeferiu, por maioria, habeas corpus em que se pretendia a progressão de regime aplicado a condenado pela prática de latrocínio, haja vista a omissão do advérbio "integralmente" na sentença condenatória. Inicialmente, também por maioria, rejeitou-se a proposta formulada pelo Min. Gilmar Mendes, acompanhada pelo Min. Joaquim Barbosa, no sentido de sobrestar o feito até o julgamento, pelo Plenário, do HC 82959/SP - no qual se discute a constitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, que veda a possibilidade de progressão do regime de cumprimento da pena nos crimes hediondos definidos no art. 1º da mesma Lei. Em seguida, considerou-se que o referido dispositivo ainda é constitucional, tendo em conta que este Tribunal ainda não reviu o seu entendimento quanto à hediondez. Assim, nos termos da jurisprudência do STF, a menção feita ao §1º do art. 2º da Lei 8.072/90 basta para legitimar o cumprimento da pena em regime integralmente fechado, desde que se trate de delito hediondo ou a ele equiparado. Vencido o Min. Gilmar Mendes que deferia o writ.
HC 85692/RJ, rel. Min. Celso de Mello, 12.4.2005. (HC-85692)
Direito de Recorrer em Liberdade - 2
A Turma concluiu julgamento de habeas corpus em que se requeria a nulidade de despacho que, em sede de apelação, determinara a expedição de mandado de prisão contra o paciente, sob alegação de que a sentença condenatória de primeiro grau, da qual não recorrera a acusação, assegurara-lhe o direito de recorrer em liberdade até o trânsito em julgado da condenação - v. Informativo 336. Por maioria, indeferiu-se o writ ao fundamento de ser possível ao tribunal de justiça revisar o momento da expedição do mandado de prisão, mesmo com sentença de primeiro grau estabelecendo segregação depois do trânsito em julgado, ainda que o Ministério Público não tenha recorrido desse ponto. Vencidos, em parte, os Ministros Carlos Velloso, relator, e Gilmar Mendes que o deferiam para assegurar ao paciente o direito de aguardar em liberdade até o trânsito em julgado da sentença condenatória.
HC 83500/PB, rel. orig. Min. Carlos Velloso, rel. p/ acórdão, Min. Nelson Jobim, 12.4.2005. (HC-83500)
Interposição de Recurso e Falta de Assinatura de Advogado
A Turma, por maioria, deu provimento a agravo regimental interposto contra decisão monocrática do Min. Joaquim Barbosa, relator, que, em virtude da falta de assinatura do advogado na petição de recurso extraordinário, negara seguimento a agravo de instrumento. Entendeu-se que a jurisprudência do STF quanto ao tema, de modelo defensivo, deveria ser superada, haja vista se tratar de mero erro material. Ademais, asseverou-se que o advogado interveio imediatamente para suprir essa falta, que não há dúvida quanto à sua identificação e que ele possui procuração nos autos. Vencidos os Ministros Joaquim Barbosa e Ellen Gracie que, mantendo a jurisprudência, negavam provimento ao regimental por considerar que a mencionada ausência de assinatura na petição de recurso extraordinário e nas suas razões não configuraria irregularidade sanável, mas defeito que acarreta a inexistência do próprio recurso.
AI 519125 AgR/SE, rel. Min. Joaquim Barbosa, 12.4.2005. (AI-519125)