Informativo do STF 373 de 10/12/2004
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
Crime Eleitoral e Suspensão do Processo
O Tribunal recebeu denúncia instaurada contra Deputado Federal pela suposta prática do delito previsto no art. 350 do Código Eleitoral, em razão de o denunciado ter deixado de inserir, em prestação de contas, valor que recebera de pessoa jurídica "como auxílio em sua campanha eleitoral" (Cód. Eleit.: "Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dêle devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais: Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular."). Inicialmente, foram afastadas as preliminares suscitadas pela defesa: 1) quanto à prescrição punitiva pela pena em concreto, por não ter havido pronunciamento condenatório em que fixada a pena; 2) em relação à inépcia da denúncia, por estarem atendidos todos os requisitos do art. 41 do CPP; 3) no tocante à insignificância da conduta, por não estar inserido balizamento a partir de valor no art. 350 do Código Eleitoral, e por bastar, para configurar o crime nele descrito, a omissão de declaração que deveria constar de documento, motivo este que também afastaria a análise acerca da alegada suspeição dos denunciantes. No que se refere à suspensão do feito, entendeu-se que a hipótese se enquadra na previsão do art. 89 da Lei 9.099/95, que permite a suspensão dos processos nos crimes em que a pena mínima cominada seja igual ou inferior a um ano, porquanto o art. 350 não indica a pena mínima, mas limita a pena em 5 anos, se o documento é público, e, em 3 anos, se particular, sendo possível que, na dosimetria, a pena seja fixada em um ano ou até menos. Considerou-se, ainda, ter o acusado atendido imediatamente uma das condições impostas para a suspensão, qual seja, depósito em dinheiro a favor do Programa Fome Zero.
AP 363/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 9.12.2004. (AP-363)
Presidente da República: Depoimento Pessoal e Prerrogativa
O Tribunal deferiu habeas corpus impetrado em favor do Presidente da República contra ameaça de coação atribuída ao Juiz da 174ª Zona Eleitoral do Estado de São Paulo que, nos autos de investigação judicial em que se imputa àquele a suposta prática dos delitos previstos nos arts. 73, II, e 74 da Lei 9.504/97, determinara, de ofício, o depoimento pessoal do paciente e ordenara sua intimação para comparecimento em audiência de instrução e julgamento, sob pena de confissão. Sustentava o impetrante, e paciente, que referida intimação implicava constrangimento ilegal pelo cerceamento de sua liberdade de locomoção e risco de aplicação dos efeitos da revelia, bem como afrontava o art. 411, I, e o seu parágrafo único, do CPC, que conferem ao Presidente da República a prerrogativa de ser inquirido em sua residência em dia, hora e local que designar, mediante autoridade judiciária. Entendeu-se que o art. 344 do CPC ("a parte será interrogada na forma prescrita para a inquirição testemunhal") deve ser interpretado no sentido de que todas as regras jurídicas pertinentes à formação da prova testemunhal são aplicáveis aos depoimentos das partes, inclusive a que cuida da prerrogativa inserta no art. 411 do CPC, tendo em conta, sobretudo, os transtornos que poderiam resultar de sua inobservância ao exercício das funções dos dignitários nela referidos. Ressaltou-se que outro fundamento suficiente para a concessão da ordem seria a ausência de previsão de depoimento pessoal do investigado ou representado tanto na Lei Complementar 64/90, cujo art. 22 dispõe sobre a investigação judicial, quanto na Lei 9.504/97, que trata, em seu art. 96, da representação. Concluiu-se ser eloqüente o silêncio da lei eleitoral, já que o depoimento pessoal, da forma como utilizado no processo civil - no qual se visa à obtenção da confissão da parte - não teria relevo no processo eleitoral, em face da indisponibilidade dos interesses nele tratados, razão por que, também, não se poderia depreender que dentre as diligências determináveis de ofício previstas no VI do art. 22 da LC 64/90 estivesse a de obrigar o representado à prestação de depoimento pessoal.
HC 85029/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 9.12.2004. (HC-85029)
IR e CSLL: Lucros Oriundos do Exterior - 2
O Tribunal retomou julgamento de mérito de ação direta ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria - CNI contra o § 2º do art. 43 do CTN, acrescentado pela LC 104/2001, que delega à lei ordinária fixar as condições e o momento em que se dará a disponibilidade econômica de receitas ou de rendimentos oriundos do exterior, e o art. 74, caput e parágrafo único da MP 2.158-35/2001, que considera disponibilizados, pela controladora ou coligada no Brasil, os lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior, na data do balanço no qual tiverem sido apurados - v. Informativo 296. O Min. Nelson Jobim, em voto-vista, inicialmente, entendeu ser necessário ao deslinde da questão discorrer sobre o Método de Equivalência Patrimonial - MEP. Disse que o MEP, introduzido pela Lei 6.404/76 para fins de controle da situação societária, consiste em um método de avaliação dos investimentos relevantes (na forma da lei) de uma empresa (investidora) em suas coligadas e controladas (investidas), cujo valor é determinado mediante a aplicação, sobre o valor do patrimônio líquido da investida, da porcentagem de participação da investidora no capital social daquela. Por meio dele, o lucro auferido por uma investida é automaticamente registrado no balanço societário da investidora como lucro líquido, independente de sua efetiva distribuição, pois o regime contábil é o de competência e não o de caixa, o que gera conseqüências comerciais para a investidora: reflete no valor de suas ações comerciáveis em bolsa e é considerado na apuração de seu próprio valor no caso de venda de seus ativos.
ADI 2588/DF, rel. Min. Ellen Gracie, 9.12.2004. (ADI-2588)
IR e CSLL: Lucros Oriundos do Exterior - 3
Em seguida, demonstrou a evolução da legislação tributária brasileira, que passou a coincidir com a legislação societária, com a utilização do MEP também para fins tributários. Afirmou que a partir de 1995, em face da abertura da economia brasileira ao comércio internacional, a lei tributária sofreu diversas alterações, visando ao combate da elisão fiscal - verificada, principalmente, por parte de empresas com companhias no exterior - dentre as quais a substituição da regra de cobrança de imposto de renda das pessoas jurídicas (territorialidade) pelo sistema de tributação em bases universais - TBU (pelo qual se tributam as rendas auferidas no Brasil e no exterior). Esse sistema foi objeto de aperfeiçoamento da LC 104/2001, que permitiu que a MP 2.158-34/2001 estendesse às controladas e coligadas estrangeiras o tratamento que já vinha sendo dispensado às filiais e sucursais desde 1997 (MP 1.602/97, convertida na Lei 9.532/97), por meio do qual os lucros auferidos consideram-se disponibilizados pela investidora brasileira, para fins de tributação, na data do balanço da investida em que são apurados, independente de sua distribuição. Dessa forma, abandonou-se, também,em relação às controladas e coligadas, a chamada disponibilização financeira (regime de caixa) e adotou-se a disponibilização econômica (regime de competência). Ressaltou, ainda, quanto ao TBU, a utilização no Brasil da regra de compensação do IR pago pela investida estrangeira. Por fim, salientou que a incorporação de resultados, no balanço da investidora brasileira, por meio do MEP, independe de eventual controle que esta exerça sobre a investida estrangeira, pois, de acordo com a Lei das S/A, basta a existência de investimentos relevantes em sociedade coligada, e, antes da distribuição dos lucros, a investidora brasileira já experimenta benefícios reais decorrentes da repercussão, no mercado, do acréscimo patrimonial, expresso em seu balanço, por via daquele método.
ADI 2588/DF, rel. Min. Ellen Gracie, 9.12.2004. (ADI-2588)
IR e CSLL: Lucros Oriundos do Exterior - 4
Com base nisso, afastou as alegações da requerente nestes termos: 1) quanto à violação ao art. 153, III, da CF e a existência de um conceito constitucional "ontológico" de renda: a) a idéia de disponibilidade econômica decorre do MEP e do regime de competência das pessoas jurídicas. Para estas, a disponibilidade de renda prescinde do efetivo recebimento de moeda. Dá-se com o acréscimo patrimonial que, no caso das investidoras submetidas ao MEP, ocorre com a incorporação dos lucros apurados nas suas investidas, na proporção de sua participação no capital social destas, independente da distribuição (fluxo de riqueza). Esse acréscimo é considerado para efeitos da apuração do lucro líquido da investidora, que é base de cálculo do imposto de renda. A CF atribuiu à União a instituição de imposto sobre a renda (art. 153, III). O art. 43 do CTN definiu o fato gerador (disponibilidade econômica ou jurídica). Seu §2º, introduzido pela LC 104/2001, apenas deixou para a lei ordinária a fixação das condições e do momento em que a disponibilidade se daria, a qual, sem fazer as vezes de lei complementar, optou por um momento (o balanço comercial da controlada ou coligada). A legislação não fez qualquer ingerência no conceito próprio da renda ou da disponibilidade, apenas ligou as necessidades modernas do direito tributário internacional com os instrumentos da legislação comercial, em especial, o MEP. Não houve ofensa ao art. 153, III, da CF; b) o conceito de renda na CF é polissêmico e não ontológico. Para efeitos tributários, o conceito de renda é o legal. No CTN, corresponde à disponibilidade econômica ou jurídica do produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, o que, ao fim, representa o acréscimo de valor patrimonial; 2) quanto à aplicação do entendimento adotado no RE 172058/SC (DJU de 13.10.95): não incide na espécie por duas razões: a) tratava-se, naquele caso, de alteração da legislação complementar com afronta ao art. 146, III, a, da CF. Neste, o novo texto atribui à lei ordinária a fixação das condições e do momento da disponibilidade, sem invadir os limites de suas atribuições constitucionais; b) a tese lá fixada foi no sentido de que não se poderia considerar que a apuração do lucro da pessoa jurídica implicasse disponibilidade de renda para sócios, cotistas, acionistas e titulares de empresa individual (disponibilidade financeira). Aqui, cuida-se de pessoas jurídicas sujeitas ao MEP (disponibilidade econômica); 3) quanto à violação ao art. 150, III, a e b, da CF: a regra do parágrafo único do art. 74 resolveu a situação de dois tipos de lucros - os apurados em balanços anteriores à edição da primeira MP (7/2001), mas não creditados ou pagos à investidora brasileira, e os lucros a serem apurados no balanço do ano dessa edição (2001) - e determinou que ambos estariam disponibilizados no final do ano subseqüente (31.12.2002). Dessa forma, tais lucros passaram a integrar o patrimônio líquido da investidora brasileira, para fins tributários, pelo menos um ano após terem sido apurados nos balanços da investida estrangeira, ou seja, vieram a ser objeto de eventual tributação apenas no exercício de 2003, ano base 2002, não se configurando ofensa ao princípio da anterioridade. Em relação aos lucros anteriores, entendeu que não se poderia falar em ofensa ao princípio da irretroatividade, a qual se caracterizaria somente se tivesse ocorrido disponibilidade (distribuição) e a lei tributária viesse a dizer que àquele acontecimento incidiria a nova lei. Por fim, o Min. Nelson Jobim julgou improcedente o pedido e deu interpretação conforme a Constituição, no sentido de que o regime adotado pela MP impugnada só se aplica às empresas brasileiras sujeitas ao Método de Equivalência Patrimonial. Após, pediu vista dos autos o Min. Marco Aurélio.
ADI 2588/DF, rel. Min. Ellen Gracie, 9.12.2004. (ADI-2588)
PRIMEIRA TURMA
Interceptação Telefônica: Degravação e Ampla Defesa
A Turma iniciou julgamento de habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática dos delitos de formação de quadrilha e descaminho (CP, arts. 288 e 334, respectivamente) e de lavagem de dinheiro proveniente de crimes contra a administração (Lei 9.613/98, 1º, V e § 4º), em que se pretende a anulação de processo, a partir do reconhecimento da ilegalidade e inconstitucionalidade de interceptações telefônicas nele realizadas. Sustentam os impetrantes violação aos princípios da ampla defesa e do contraditório, e aos arts. 5º, XII, da CF, e 6º, § 1º, da Lei 9.296/96, porque parte das gravações telefônicas efetuadas diriam respeito a períodos não abrangidos pela autorização judicial, o que resultaria na suspeição de todas as provas encontradas nos autos; não teria sido feita a transcrição das conversas interceptadas pela polícia; nem fora permitida a realização de perícia para verificar a veracidade da autoria dos diálogos apontados como sendo do acusado. Preliminarmente, o Min. Marco Aurélio, relator, conheceu do writ, por considerar cabível o habeas corpus, ainda que pendente de julgamento apelação que veicule a mesma questão nele posta. Afastou a análise da matéria relativa ao fato de parte das interceptações telefônicas não ter sido alvo de autorização judicial, já que a mesma não fora objeto de exame na impetração originária. No mérito, entendeu que a condenação se dera com base em elementos probatórios obtidos à margem da ordem jurídica em vigor, haja vista não ter sido observado o previsto no § 1º do art. 6º da Lei 9.296/96, que determina que as escutas telefônicas sejam transcritas, procedimento este que seria essencial à valia da prova interceptada, por viabilizar o conhecimento da conversação e, com isso, o exercício de direito de defesa pelo acusado, bem como a atuação do Ministério Público. Assim, deferiu o writ para declarar a nulidade do processo, a partir do momento em que indeferido o pleito de degravação das fitas, tornando insubsistente o decreto condenatório, e julgando prejudicada a apelação interposta. O Min. Eros Grau acompanhou o relator. Em divergência, o Min. Carlos Britto indeferiu o pedido por não vislumbrar prejuízo para a defesa, em face de seu amplo acesso ao conteúdo da conversas telefônicas. Após, pediu vista o Min. Cezar Peluso.
HC 83983/PR, rel. Min. Marco Aurélio, 7.12.2004. (HC-83983)
Prisão Preventiva: Impossibilidade de Citação e Intenção de Fuga
A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que se pretendia ver reformado acórdão do STJ que mantivera decreto de prisão preventiva expedido contra o paciente, denunciado pela suposta prática de estelionato e formação de quadrilha, ao fundamento de que o mesmo estaria tentando se furtar à aplicação da lei penal. No caso concreto, frustrada a tentativa de citação em São Paulo, onde o paciente possuía empresa por meio da qual cometera os delitos imputados, seu defensor fornecera um endereço em Recife, no qual o oficial de justiça constatara que havia apenas um terreno baldio. Posteriormente, ainda se afirmara que o acusado teria mudado para Jaboatão dos Guararapes, mas, efetuada nova diligência, somente fora encontrada a esposa do acusado, que afirmara que este estaria residindo em São Paulo. Entendeu-se que o acórdão combatido havia de ser mantido, haja vista que as repetidas alegações de "mudança de domicílio" tinham, de fato, o objetivo de camuflar a circunstância de que o réu se encontra foragido, com evidente intuito de se furtar à aplicação da lei penal. Vencido o Min. Marco Aurélio que deferia a ordem. Precedente citado:
RHC 67338/SP (DJU de 7.4.89). HC 84202/SP, rel. Min. Carlos Britto, 7.12.2004. (HC-84202)
Princípio da Insignificância: Inaplicabilidade
A Turma indeferiu habeas corpus em que se pretendia o trancamento de ação penal, cuja sentença condenara o paciente, pelo furto de uma bicicleta (CP, art. 155, caput), a pena privativa de liberdade e pagamento de multa, tendo sido aquela substituída por duas restritivas de direito. O impetrante alegava serem aplicáveis os princípios da insignificância e da proporcionalidade, ante a inexistência de lesão a bem jurídico protegido que justificasse a pena fixada, considerado o pequeno valor do bem furtado (R$60,00), que fora recuperado, não gerando prejuízo à vítima. Entendeu-se que a utilização do princípio da insignificância deve ser feita de maneira criteriosa, levando em conta o contexto sócio-econômico do país a fim de se evitar que a atuação do Estado extrapole os limites do razoável no atendimento do interesse público. Com base nisso, considerou-se que o valor do bem furtado em questão, embora baixo, não poderia ser considerado desprezível a ponto de excluir a tipicidade da conduta do agente. Esclareceu-se que o critério para a utilização do princípio da insignificância não deve ser exclusivamente nem a relação entre o objeto material do delito e o patrimônio da vítima no caso concreto nem um parâmetro genérico e abstrato como o salário mínimo, sob pena de se chegar a interpretações teratológicas. Confirmou-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a aplicação indiscriminada do princípio em tela levaria à esdrúxula situação da ausência de proteção penal relativa aos furtos para uma grande parte da população, uma vez que, tendo em conta o salário mínimo, tudo o que normalmente os mais pobres possuem poderia ser considerado insignificante. Salientou-se, ainda, que para o emprego desse princípio há que se distinguir entre infração de ínfimo e de pequeno valor - sendo deste último tipo o delito na espécie, caso em que aplicável, eventualmente, a figura do furto privilegiado (art. 155, § 2º, do CP). Por fim, atentou-se, também, para a reincidência e os antecedentes do acusado que, no curso do cumprimento da pena referente ao delito ora analisado, fora condenado novamente pela prática de outro crime de furto, o que ensejara a revogação do benefício da substituição da pena privativa de liberdade, impedindo o reconhecimento da alegada desproporcionalidade da sanção aplicada. Leia o inteiro teor do voto do relator na seção de Transcrições deste Informativo.
HC 84424/SP, rel. Min. Carlos Britto, 7.12.2004. (HC-84424)
SEGUNDA TURMA
Prisão Preventiva e Garantia da Ordem Pública
A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se pretende, sob alegação de insubsistência dos requisitos autorizadores da custódia cautelar, a revogação da prisão preventiva decretada contra denunciada como suposta mandante de crime de homicídio qualificado praticado contra o cônjuge. O Min. Joaquim Barbosa, relator, indeferiu o writ, no que foi acompanhado pelo Min. Gilmar Mendes. Considerou que os fundamentos da conveniência da instrução criminal e da garantia de aplicação da lei penal não se sustentariam, porquanto a negativa de imputação feita pela paciente não induziria à conclusão de que ela coagiria testemunhas, e, ainda, porque o decreto de prisão teria tratado de forma genérica a questão relativa à ausência de atividade profissional dos co-réus, deixando de observar que a paciente possui residência fixa e exercia comércio. Entendeu, todavia, que subsistiria o fundamento da garantia da ordem pública, uma vez que o crime fora de enorme repercussão em comunidade interiorana, além de restarem demonstradas a periculosidade da paciente e a possibilidade de continuar a praticar atividades criminosas, fatores suficientes para a manutenção da custódia cautelar. De outro lado, a Min. Ellen Gracie deferiu o habeas corpus por não vislumbrar o risco à ordem pública, haja vista ser a denunciada primária, ter bons antecedentes, possuir atividade lícita, domicílio certo, haver praticado delito único e não ser criminosa habitual. Após, o Min. Carlos Velloso pediu vista dos autos.
HC 84498/BA, rel. Min. Joaquim Barbosa, 7.12.2004. (HC-84498)
Operação Anaconda: Trancamento de Ação Penal e Art. 288 do CP
A Turma iniciou julgamento de habeas corpus impetrado em favor de juiz federal denunciado com terceiros, com base em investigações procedidas na denominada "Operação Anaconda", pela suposta prática do crime de formação de quadrilha (CP, art. 288). Pretende-se, na espécie, o trancamento da ação penal sob as seguintes alegações: a) ocorrência de violação das normas de processo; b) ausência de justa causa para a propositura da ação penal, em razão da inépcia da denúncia, bem como da inexistência de participação em quadrilha e da não descrição da elementar "estabilidade"; c) existência de omissões na denúncia e d) constrangimento ilegal ocasionado pelo acórdão do STJ que recebera a denúncia. O Min. Joaquim Barbosa, relator, indeferiu o writ, no que foi acompanhado pela Min. Ellen Gracie. Inicialmente, afastou a afirmação de que o Ministério Público Federal não procedera à oitiva do paciente (CPP, art. 6º, V) - o que implicaria, segundo a impetração, ofensa às normas de processo, porquanto a referida norma não se aplicaria à hipótese, dado que a denúncia não fora oferecida com base em inquérito policial, mas em peças de informação constituídas pelo resultado do monitoramento telefônico legalmente autorizado, tendo sido devidamente observada a Lei 9.296/96. Quanto à assertiva de falta de justa causa por inépcia da peça acusatória, considerou os requisitos do art. 41 do CPP preenchidos, uma vez individualizada a conduta do paciente na quadrilha, consistente na prática de ameaça e de abuso de poder, apurados em procedimento criminal específico, contra policiais rodoviários federais, com o fim de descobrir se números de telefones seus e de outro envolvido estariam sendo interceptados, valendo-se, por conseguinte, de sua condição de magistrado para proteger a si e a outro membro da suposta quadrilha. Assim, não restaria caracterizada a ofensa ao princípio da ampla defesa e, tampouco, a flagrante atipicidade da conduta, apta a conduzir ao trancamento da ação penal por falta de justa causa. Rejeitou, ainda, a ocorrência de vício na inicial decorrente da ausência da elementar "estabilidade", já que existentes indícios sobre a participação estável do acusado na suposta associação criminosa. De igual modo, repeliu a alegação de constrangimento ilegal, haja vista que a decisão que recebera a denúncia estaria suficientemente fundamentada. Asseverou, também, que somente com a instrução criminal será possível aferir a procedência das imputações contidas na peça acusatória e que seria prematuro o trancamento da ação penal, diante da existência de indícios da participação do paciente na suposta quadrilha. O Min. Gilmar Mendes, em divergência, deferiu a ordem por considerar a denúncia vaga e indeterminada, a afrontar a proteção judicial efetiva e o princípio da dignidade humana. Ressaltou que, se não fosse a discussão que tramita em outro processo, não se teria menção alguma com relação à participação do paciente. Após, o Min. Carlos Velloso pediu vista dos autos.
HC 84409/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 7.12.2004. (HC-84409)
Interceptação Telefônica. Prazo. Renovação. Falsidade Ideológica. Atipicidade - 2
A Turma retomou julgamento de habeas corpus em que se pretende o trancamento de ação penal instaurada contra magistrado, denunciado, com base em investigações procedidas na denominada "Operação Anaconda", pela suposta prática dos crimes de falsidade ideológica (CP, art. 299) e interceptação telefônica ilegal (Lei 9.296/96, art. 10). Alega-se a atipicidade das condutas imputadas ao paciente e a nulidade das interceptações telefônicas que deram sustentação à denúncia, haja vista o excesso de prazo em sua renovação - v. Informativo 367. Por inépcia da denúncia, a Turma deferiu, em parte, o writ para trancar a ação penal quanto ao crime de falsidade ideológica, tendo em conta não restar especificado o fato juridicamente relevante, resultante da suposta falsidade. No que se refere ao exame da aptidão formal da denúncia quanto ao delito de interceptação telefônica, o Min. Gilmar Mendes, em voto-vista, deferiu o habeas corpus por considerá-la inepta, uma vez que não fora demonstrada, na descrição dos fatos, a configuração dos elementos do tipo, a caracterizar quaisquer condutas, seja na forma tentada, seja na consumada, do art. 10 da Lei 9.296/96, limitando-se a peça acusatória a transcrever as conversas telefônicas, sem a observância dos requisitos à persecução penal. Após, o Min. Carlos Velloso pediu vista dos autos.
HC 84388/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 7.12.2004. (HC-84388)
Revisão Geral de Remuneração e Enunciado 339 da Súmula - 2
A Turma retomou julgamento de recurso extraordinário interposto pelo Estado do Rio de Janeiro, com base no art. 102, III, a e c, da CF, contra acórdão do tribunal de justiça daquele Estado que deferira mandado de segurança para garantir a defensores públicos, procuradores de Estado e delegados de polícia a percepção de reajustes concedidos, a título de abonos, aos servidores públicos do referido ente federativo, bem como para assegurar-lhes a observância do teto limite remuneratório fixado em Decreto Legislativo estadual - v. Informativo 363. O Min. Joaquim Barbosa, em voto-vista, considerando prequestionados os arts. 2º e 37, X e XI, da CF, conheceu do recurso pela alínea a, julgando o apelo extremo prejudicado no que concerne à alínea c. Entendeu invocável o Enunciado 339 da Súmula do STF ("Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento da isonomia") e, em conseqüência, violado o princípio da separação dos poderes (CF, art. 2º), uma vez que o acórdão impugnado estendera aos recorridos, com o argumento de que houve tratamento discriminatório, aumento que não lhes fora concedido pelos atos normativos questionados. Asseverou que o acórdão recorrido, ao entender como revisão geral o abono concedido a determinadas carreiras, ofendeu o art. 37, X, da CF, porquanto não se tratava de revisão geral e sim, de norma destinada a corrigir distorções. De igual modo, considerou violado o art. 37, XI da CF, em sua redação original, com base em precedentes da Corte no sentido de não ser possível a vinculação de remuneração de agentes dos poderes estaduais a vencimentos fixados pela União, nem cabível ao Poder Judiciário, a pretexto de cumprir a regra de equivalência entre os tetos, adotar, como teto remuneratório dos servidores do Poder Executivo, a remuneração máxima paga pelo Poder Legislativo. Salientou, por fim, que a diferença que porventura contrariasse a regra de equivalência de tetos configuraria inconstitucionalidade por omissão, a qual não poderia ser suprida por provimento judicial. Após, o julgamento foi suspenso com o pedido de vista do Min. Gilmar Mendes.
RE 393679/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 7.12.2004. (RE-393679)