Informativo do STF 362 de 24/09/2004
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
Improbidade Administrativa e Prerrogativa de Foro
O Tribunal iniciou julgamento de ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público - CONAMP e pela Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB contra os §§ 1º e 2º do art. 84 do Código de Processo Penal, inseridos pelo art. 1º da Lei 10.628/2002. Alega-se ofensa aos artigos 2º; 102, I; 105, I; 108, I e 125, §1º, da CF. Inicialmente, afastou-se, por unanimidade, a preliminar de ilegitimidade da CONAMP e a de ausência de pertinência temática das requerentes. Quanto àquela, tendo em conta recente precedente do Pleno no qual se decidira pela legitimação para ação direta de inconstitucionalidade das chamadas "associações de associações" (ADI 3153 AgR/DF - v. Informativo 356) e, ainda, em virtude de o novo estatuto da CONAMP restringir a qualidade de associados efetivos às pessoas físicas integrantes da categoria. Quanto a esta, por se entender que as normas impugnadas se refletem na distribuição vertical de competência funcional entre os órgãos do Poder Judiciário e, por conseguinte, entre os do Ministério Público, o que configuraria a necessária relação de pertinência entre aquelas e as finalidades institucionais das respectivas entidades nacionais de classe. Em relação ao mérito, o Min. Sepúlveda Pertence, relator, julgou procedente o pedido de ambas as ações. Salientou que o §1º do art. 84 do CPP constitui reação legislativa ao cancelamento da Súmula 394, ocorrido no julgamento do Inq 687 QO/SP (DJU de 9.11.2001), cujos fundamentos a lei nova estaria a contrariar, e no qual se entendera que a tese sumulada não se refletira na CF/88 (Enunciado 394 da Súmula: "Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício"). Asseverou ser improcedente a alegação de que o cancelamento da Súmula 394 se dera por inexistir, à época, previsão legal que a consagrasse, já que tanto a súmula quanto a decisão no Inq 687 QO/SP teriam derivado de interpretação direta e exclusiva da Constituição Federal. Declarou a inconstitucionalidade do §1º do art. 84 do CPP por considerar que o mesmo, além de ter feito interpretação autêntica da Carta Magna, o que seria reservado à norma de hierarquia constitucional, teria usurpado a competência do STF como guardião da Constituição Federal ao inverter a leitura por ele já feita de norma constitucional, o que, se admitido, implicaria sujeitar a interpretação constitucional do STF ao referendo do legislador ordinário. Declarou, também, a inconstitucionalidade do §2º do art. 84 do CPP. Disse que esse parágrafo veiculou duas regras: a que estende a competência especial por prerrogativa de função para inquérito e ação penais à ação de improbidade administrativa e a que manda aplicar, em relação à mesma ação de improbidade, a previsão do §1º do citado artigo. Esta última regra, segundo o relator, estaria atingida por arrastamento pela declaração de inconstitucionalidade já proferida. E a primeira implicaria declaração de competência originária não prevista no rol taxativo da Constituição Federal. Ressaltou que a ação de improbidade administrativa é de natureza civil, conforme se depreende do §4º do art. 37 da CF ("Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.") e que o STF jamais entendeu ser competente para o conhecimento de ações civis, por ato de ofício, ajuizadas contra as autoridades para cujo processo penal o seria. Salientou, ainda, que a Constituição Federal reservou às constituições estaduais, com exceção do disposto nos artigos 29, X e 96, III, a definição da competência dos seus tribunais (CF, art. 125, §1º), o que afastaria, por si só, a possibilidade da alteração dessa previsão por lei federal ordinária. Concluiu que o eventual acolhimento, no julgamento da Rcl 2138/DF, da tese de que a competência constitucional para julgar crimes de responsabilidade se estenderia às ações de improbidade, não prejudicaria nem seria prejudicado pela declaração de inconstitucionalidade do §2º do art. 84, já que a competência dos tribunais para julgar crimes de responsabilidade é bem mais restrita que aquela para julgar os crimes comuns. Após, o Min. Eros Grau pediu vista dos autos. (CPP: "Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade. § 1o A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública. § 2o A ação de improbidade, de que trata a Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1o.").
ADI 2797/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 22.9.2004. (ADI-2797) ADI 2860/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 22.9.2004. (ADI-2860)
CPI Estadual e Quebra de Sigilo Bancário
O Tribunal concluiu julgamento de ação cível originária em que se discutia sobre a existência ou não de poder das Comissões Parlamentares de Inquérito estaduais para determinar quebra de sigilo bancário. Tratava-se de mandado de segurança impetrado pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro contra ato do Banco Central do Brasil, consistente na negativa de quebra de sigilo bancário requerida pela Comissão Parlamentar de Inquérito daquele Estado, que investiga denúncias de irregularidades e de corrupção na LOTERJ e no RIOPREVIDÊNCIA - v. Informativo 358. O Banco Central justificava o ato impugnado com base no art. 4º da LC 105/2001 (que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e dá outras providências), sustentando que o mesmo não autoriza o Poder Legislativo estadual a ter acesso a dados relativos a serviços prestados por instituições financeiras. O Pleno concedeu, por maioria, e, em parte, a ordem, para determinar que o Banco Central forneça as informações requeridas pela CPI. Inicialmente, asseverou-se que a referida autarquia fizera mera leitura formalista da questão e que a interpretação somente seria válida se a proteção constitucional conferida ao sigilo de dados bancários fosse de natureza absoluta, o que, conforme jurisprudência do STF, já teria sido afastado. Entendeu-se que a regra do §3º do art. 58 da CF, à luz do princípio federativo, é extensível às CPI estaduais (CF, art. 58: "§3º- As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores."). Ressaltou-se que a possibilidade de criação de CPI decorre de norma constitucional central de absorção compulsória nos estados-membros, a qual se destina a garantir o potencial do Poder Legislativo em sua função de fiscalizar a administração, um dos traços fundamentais da separação de poderes no sistema federativo. Acrescentou-se que a quebra do sigilo bancário seria instrumento inerente e fundamental ao exercício dessa atividade parlamentar e que, tendo em conta a semelhança entre as CPI federais e as estaduais, impedir que esse instrumento fosse utilizado pelos legislativos estaduais implicaria a criação de "elemento adicional de apoucamento das já institucionalmente fragilizadas unidades integrantes da Federação.". Vencidos os Ministros Eros Grau, Cezar Peluso, Ellen Gracie, Carlos Velloso e Nelson Jobim que entendiam que, em face de estar em jogo garantia individual fundamental, o §3º do art. 58 da CF, por ser expressamente voltado às CPI de cunho federal, não poderia comunicar às CPI estaduais atribuições de poderes judiciais, sendo necessária para a quebra de sigilo a prévia autorização judicial. Leia o inteiro teor do acórdão do relator na seção de Transcrições deste Informativo.
ACO 730/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, 22.9.2004. (ACO-730)
ADI e Lei do Petróleo - 2
O Tribunal retomou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Governador do Estado do Paraná contra diversos dispositivos da Lei federal 9.478/97, que dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo e dá outras providências. O requerente alega ofensa aos artigos 1º, 2º, 4º, 20, V a IX, 23, I a X, 170 e 177, caput, I a IV e §§1º e 2º, todos da CF - v. Informativo 361. O Min. Carlos Britto, relator, em relação ao mérito, confirmou os fundamentos do voto proferido na sessão de 16.9.2004, ressaltando o entendimento de que todos os bens relativos a recursos minerais pertencem à União, e julgou procedente, em parte, o pedido para declarar a inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos da lei impugnada: a) a expressão "conferindo-lhe a propriedade desses bens, após extraídos", do caput do art. 26, dando a esse artigo interpretação conforme a CF no sentido de que o concessionário só pode ser brasileiro ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sede e administração no País; b) o §3º do referido artigo; c) os incisos I e III do art. 28; d) o parágrafo único do art. 37; e) o art. 43 e f) o parágrafo único do art. 51 e o caput do art. 60. Após, o Min. Marco Aurélio pediu vista dos autos.
ADI 3273/DF, rel. Min. Carlos Britto, 16.9.2004. (ADI-3273)
Extradição. Promessa de Reciprocidade. Caráter Político. Dupla Tipicidade
O Tribunal deferiu pedido de extradição formulado pela República Tcheca para entregar nacional tcheco condenado, naquele País, à pena de oito anos de prisão, pela prática do crime de estelionato qualificado. O extraditando impugnava o pedido por estas razões: a) caráter político do julgamento penal em questão, em razão de ter sido realizado sob a égide de um Estado totalitário (República Popular da Tchecoslováquia), no qual não teria sido observado o direito à ampla defesa; b) inocorrência da dupla tipicidade, por não haver no sistema normativo brasileiro "a figura do estelionato de prejuízo considerável"; c) impossibilidade da extradição, em face do cabimento, na espécie, do art. 77, IV, da Lei 6.815/80, tendo em conta o fato de a lei brasileira impor, ao crime subjacente ao pedido extradicional, pena igual ou inferior a um ano. Ressaltou-se, inicialmente, com base na jurisprudência do STF e no art. 76 do Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/80), que a inexistência de tratado de extradição entre o Brasil e o Estado requerente não era óbice à formulação e ao atendimento do pleito, já que este formulara promessa de reciprocidade de tratamento ao Brasil por meio de Nota Verbal. Salientou-se que, não obstante a essencialidade da cooperação internacional na repressão penal aos delitos comuns, o Estado brasileiro, e, particularmente, o STF, deveriam zelar pela observância dos direitos fundamentais do estrangeiro contra o qual se postulasse pedido extradicional, e que a possibilidade de haver privação, em juízo penal, do devido processo legal, seria causa impeditiva do deferimento desse pedido. Entendeu-se, no entanto, inocorrente, no caso, a hipótese de violação aos direitos básicos da pessoa humana, tendo em vista que a condenação penal imposta ao extraditando se dera em julgamento realizado em 1995, momento posterior à divisão da antiga República da Tchecoslováquia em dois novos Estados soberanos: a República Tcheca, ora requerente, e a República Eslovaca, constituindo aquela um Estado Democrático. No que se refere à alegada inexistência da dupla incriminação, considerou-se que a eventual discrepância terminológica constante das leis penais vigentes no Brasil e no Estado requerente não obstava a efetivação da medida requerida, já que, tanto neste quanto naquele país, o fato imputado ao extraditando é juridicamente qualificado como crime, o qual se ajusta ao modelo normativo consubstanciado no tipo penal descrito no art. 171 do CP. Afastou-se, também, a apontada ocorrência da vedação inscrita no inciso IV do art. 77 do Estatuto do Estrangeiro, haja vista que, no Brasil, o crime de estelionato, mesmo na sua forma simples (CP, art. 171, caput), seria punível com pena de prisão variável entre um a cinco anos. Asseverou-se, ainda, ser improcedente a afirmação do extraditando, quando de seu interrogatório judicial, acerca da falsidade das imputações penais a ele atribuídas, as quais estariam fundadas em "provas plantadas", o que tornaria precária a condenação pronunciada. Acentuou-se que o modelo extradicional vigente no Brasil, que adota o sistema de contenciosidade limitada (Lei 6.815/80, art. 85, §1º), não permite, em sede extradicional promovida perante o STF, que se renove o litígio penal que lhe deu origem nem que se efetive o reexame do conjunto probatório ou a discussão sobre o mérito da acusação ou da condenação proferidas por órgão competente do Estado estrangeiro. Concluiu-se que essa limitação não seria incompatível com a cláusula constitucional de garantia da ampla defesa, conforme entendimento fixado pelo Pleno do STF em diversos julgamentos. (Lei 6.815/80: "Art. 76. A extradição poderá ser concedida quando o governo requerente se fundamentar em tratado, ou quando prometer ao Brasil a reciprocidade. Art. 77. Não se concederá a extradição quando:... IV - a lei brasileira impuser ao crime a pena de prisão igual ou inferior a 1 (um) ano;... Art. 85. Ao receber o pedido, o Relator designará dia e hora para o interrogatório do extraditando e, conforme o caso, dar-lhe-á curador ou advogado, se não o tiver, correndo do interrogatório o prazo de dez dias para a defesa. § 1º A defesa versará sobre a identidade da pessoa reclamada, defeito de forma dos documentos apresentados ou ilegalidade da extradição."). Ext 897/República Tcheca, rel. Min. Celso de Mello, 23.9.2004. (Ext-897)
ICMS. Crédito. Aproveitamento Fracionado
O Tribunal concluiu julgamento de medida liminar em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria - CNI contra dispositivos da LC 102, de 11.7.2000, que, alterando a LC 87/96, modificam o critério de apropriação dos créditos do ICMS decorrentes de aquisições de mercadorias para o ativo permanente, de energia elétrica e de serviços de telecomunicação (inserção do § 5º ao art. 20, alteração do inciso II do art. 33 e acréscimo do inciso IV) - v. Informativos 212 e 245. Na sessão de 29.11.2000, o Pleno, apreciando a questão do princípio da anterioridade (CF, art. 150, III, b), deferiu, em parte, a liminar para emprestar interpretação conforme a Constituição e sem redução de texto, no sentido de afastar a eficácia do art. 7º da norma impugnada ("Esta Lei Complementar entra em vigor no primeiro dia do mês subseqüente ao da sua publicação"), no tocante à inserção do § 5º do art. 20 da LC 87/96, e às inovações introduzidas no art. 33, II, da referida Lei, bem como à inserção do inciso IV, protraindo o início da eficácia desses dispositivos para 1º.1.2001. Entendeu-se que a modificação do sistema de creditamento pela norma em questão, quer consubstancie a redução de um benefício de natureza fiscal, quer configure a majoração de tributo, cria uma carga para o contribuinte e, portanto, sujeita-se ao princípio da anterioridade. Prosseguindo o julgamento, em relação à análise da ofensa ao princípio da não-cumulatividade, o Tribunal, por maioria, indeferiu o pedido, por não vislumbrar a alegada violação, uma vez que, não tendo a Constituição Federal fixado de maneira inequívoca, no inciso I do §2º do art. 155, o regime de compensação de tributos, cuja regulamentação há de ser feita por lei complementar (CF, art. 155, §2º, XII, c), nada impede que lei complementar fixe um novo critério, ressalvado o direito adquirido à apropriação dos créditos, na conformidade do disposto na legislação anterior. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio, relator, que deferia a liminar por considerar que o aproveitamento fracionado de créditos, sem se permitir a atualização da moeda, implicaria verdadeiro empréstimo compulsório, fora das hipóteses do art. 148 da CF.
ADI 2325 MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 23.9.2004. (ADI-2325)
PRIMEIRA TURMA
Defeito de Procuração e Supressão de Instância
A Turma, por maioria, deferiu, em parte, habeas corpus impetrado contra acórdão de Turma Recursal que dera provimento a apelação para cassar sentença que, acolhendo preliminar de nulidade de procuração, rejeitara queixa-crime promovida contra o paciente pela suposta prática do delito de exercício arbitrário das próprias razões (CP, art. 345). No caso concreto, o acórdão impugnado entendera que a referida procuração teria preenchido os requisitos constantes do art. 44 do CPP e que a nulidade apontada na mesma, consistente na ausência da menção do fato criminoso imputado ao paciente, teria sido sanada em face da indicação do nomen juris, por ato de ratificação antes do vencimento do prazo decadencial, e pela presença das querelantes em audiências realizadas, considerada a informalidade nos procedimentos dos Juizados Especiais. Insistiam os impetrantes na nulidade do instrumento procuratório, bem como sustentavam a ocorrência de supressão de instância, em razão de não terem sido apreciadas, nem pelo juízo de primeiro grau nem pela Turma Recursal, as demais preliminares suscitadas. Entendeu-se, com base em precedente do Pleno do STF, que a exigência da menção do fato criminoso prevista no art. 44 do CPP não tem por objetivo a descrição abstrata contida no tipo, para o que bastaria, se o caso, a indicação do artigo ou do nome atribuído ao crime, mas a fixação de eventual responsabilidade por denunciação caluniosa no exercício do direito de queixa, sendo imprescindível a descrição do fato concreto. Salientou-se que, apesar da indicação do nomen juris na procuração ser insuficiente, o defeito poderia ser sanado a qualquer tempo por meio de ratificação dos atos processuais, mesmo que escoado o prazo decadencial, o que teria ocorrido na espécie. No que se refere à alegada supressão de instância, considerou-se que, na linha da jurisprudência da Corte, rejeitada a queixa pelos fundamentos do art. 43 e 44 do CPP, o recurso da acusação devolveria à Turma Recursal todas as questões levantadas, razão por que a apreciação de uma delas não afastaria a análise das demais. HC deferido, em parte, para reformar o acórdão impugnado e determinar que a Turma Recursal prossiga no julgamento e aprecie, como entender de direito, as teses suscitadas em audiência. Vencido, em parte, o Min. Marco Aurélio, que deferia o writ integralmente por considerar que a ação penal privada há de estar aperfeiçoada no prazo assinado em lei e se, o instrumento de mandato discrepa do disposto no art. 44 do CPP, não há uma segunda oportunidade para se chegar ao atendimento do requisito legal, incidindo, na espécie, a decadência. (CPP, art. 44: "A queixa poderá ser dada por procurador com poderes especiais, devendo constar do instrumento do mandato o nome do querelante e a menção do fato criminoso, salvo quando tais esclarecimentos dependerem de diligências que devem ser previamente requeridas no juízo criminal.").
HC 84397/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 21.9.2004. (HC-84397)
Crime Hediondo, Indulto e Retroatividade - 2
A Turma, por maioria, negou provimento a recurso ordinário em habeas corpus e manteve acórdão do STJ que denegara pedido de comutação da pena requerido por condenado pela prática de crime hediondo, ao fundamento de que os decretos de concessão de indulto, por traduzirem juízo de conveniência do Presidente da República, poderiam excluir os condenados por crimes hediondos, não importando se os delitos consumaram-se antes ou depois da edição da lei que assim os qualificou - v. Informativo 359. Sustentava-se, na espécie, que o recorrente, por ser primário e já haver cumprido um quarto da condenação, teria direito ao citado benefício, concedido pelo Decreto 3.226/99, uma vez que a Lei 8.072/90 não poderia retroagir para alcançá-lo, haja vista que os crimes por ele praticados teriam sido anteriores à vigência dessa lei. Ressaltou-se não ser relevante o fato de inexistir, no decreto de indulto invocado, a exclusão do seu alcance dos condenados por crimes hediondos cometidos antes da lei que assim os define e que, no caso, a exclusão do recorrente do indulto não constitui aplicação retroativa da lei penal, mas mero exercício do poder presidencial de graça que implica o de excluir dos benefícios os condenados de quaisquer tipos penais, seja qual for a lei vigente ao tempo de sua produção. Vencido o Min. Marco Aurélio, relator, que dava provimento ao recurso para afastar o óbice e determinar fosse apreciado o direito do recorrente sem a retroação proclamada, tendo em conta que o Decreto 3.226/99, causa de pedir do habeas corpus, não permitira a retroação. Acompanhou a divergência o Min. Carlos Britto.
RHC 84572/RJ, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ acórdão Min. Sepúlveda Pertence, 21.9.2004. (RHC-84572)
Responsabilidade Civil do Estado e Ato Ilícito Praticado fora das Funções Públicas
A Turma iniciou julgamento de recurso extraordinário interposto pelo Estado de São Paulo contra acórdão do tribunal de justiça daquele Estado que, reconhecendo a existência de responsabilidade objetiva, condenara o ente federativo a indenizar vítima de disparo de arma fogo, pertencente à corporação, utilizada por policial durante período de folga. Alega-se, na espécie, ofensa ao art. 37, §6º, da CF, uma vez que o dano fora praticado por policial que se encontrava fora de suas funções públicas. O Min. Carlos Britto, relator, negou provimento ao recurso por entender que a culpa do Estado residiria no fato de ter fornecido arma a um servidor sem condições de usá-la, assumindo um risco, pelo qual responderia civilmente na eventual ocorrência de dano. Asseverou que não há diferença, para fins de apuração da responsabilidade civil do recorrente, se o dano causado por arma de fogo, pertencente ao Estado e sob a guarda de policial militar, ocorreu quando este estava ou não em serviço. Ressaltou, ainda, jurisprudência do STF no sentido de que, mesmo não estando o agente público em exercício efetivo de sua função, há a responsabilidade civil do Estado pela conduta do mesmo. Após, pediu vista dos autos o Min. Eros Grau. Precedentes citados:
RE 160401/SP (DJU de 4.6.99) e RE 213525/SP (DJU de 14.5.2002). RE 363423/SP, rel. Min. Carlos Britto, 21.9.2004. (RE-363423)
Desnecessidade de Cargo e Devido Processo Legal
A Turma deu provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que entendera legal e constitucional a exoneração de servidores públicos do Município de Bicas/MG, que se encontravam em estágio probatório, tendo em conta o excessivo número de cargos existentes no referido Município, conforme declarado em decreto municipal, bem como a limitação dos gastos com a folha de pagamento imposta pela LC 82/95 (Lei Camata). No caso concreto, o prefeito que determinara a exoneração, teria empossado, em seguida, novos servidores para assumir os mesmos cargos declarados desnecessários. Entendeu-se que o acórdão recorrido teria violado, a pretexto de dar comprimento à LC 82/95, os incisos LIV e LV do art. 5º da CF, uma vez que o Município não poderia ter exonerado servidores ocupantes de cargo efetivo sem o devido processo legal, garantindo-lhes o direito ao contraditório e à ampla defesa, bem como estaria em confronto com o Enunciado 21 da Súmula do STF ("funcionário em estágio probatório não pode ser exonerado nem demitido sem inquérito ou sem as formalidades legais de apuração de sua capacidade."). Asseverou-se que a declaração de desnecessidade costuma atingir cargos providos há um tempo considerável, tanto que a Constituição a prevê apenas quando trata de servidores estáveis e, para esses casos, prescreve a disponibilidade remunerada e o aproveitamento em outro cargo, mas não a exoneração. Afastou-se, por fim, a incidência do Enunciado 22 da Súmula do STF ("o estágio probatório não protege o funcionário contra a extinção do cargo.") porque a hipótese não envolvia a extinção de cargo, mas a declaração de desnecessidade, e, ainda, em razão de o referido enunciado não tratar da ausência de processo administrativo anteriormente ao ato de exoneração, tema central do recurso. RE provido para reformar o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e restabelecer os termos da sentença de primeiro grau. Precedentes citados:
RE 222532/MG (DJU de 1º.9.2000); RE 230540/SP (DJU de 13.8.99). RE 378041/MG, rel. Min. Carlos Britto, 21.9.2004.(RE-378041)
SEGUNDA TURMA
Juizado Especial e Intimação
É dispensável, no âmbito dos juizados especiais, a intimação pessoal das partes, inclusive do representante do Ministério Público e defensores nomeados, bastando que a mesma se faça pela imprensa oficial. Afasta-se, dessa forma, o §4º do art. 370 do CPP, para a aplicação, com base no princípio da especialidade, do § 4º do art. 82 da Lei 9.099/95 ("As partes serão intimadas da data da sessão de julgamento pela imprensa."). Com esse entendimento, fixado pelo Pleno do STF no julgamento do HC 76915/RS (DJU de 27.4.2001), a Turma indeferiu habeas corpus em que se alegava nulidade de acórdão proferido por Turma Recursal, em face da ausência de intimação pessoal de defensor público da data da sessão de julgamento de recurso de apelação. Salientou-se, ainda, que não sendo a sustentação oral ato essencial à defesa, mas uma faculdade concedida às partes, e tendo sido a Defensoria Pública devidamente intimada, nos termos da Lei 9.099/95, não haveria que se falar em nulidade do julgamento. Precedentes citados:
HC 71642/AP (DJU de 21.10.94); HC 81281/MS (DJU de 22.3.2002); HC 81446/RJ (DJU de 10.5.2002). HC 84277/MS, rel. Min. Carlos Velloso, 21.9.2004. (HC-84277)