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    Informativo do STF 356 de 13/08/2004

    Publicado por Supremo Tribunal Federal


    PLENÁRIO

    Falsidade Ideológica e Potencialidade Lesiva

    O Tribunal recebeu denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra ex-Governador do Estado de Santa Catarina, atual Deputado Federal, pela suposta prática do crime de falsidade ideológica, decorrente de declaração falsa por ele inserida em ordem de serviço que resultara na emissão indevida de títulos da dívida pública daquele Estado (CP, art. 299, e parágrafo único: "Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:... Parágrafo único - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte."). Tratava-se, na espécie, de ação penal que tramitara perante a Justiça Federal da Seção Judiciária de Santa Catarina, remetida a este Tribunal em decorrência da diplomação do ex-Governador como Deputado Federal, em se imputava ao mesmo e a outros a prática de diversos delitos. Inicialmente, com base em precedente do STF (Inq 1690/PE) no sentido de não admitir a equiparação de Estado a uma instituição financeira nos termos do art. 1º, parágrafo único, da Lei 7.492/86, declarou-se a não-ocorrência dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional em relação a todos os denunciados (Lei 7.492/86, arts. 5º, 6º e 7º). Em conseqüência, decretou-se a nulidade do recebimento da denúncia pelo juízo federal, em razão de sua incompetência absoluta. Em relação ao parlamentar, determinou-se, por atipicidade, o arquivamento dos crimes de dispensa ou de inexigibilidade de licitação (Lei 8.666/93, art. 89) e de falsidade ideológica na confecção de listas precatórias (CP, art. 299). Recebeu-se a denúncia, em relação ao mesmo deputado, apenas quanto ao crime de falsidade ideológica da ordem de serviço. Salientou-se que o fato da Justiça Federal de Santa Catarina não ter encaminhado o inquérito que originara a ação penal ao STF, em razão da suposta participação de senador nesse crime, seria irrelevante, tendo em conta não existirem nos autos elementos que comprovassem essa suposta participação, bem como por não caber invocar o princípio da indivisibilidade na ação penal pública. Ressaltou-se que a realização pericial na ordem de serviço seria prescindível ao oferecimento da denúncia, tendo em vista a existência de cópias não-autênticas da mesma, que constituiriam vestígios do delito e, ainda, da assertiva do próprio acusado no sentido de admitir a existência do documento. Asseverou-se que o fato da expedição da ordem de serviço não ter sido suficiente para os fins do disposto no art. 33 do ADCT da CF e, conseqüentemente, para a emissão das Letras Financeiras estaduais, não descaracterizaria a prática da conduta criminosa, porquanto a falsidade realizada alterara verdade juridicamente relevante, com potencialidade para prejudicar direito. Salientou-se que o crime de falsidade ideológica não exige dano efetivo, sendo suficiente a potencialidade do evento danoso, e que, no caso, a falsificação inserida na ordem de serviço revestira-se dessa potencialidade, pois possibilitara ao Estado de Santa Catarina emitir os títulos da dívida pública, o que, em conseqüência, gerara enormes prejuízos àquele Estado, na medida em que ocasionara o surgimento de uma dívida desnecessária para o mesmo. Afastou-se, ainda, a alegação de que a falsificação, caso ocorrida, "seria mero crime-meio, absorvido pelo crime-fim de emissão fraudulenta de títulos públicos", ou seja, "meios para a realização do tipo penal descrito no artigo 7º da Lei nº 7.492/86, não podendo ser consideradas como crimes autônomos", em face da incoerência do argumento, tendo em conta o fato de o próprio denunciado reconhecer a impossibilidade de existência do crime tipificado na Lei 7.492/86. Determinou-se, por fim, o desmembramento do feito, com traslado de cópias do processo, a fim de que seja encaminhado à Justiça Estadual de Santa Catarina para adoção de providências cabíveis em relação aos demais envolvidos.

    AP 351/SC, rel. Min. Marco Aurélio, 12.8.2004.(AP-351)

    Perda de Representação de Partido e Legitimidade para ADI

    O Tribunal, por maioria, deu provimento a agravo regimental interposto contra decisão do Min. Carlos Velloso, relator, que, por ilegitimidade ativa ad causam, negara seguimento a ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido Social Liberal - PSL contra as expressões "conjunta dos Presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e", constantes do art. 7º da Emenda Constitucional 19/98, que incluíra o inciso XV no art. 48 da CF, dispondo sobre a iniciativa legislativa para a fixação do subsídio dos Ministros do STF. Entendeu-se que a aferição da legitimidade deve ser feita no momento da propositura da ação e que a perda superveniente de representação do partido político no Congresso Nacional não o desqualifica como legitimado ativo para a ação direta de inconstitucionalidade. Vencidos o Min. Carlos Velloso, relator, e Celso de Mello, que consideravam que a perda da representação implicava a perda da capacidade postulatória. Em seguida, declarou-se prejudicado o pedido, em face do advento da Emenda Constitucional 41/2003, que alterou o inciso XV do art. 48 da CF, na redação que lhe havia sido dada pela EC 19/98.

    ADI 2159 AgR/DF, rel. originário Min. Carlos Velloso, rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, 12.8.2004.(ADI-2159)

    ADI e Ato Regulamentar

    Com base no entendimento supracitado, quanto à legitimidade ativa para a ADI, o Tribunal, por maioria, deu provimento a agravo regimental interposto contra decisão do Min. Carlos Velloso, relator, que, também por ilegitimidade ativa ad causam, negara seguimento a agravo regimental em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido Social Liberal - PSL contra o Provimento nº 34, de 28 de dezembro de 2000, da Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, que regulamenta a Lei dos Juizados Especiais ("Provimento nº 34, de 28.12.2000. Capítulo 18, Juizado Especial Criminal. Seção, 2, Inquérito Policial e Termo Circunstanciado: '18.2.1 - A autoridade policial, civil ou militar, que tomar conhecimento da ocorrência, lavrará termo circunstanciado, comunicando--se com a secretaria do juizado especial para agendamento da audiência preliminar com intimação imediata dos envolvidos'"). Vencidos, no ponto, os Ministros Carlos Velloso e Celso de Mello, pelas mesmas razões acima mencionadas. Em seguida, negou-se provimento ao agravo regimental interposto contra a decisão do Min. Carlos Velloso, relator, que negara seguimento à mencionada ação direta de inconstitucionalidade. Entendeu-se que o ato normativo impugnado não é ato normativo primário, mas secundário, interpretativo de lei ordinária (Lei 9.099/95), tratando a questão, não de inconstitucionalidade, mas de ilegalidade se o ato regulamentar vai além do conteúdo da lei.

    ADI 2618 AgRAgR/PR, rel. Min. Carlos Velloso, 12.8.2004.(ADI-2618)

    Associação de Associações: Legitimidade para ADI - 2

    O Tribunal concluiu julgamento de agravo regimental em ação direta de inconstitucionalidade no qual se discutia se entidades que congregam pessoas jurídicas consubstanciam entidades de classe de âmbito nacional, para os fins de legitimação para a propositura de ação direta. Tratava-se, na espécie, de agravo regimental interposto pela Federação Nacional das Associações dos Produtores de Cachaça de Alambique - FENACA contra decisão do Min. Celso de Mello, relator, que, por ausência de legitimidade ad causam da autora, julgara extinto o processo e declarara o prejuízo da apreciação do pedido de medida cautelar - v. Informativo 346. Por maioria, deu-se provimento ao recurso, por se entender que a autora possui legitimidade ad causam, haja vista ser entidade de classe que atua na defesa da mesma categoria social, apesar de se reunir em associações correspondentes a cada Estado. Vencidos os Ministros Celso de Mello, relator, e Carlos Britto que mantinham a decisão agravada, salientando a orientação da Corte segundo a qual não se qualificam como entidades de classe aquelas que, congregando exclusivamente pessoas jurídicas, apresentam-se como verdadeiras associações de associações, nem tampouco as pessoas jurídicas de direito privado, ainda que coletivamente representativas de categorias profissionais ou econômicas. (CF, art. 103: "Podem propor a ação de inconstitucionalidade:... IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.").

    ADI 3153 AgR/DF, rel. Min. Celso de Mello, rel. p/ acordão Min. Sepúlveda Pertence, 12.8.2004.(ADI-3153)

    Crédito-Prêmio do IPI: Delegação de Atribuições

    O Tribunal retomou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a constitucionalidade do art. 1º do Decreto-lei 1.724/79 ["Art. 1º - O Ministro de Estado da Fazenda fica autorizado a aumentar ou reduzir, temporária ou definitivamente, ou extinguir os estímulos fiscais de que tratam os artigos 1º e 5º do Decreto-lei nº 491 de 5 de março de 1969." ('Art 1º As emprêsas fabricantes e exportadoras de produtos manufaturados gozarão a título estimulo fiscal, créditos tributários sôbre suas vendas para o exterior, como ressarcimento de tributos pagos internamente. §1º Os créditos tributários acima mencionados serão deduzidos do valor do Impôsto sôbre Produtos Industrializados incidente sôbre as operações no mercado interno. §2º Feita a dedução, e havendo excedente de crédito, poderá o mesmo ser compensado no pagamento de outros impostos federais, ou aproveitado nas formas indicadas por regulamento.'; 'Art 5º É assegurada a manutenção e utilização do crédito do IPI relativo às matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem efetivamente utilizados na industrialização dos produtos exportados.' )]. Trata-se, na espécie, de recurso extraordinário interposto pela União contra acórdão do TRF da 4ª Região que adotara precedente do Plenário daquela Corte no qual se declarara a inconstitucionalidade da norma impugnada. Na sessão de 20.11.97, o Min. Maurício Corrêa, relator, conheceu do recurso e lhe deu provimento para afastar a inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal de origem, por entender que a delegação de atribuições ao Ministro de Estado da Fazenda, que resultou na edição de portarias que "reduziram, extinguiram ou modificaram" a base de cálculo dos incentivos fiscais à exportação de manufaturados previstos no Decreto-lei 491/69 (Crédito-Prêmio - IPI), encontrava-se consentânea com a CF/69, diante da regra do art. 81, V ("Art. 81 - Compete privativamente ao Presidente da República:... V - dispor sobre a estruturação, atribuições e funcionamento dos órgãos da administração federal;"), e da faculdade prevista no parágrafo único do mesmo artigo ("O Presidente da República poderá outorgar ou delegar atribuições mencionadas nos itens V, VIII, primeira parte, XVIII e XXII deste artigo aos Ministros de Estado ou a outras autoridades, que observarão os limites traçados nas outorgas e delegações."). Na mesma sessão, o Min. Nelson Jobim acompanhou o voto do relator. O Min. Marco Aurélio, em voto-vista, conheceu do recurso e o desproveu, e declarou a inconstitucionalidade do art. 1º do Decreto-lei 1.724/79, no que implicou a delegação ao Ministro de Estado da Fazenda para extinguir os mencionados incentivos fiscais, por considerar violado o princípio da legalidade, haja vista ter-se disposto, por meio de portaria, sobre crédito tributário, e também o parágrafo único do art. 6º da CF/69, que proibia a delegação de atribuições a qualquer dos Poderes ("Salvo as exceções previstas nesta Constituição, é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições..."). Após, o Min. Carlos Velloso pediu vista.

    RE 208260/RS, rel. Min. Maurício Corrêa, 12.8.2004.(RE-208260)

    IPTU e Alíquotas Progressivas

    O Tribunal, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário para declarar a inconstitucionalidade do art. 17 da Lei 1.354, de 22 de dezembro de 1979, com a redação dada pela Lei Complementar 178, de 22 de dezembro de 1996, ambas do Município de Maringá/PR, que estabeleciam alíquotas progressivas para o Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU. Tratava-se, na espécie, de recurso interposto contra acórdão do Tribunal de Alçada do Estado do Paraná, que reformara sentença concessiva de segurança que declarara a nulidade de lançamentos do IPTU referente ao exercício de 1997. Tendo em conta a inexistência, à época, de lei federal regulamentando o art. 182, §4º, da CF, e a ausência de Plano Diretor, adotou-se o entendimento do STF fixado no RE 153771/MG (DJU de 5.9.97), no sentido de que a única progressividade admitida pela CF/88, em relação ao IPTU, é a extrafiscal, destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana. Vencido o Min. Carlos Velloso que negava provimento ao recurso e declarava a constitucionalidade da progressividade das alíquotas.

    RE 400780/PR, rel. Min. Marco Aurélio, 12.8.2004.(RE-400780)

    PRIMEIRA TURMA

    Impetração Sucessiva de Habeas Corpus e Julgamento Definitivo

    A Turma aplicou o entendimento firmado no Enunciado 691 da Súmula do STF ("Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar.") para indeferir habeas corpus impetrado contra decisão do STJ que negara seguimento a outro habeas corpus, por entender incabível a impetração contra decisão singular que indefere liminar antes do julgamento em definitivo do writ. Asseverou-se, ainda, que, na espécie, a apreciação de eventuais fatos novos ou a verificação acerca do posterior desaparecimento das razões que justificaram a expedição do decreto de prisão preventiva deveriam ser feitas pela instância competente, cuja jurisdição não estava exaurida. Precedentes citados:

    HC 79238/RS (DJU de 6.8.99); HC 79776/RS (DJU de 3.3.2000); HC 79775/AP (DJU de 17.3.2000) e HC 79748/RJ (DJU de 23.6.2000). HC 84009/SP, rel. Min. Carlos Britto, 10.8.2004.(HC-84009)

    Inquérito Policial e Direito de Vista

    A Turma julgou habeas corpus impetrado em favor de paciente - objeto de inquérito policial - a cujos advogados constituídos as instâncias ordinárias denegaram, em mandado de segurança, o direito de vista dos autos do inquérito e a obtenção de cópias, sob o fundamento de que deveria ser assegurado, no transcurso do procedimento investigatório, o sigilo necessário à elucidação dos fatos (CPP, art. 20), e que a regra do inc. XIV do art. 7º da Lei 8.906/94, que confere o acesso amplo e irrestrito do advogado aos autos do inquérito policial, deveria ser interpretada tendo em conta a supremacia do interesse público, de forma a se restringir a publicação de casos em que o sigilo das investigações fosse imprescindível para a apuração do ilícito penal e de sua autoria. Inicialmente, afastou-se a preliminar de não conhecimento do writ, suscitada pelo Ministério Público Federal, no sentido de não se admitir habeas corpus para defesa de outros interesses que não o da constrição ou do risco efetivo de constrição à liberdade de locomoção física do paciente. Entendeu-se que o caso era de constrangimento que, se existente e ilegal, poderia resultar em prejuízo da defesa do paciente no processo e, em tese, redundar em condenação à pena privativa de liberdade ou na mensuração desta. Salientou-se que o mesmo constrangimento ao exercício da defesa pode substantivar violação à prerrogativa profissional do advogado, questionável por meio de mandado de segurança, e ameaça, já que mediata, à liberdade do indiciado, por isso legitimado a figurar como paciente no writ voltado a fazer cessar a restrição à atividade de seus defensores. No mérito, considerou-se inexistente o aparente conflito entre os interesses contrapostos. Asseverou-se que a Lei 8.906/94 resolveu em favor da prerrogativa do defensor e contra a oponibilidade ao advogado do sigilo decretado do inquérito, uma vez que no inciso XIV do seu art. 7º não fez nenhuma distinção entre inquéritos sigilosos e não sigilosos. Além disso, concluiu-se que essa oponibilidade esvaziaria a garantia prevista no inciso LXIII, do art. 5º, da CF (" o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;"), cuja interpretação alcança o indiciado solto, no sentido de a ele também se estender o direito ao silêncio e, no mínimo, a faculdade da assistência técnica do advogado que constituir, a qual, por sua vez, não seria devidamente prestada se sonegado ao defensor o acesso aos autos do inquérito. Dessa forma, deferiu-se o writ para que aos advogados constituídos pelo paciente se faculte a consulta aos autos do inquérito policial e a obtenção de cópias pertinentes antes da data designada para a sua inquirição. Precedente citado:

    HC 79191/SP (RTJ 171/258). HC 82354/PR, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 10.8.2004.(HC-82354)

    Militar: Estelionato e Direito a Transporte

    A Turma indeferiu habeas corpus impetrado em favor de militar acusado da suposta prática do crime de estelionato, previsto no art. 251 do Código Penal Militar ("Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento:"), no qual se pretendia trancar a ação penal contra ele instaurada, sob a alegação de falta de justa causa. Na espécie, o paciente, que residia no Rio de Janeiro, ao passar para a reserva remunerada, informara que fixaria residência em Natal/RN, recebendo, por isso, a indenização de transporte a que alude o inciso II do art. 58 da Lei 8.237/91 ("Art. 58. O militar da ativa, ao ser transferido para a inatividade remunerada, faz jus aos seguintes direitos:... II - ao transporte para si, seus dependentes e um empregado doméstico, bem como à translação da respectiva bagagem, do local onde servia para outra localidade do território nacional onde declarou fixar residência."). De acordo com investigações posteriores, ter-se-ia apurado que o imóvel indicado pelo paciente fora alugado a terceiros, tendo o paciente retornado ao Rio de Janeiro. Entendeu-se que, em tese, os fatos consubstanciaram o crime - e que, na instrução criminal, o procedimento imputado ao paciente há de ser comprovado pelo Ministério Público -, uma vez que a afirmação de deslocamento para local mais distante, a fim de obter verbas superiores a título de indenização, deixando-se de implementar o que alegado, implica o induzimento da Administração Pública, mediante fraude, a erro, alcançando-se vantagem indevida em prejuízo do erário.

    HC 83673/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 10.8.2004.(HC-83673)

    SEGUNDA TURMA

    Terras Indígenas e Ocupação por Posseiros

    A Turma deu provimento a recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Federal contra acórdão do TRF da 1ª Região que provera agravo de instrumento interposto contra decisão proferida pelo Juiz Federal da 5ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Mato Grosso que, em ação civil pública, autorizara o retorno da Comunidade Indígena Xavante às terras que lhe foram destinadas, sem prejuízo da permanência dos posseiros na área. O acórdão impugnado apresentara, em síntese, os seguintes fundamentos: a) a permanência dos posseiros no local estaria resguardada por anterior decisão judicial; b) o caráter litigioso da área em questão; c) a inexistência de comprovação, nos autos, de que tivessem sido adotadas medidas concretas, visando à separação dos grupos indígenas e de possuidores, para garantia da incolumidade física de ambos; e d) a precipitação da medida, que resultaria em fator de conflito social. Nos autos da mesma ação civil pública, o TRF da 1ª Região, em outro agravo de instrumento, já transitado em julgado, considerando precipitada a medida, cassara liminar anteriormente concedida pelo referido juízo federal, em que fora determinada a desocupação da área, tão logo fosse concluída a demarcação das terras de Marãiwatsede pela FUNAI e pela União e estas apresentassem alternativa de reassentamento dos posseiros noutro local. Ressaltou-se, inicialmente, que a discussão da causa limitava-se à solução dada pelo juízo federal que criara situação peculiar, ao determinar o retorno dos indígenas, porquanto a ocupação da área não se daria com exclusividade pelos silvícolas, mas em conjunto com os posseiros lá fixados. Ademais, salientou-se, ainda, ser fato incontroverso a declaração das terras como tradicionalmente ocupadas pelos índios pela Portaria 363/93, do Ministro de Estado da Justiça, homologada por Decreto do Presidente da República, contra o qual fora proposta ação de nulidade do processo de demarcação, cujos efeitos persistem, uma vez que até o momento não houve decisão judicial que os suspendessem. Entendeu-se: a) que o acórdão recorrido ofendera os arts. 231 e 232, ambos da CF, ao negar a legítima posse aos Xavantes; b) que a decisão do juízo federal não fora açodada, já que a demarcação está homologada por decreto presidencial e que, passados mais de cinco anos, os índios ainda se encontram afastados de suas terras e c) que a mera alusão a iminente conflito não se prestaria a suspender a mencionada decisão, tendo em conta que a área destinada aos silvícolas não seria a ocupada pelos posseiros. Afastou-se, por fim, a alegação de ofensa ao Enunciado 283 da Súmula do STF, consistente no argumento de que o direito indígena cederia, momentaneamente, espaço a um direito maior a ser assegurado, qual seja, o direito à vida e à segurança pessoal dos silvícolas, dos posseiros e de suas famílias (CF, art. 5º, caput). Considerou-se que, além de ser apriorística essa hierarquização de preceitos constitucionais, a aludida tensão não seria fundamento suficiente do acórdão recorrido porque, ao se pretender ver reconhecida a violação ao art. 231, da CF, seria implícito que se estaria a pleitear o reconhecimento de um direito a ser exercido pelos índios e, tal como o reconhecimento de qualquer outro direito, dependeria logicamente de não se negar o direito à vida. Proveu-se o recurso para se restabelecer a decisão proferida pelo juízo de origem, a fim de se determinar o retorno da Comunidade Indígena Xavante à Terra Indígena Marãiwatsede, sem prejuízo, por enquanto, da permanência dos posseiros na área onde se encontram. Precedente citado:

    RE 183188/MS (DJU de 14.2.97). RE 416144/MT, rel. Min. Ellen Gracie, 10.8.2004.(RE-416144)

    Suspensão de Ação Penal e Parcelamento de Débito Tributário

    A Turma iniciou julgamento de habeas corpus impetrado em favor de sócios-administradores de empresa, denunciados pela suposta prática dos delitos previstos no art. 36, parágrafo único, da Lei 6.538/78; no art. 296, do CP e no art. 1º, IV, da Lei 8.137/90, todos em concurso material. Pretende-se, na espécie, o trancamento da ação penal, sob a alegação de: a) incompetência da justiça federal, em razão da matéria, para processar os pacientes, uma vez que não ocorrera dano à Caixa Econômica Federal - CEF e à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT; b) incompetência da justiça de Tocantins, em razão do local, haja vista que a suposta utilização de documento falso ocorrera em outro Estado; e c) negativa de autoria dos fatos imputados. O Min. Joaquim Barbosa, relator, por entender existir questão prejudicial ao mérito da impetração, consistente na existência de parcelamento de débito tributário junto à Fazenda do Estado de Tocantins, concedeu habeas corpus de ofício, para suspender a ação penal movida contra os pacientes, a teor do disposto no art. 9º, caput, da Lei 10.684/2003 e na Lei Complementar 104/2001, que alterou a redação do art. 151 do CTN. Asseverou-se, por fim, que essas últimas normas estão em consonância com o entendimento do STF, no sentido de exigir a ocorrência do lançamento "definitivo" para fins de consumação do crime do art. 1º, da Lei 8.137/90. Após, pediu vista o Min. Gilmar Mendes.

    HC 83936/TO, rel. Min. Joaquim Barbosa, 10.8.2004.(HC-83936)

    Crime contra o Sistema Financeiro e Comunicação de Condição de Caráter Pessoal

    A Turma indeferiu habeas corpus em que se pretendia o trancamento de ação penal instaurada contra denunciado como suposto partícipe em delito de tomada vedada de empréstimo (Lei 7.492/86, art. 17: "Tomar ou receber, qualquer das pessoas mencionadas no art. 25 desta Lei, direta ou indiretamente, empréstimo ou adiantamento, ou deferi-lo a controlador, a administrador, a membro do conselho estatutário, aos respectivos cônjuges, aos ascendentes ou descendentes, a parentes na linha colateral até o segundo grau, consangüíneos ou afins, ou a sociedade cujo controle seja por ela exercido, direta ou indiretamente, ou por qualquer dessas pessoas:..."), sob a alegação de ofensa ao princípio da reserva legal em matéria penal, em razão de ter sido estendido ao paciente prática de crime próprio, quanto ao sujeito. Entendeu-se que, apesar de o paciente não ser controlador, administrador, diretor ou gerente de instituição financeira, essa qualidade, por ser elementar do crime, deveria ser a ele estendida, em observância ao disposto no art. 30, do CP ("Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.") Precedente citado:

    HC 81438/RJ (DJU de 10.5.2002). HC 84238/BA, rel. Min. Joaquim Barbosa, 10.8.2004.(HC-84238)

    Progressão de Regime e Revogação

    A Turma, em razão das especificidades do caso concreto, concedeu habeas corpus para restabelecer decisão que deferira pedido de progressão de regime formulado por condenado pela prática de crime hediondo à pena de reclusão em regime fechado, e para determinar a sua imediata transferência para o regime semi-aberto. Na espécie, o juízo da execução revogara unilateralmente, sem provocação por parte do Ministério Público, sob o argumento de que o delito praticado seria hediondo, decisão em que deferira, com base em parecer favorável do parquet, a progressão do regime estabelecido. Tendo em conta ter sido a progressão aprovada pelo órgão ministerial e, ainda, precedentes do STF no sentido de não admitir a revogação de decisão deferitória de progressão de regime em que verificado trânsito em julgado ou preclusão, entendeu-se indevida a revogação efetivada de ofício. Precedentes citados:

    HC 79385/SP (DJU de 15.10.99); HC 83911/RJ (DJU de 23.4.2004). HC 84151/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, 10.8.2004.(HC-84151)