Informativo do STF 325 de 17/10/2003
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
Injúria Qualificada e Inquérito Penal
O Tribunal, entendendo presentes na espécie os indícios de materialidade e de autoria e, salientando, ainda, a necessidade de apuração efetiva dos fatos narrados, recebeu queixa-crime oferecida em desfavor de deputado federal pela suposta prática do delito de injúria, qualificado pelo uso de elementos referentes à raça e à cor (CP, art. 140, § 3º). Afastou-se, no caso, a alegação do querelado de que a procuração outorgada pelo querelante não mencionara o fato delituoso, desatendendo ao disposto no art. 44 do CPP, já que a petição inicial também fora subscrita por este último, o que resguardaria a exigência da individualização do agente passivo de possível denunciação caluniosa. Afastou-se, também, a alegada ilegitimidade ativa do querelante - pelo oferecimento de queixa-crime pelo delito do art. 140, § 3º do CP e, posteriormente, de representação, que dera origem à formalização de outro inquérito pelo Ministério Público Federal, pelo delito do art. 20 da Lei 7.716/89, cuja ação penal é pública -, tendo em vista que o segundo processo encontra-se com parecer da Procuradoria-Geral da República no sentido da não-configuração do delito do art. 20, dando margem ao seu provável arquivamento. Inq 1.458-RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 15.10.2003.(INQ-1458)
Ministério Público e Poder de Investigação
Iniciado o julgamento de inquérito em que se pretende o recebimento de denúncia oferecida contra deputado federal pela suposta prática de fraudes contra o Sistema Único de Saúde - SUS, levantadas a partir de investigações efetivadas no âmbito do Ministério Público Federal. O denunciado, em sua defesa, alega a atipicidade da conduta, a inépcia da denúncia, bem como a falta de justa causa para a ação penal, porquanto o Ministério Público Federal não deteria competência para proceder à investigação de natureza criminal, incumbindo-lhe apenas, a teor do disposto no inciso VIII do art. 129 da CF, requisitar diligências e a instauração de inquérito policial. O Min. Marco Aurélio, relator, considerando que os elementos que serviram de base à denúncia provêm exclusivamente de dados obtidos em investigação criminal realizada pelo Ministério Público, proferiu voto no sentido de rejeitar a denúncia, por entender que o Ministério Público, embora titular da ação penal, não possui competência para realizar diretamente investigações na esfera criminal, mas apenas de requisitá-las à autoridade policial competente, no que foi acompanhado pelo Min. Nelson Jobim. Após, o julgamento foi adiado em face do pedido de vista do Min. Joaquim Barbosa (CF, art. 129: "São funções institucionais do Ministério Público: ... VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;"). Inq 1.968-DF, rel. Min. Marco Aurélio, 15.10.2003.(INQ-1968)
Isenção de Multas: Competência da União
Por ofensa à competência privativa da União para legislar sobre trânsito (CF, art. 22, XI), o Tribunal julgou procedente o pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado de Santa Catarina, para declarar a inconstitucionalidade da Lei 11.387/2000, do mesmo Estado, de iniciativa parlamentar, que concedia isenção do pagamento de multas de trânsito, quando em serviço de urgência devidamente identificado, às ambulâncias e veículos destinados à prestação de socorro médico, bem como às viaturas das Polícias Militar e Civil e do Corpo de Bombeiros. Precedentes citados:
ADI 2.064-MS (DJU de 22.6.2001), ADI 1.592-MC-DF (DJU de 17.4.98). ADI 2.814-SC, rel. Min. Carlos Velloso, 15.10.2003. (ADI-2814)
Competência da Justiça do Trabalho
O Tribunal conheceu (CF, art. 102, I, o) e deu provimento a conflito negativo de competência suscitado por juiz federal em face do TST, a fim de, com base no disposto no art. 114 da CF, declarar a competência da Justiça do Trabalho para o julgamento de reclamação trabalhista ajuizada por empregado público, contratado sob o regime celetista, em que se pretende o recebimento de verbas trabalhistas ("Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta, dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, ..."). Precedentes citados: CC 7.118-BA (DJU de 4.10.2002) e CC 7.134-RS (DJU de 15.8.2003). CC 7.149-PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 16.10.2003.(CC-7149)
Procuradoria Geral do Estado do ES - 1
Iniciado o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Governador do Estado do Espírito Santo contra a Lei Complementar estadual 246/2002 que, alterando dispositivos da Lei Complementar 88/96, dispõe sobre a estruturação da Procuradoria Geral do Estado. Preliminarmente, o Tribunal, por maioria, afastou a alegada inconstitucionalidade formal do art. 1º da norma impugnada (que modificou o parágrafo único do projeto original, acrescentando os §§ 1º e 2º ao art. 3º da LC 88/96) por entender que a emenda introduzida pela Assembléia Legislativa não implicou a alteração substancial do projeto inicial e, ainda, que o § 2º - reiterando os termos do § 1º quanto à competência da Procuradoria Geral do Estado na defesa judicial e extrajudicial de titulares de cargos vinculados ao Poder Executivo estadual, estabelece a competência da Procuradoria Geral do Estado do Poder Legislativo para promover a defesa de seus membros e ex-parlamentares - guardando sintonia com as demais disposições contidas na Lei, não implicou aumento de despesa, tratando de matéria de iniciativa do próprio Poder Legislativo. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio, que declarava a inconstitucionalidade formal do mencionado § 2º, por entender que o texto ali introduzido tratara de matéria totalmente estranha ao objeto da LC 246/2002 e alterara o projeto original. Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, entendendo caracterizada a ofensa à reserva de iniciativa do chefe do Poder Executivo, declarou a inconstitucionalidade formal dos artigos 2º - que aumentava o rol de membros natos do conselho da Procuradoria Geral do Estado -, 3º - que permitia a designação de um procurador de Estado para assessoramento direto do Procurador Geral, assegurando-lhe o recebimento de gratificação -, e 4º, § 2º - que vinculava o subsídio dos procuradores de Estado aos dos procuradores de justiça - ,por considerar caracterizada a contrariedade ao art. 61, § 1º, II, a e e, bem como ao inciso I do art. 63, ambos da CF/88.
ADI 2.840-ES, rel. Ministra Ellen Gracie, 15.10.2003.(ADI-2840)
Procuradoria Geral do Estado do ES - 2
Ainda no mesmo julgamento acima mencionado, o Tribunal afastou a alegação de inconstitucionalidade material do art. 4º da LC 246/2002, no ponto em que introduziu o § 1º no art. 32 da LC 88/96 - fixando um limite percentual na diferença entre os valores de remuneração percebidos pelos quatro níveis que compõem a carreira de procurador do Estado -, por entender que o mencionado dispositivo apenas reflete a sistematização da hierarquia salarial entre classes de uma mesma carreira, não ofendendo, portanto, o disposto no inciso XIII do art. 37 da CF/88. Prosseguindo no exame relativamente ao § 2º, introduzido no mesmo art. 4º - e já declarado formalmente inconstitucional -, o Tribunal declarou a sua inconstitucionalidade material, por entender caracterizada a ofensa ao citado inciso XIII do art. 37, haja vista a vinculação estabelecida entre os subsídios de carreiras distintas. Por fim, o Tribunal deliberou suspender o julgamento quanto ao vício material relativamente ao art. 1º da LC 246/2002, uma vez que há correlação da disposição estadual com norma federal já suscitada na ADI 2.888-DF, da relatoria do Min. Gilmar Mendes.
ADI 2.840-ES, rel. Ministra Ellen Gracie, 15.10.2003.(ADI-2840)
PRIMEIRA TURMA
Prisão Civil do Depositário Infiel
À vista do empate na votação, a Turma deferiu habeas corpus para determinar a expedição de alvará de soltura em favor da paciente, presa em razão do descumprimento do encargo de fiel depositária de litros de álcool, cujo seqüestro fora determinado nos autos de inquérito policial instaurado para a apuração da prática de possíveis delitos de sonegação fiscal, dentre outros, cometidos por administradores da empresa na qual a paciente trabalhava. No caso concreto, alegava-se a ineficácia da medida de seqüestro, pelo não-ajuizamento da ação penal no prazo referido no inciso I do art. 131 do CPP; a ausência de fundamento para a decretação da prisão em seu prazo máximo; a impossibilidade de depósito de bem fungível e, ainda, a perda da natureza de prisão civil. A Turma, entendendo indispensável a intimação da paciente para a apresentação do bem depositado, e, conseqüentemente, da ameaça de prisão - o que não fora possível na espécie - e tendo em conta, ainda, o disposto no Pacto de São José da Costa Rica, que não permite a prisão civil, senão nas hipóteses de inadimplemento de obrigação alimentar, considerou caracterizada a violação ao devido processo legal, uma vez que não teria sido oportunizado prazo para a defesa. Ressaltou-se, ademais, que, em se tratando de medida cautelar, o não-cumprimento do prazo legal para a propositura das ações cabíveis implicaria a ineficácia da medida, pelo desaparecimento do título de infidelidade do depositário, além da desmotivação e irrazoabilidade da decretação da prisão no seu prazo máximo. Vencidos os Ministros Carlos Britto, relator, e Joaquim Barbosa, que conheciam em parte do habeas corpus - deixando de conhecer quanto à questão relativa ao não-ajuizamento da ação penal, porquanto não suscitada perante o STJ- e, na parte conhecida, na linha da jurisprudência firmada na Corte, o indeferiam por reconhecerem como inequívoca a ciência da paciente quanto à incumbência e os efeitos do múnus público que assumira - tanto assim que, furtando-se do recebimento da intimação, impetrara habeas corpus perante o TRF da 3ª Região -, tendo, inclusive, sido assistida por advogados quando aceitara o encargo de depositária, salientando, ainda, a existência de motivação para a prisão no prazo máximo e a possibilidade do depósito de bem fungível, também nos termos da orientação firmada no STF (CPP, art. 131: "O seqüestro será levantado: I - se a ação penal não for intentada no prazo de sessenta dias, contado da data em que ficar concluída a diligência;").
HC 83.416-SP, rel. orig. Min. Carlos Britto, red. p/ acórdão, Cezar Peluso, 14.10.2003.(HC-83416)
Ausência de Defesa Técnica e Nulidade
A Turma, por maioria, deferiu habeas corpus impetrado por defensor público, em favor de condenada pela prática de "jogo do bicho", por considerar evidenciado o constrangimento ilegal, decorrente da ausência de defesa técnica - uma vez que o advogado constituído pela paciente confessara o delito antes de a mesma ser interrogada, pleiteando a sua condenação no mínimo legal - e do cerceamento de defesa, em razão da falta de intimação pessoal do defensor, conforme prevê o § 2º do art. 5º da Lei 1.060/50, dado que os autos somente foram encaminhados à Defensoria Pública após o trânsito em julgado da decisão condenatória. Vencido em parte o Min. Carlos Britto, relator, o qual, entendendo que a confissão pelo advogado - constituído pela paciente para a sua defesa em várias outras ações penais - tratar-se-ia de estratégia da defesa, ficando afastado, portanto, o alegado constrangimento, deferia parcialmente o writ, apenas para declarar a nulidade da certidão de trânsito em julgado da ação penal, determinando a intimação pessoal do defensor público da decisão que mantivera a condenação. O Min. Carlos Britto, salientou, também, em seu voto, que, se a circunstância de o defensor não requerer a absolvição ensejasse, necessariamente, nulidade absoluta, estar-se-ia dando margem à prática proposital do requerimento da condenação do cliente, com o intuito de posterior invocação de nulidade. HC deferido, determinada a anulação do processo a partir da audiência.
HC 82.672-RJ, rel. orig. Min. Carlos Britto, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 14.10.2003.(HC-82672)
SEGUNDA TURMA
Sindicância pelo Ministério Público e Denúncia
É admissível o oferecimento de denúncia pelo Ministério Público pela prática de crimes de abuso sexual contra menores, fundada em elementos colhidos em sindicância instaurada com base no art. 201, VII, do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. Com base nesse entendimento, e tendo em conta, ainda, a desnecessidade da instauração do inquérito penal quando o parquet dispõe de indícios suficientes acerca da autoria e da materialidade do delito, a Turma indeferiu habeas corpus,em que se pretendia o trancamento de duas ações penais instauradas contra diretor de entidade de amparo a menores, sob a alegação de que o Ministério Público usurpara atribuições da polícia judiciária, ao instaurar sindicância administrativa para averiguar a ocorrência dos ilícitos penais. (art. 201: "Compete ao Ministério Público: ... VII - instaurar sindicâncias, requisitar diligências investigatórias e determinar a instauração de inquérito policial, para apuração de ilícitos ou infrações às normas de proteção à infância e à juventude;").
HC 82.865-GO, rel. Ministro Nelson Jobim, 14.10.2003.(HC-82865)
CPP, art. 411: Obrigatoriedade do Recurso de Ofício
A Turma, tendo em conta a obrigatoriedade da interposição do recurso de ofício da decisão que absolver desde logo o réu (CPP, art. 411), negou provimento a recurso ordinário em habeas corpus, em que se sustentava a nulidade da decisão que restabelecera a sentença de pronúncia. No caso concreto, o juiz, após haver pronunciado o recorrente, reconhecera a insanidade mental do mesmo e, em virtude disso, absolvera-o sumariamente, sem interpor o recurso legal, que somente fora apresentado quando da cientificação do integral cumprimento da medida de segurança - sendo tal recurso acolhido pelo Tribunal de Justiça local. Ressaltou-se que a sentença de pronúncia, ao importar em juízo positivo de admissibilidade da imputação penal, gera efeito de índole processual de modo a torná-la imutável em relação ao órgão judiciário que a prolatou, à exceção do disposto no art. 416, do CPP ("Passada em julgado a sentença de pronúncia, que especificará todas as circunstâncias qualificativas do crime e somente poderá ser alterada pela verificação superveniente de circunstância que modifique a classificação do delito, o escrivão imediatamente dará vista dos autos ao órgão do Ministério Público , pelo prazo de cinco dias, para oferecer o libelo acusatório.").
RHC 82.550-RJ, rel. Min. Celso de Mello, 14.10.2003.(RHC-82550)