Informativo do STF 294 de 13/12/2002
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
Adoção Simples e CF/88
Concluído o julgamento de recurso extraordinário em que se discutia a recepção do art. 1.618 do Código Civil, que prevê a inexistência de direito de sucessão entre o adotado e os parentes do adotante, em face do § 6º do artigo 227 da CF/88 ("Os filhos havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação"). Tratava-se, na espécie, de recurso extraordinário em que se pretendia a inclusão de parente da adotante (pré-falecida) na sucessão de adulto adotado anteriormente à CF/88, com a exclusão dos irmãos consangüíneos do de cujus (v. Informativos 179 e 290). O Tribunal, por maioria, embora acompanhando a conclusão do voto do Min. Néri da Silveira, relator, decidiu não conhecer do recurso, mas por fundamento diverso, qual seja, o de que os efeitos patrimoniais decorrentes da adoção simples se exauriram quando do falecimento da adotante, ocorrido anteriormente à promulgação da CF/88, não se podendo pretender que o alcance da equiparação constitucional fosse aplicado de imediato, visto que criaria efeitos futuros de fatos que já se consumaram no passado. Vencido o Min. Marco Aurélio, que conhecia do recurso extraordinário e o provia para, reformando o acórdão impugnado, declarar como herdeiros os novos parentes.
RE 196.434-SP, rel. Min. Néri da Silveira, 11.12.2002. (RE-196.434)
Extradição: Princípio da Dupla Tipicidade
O Tribunal, por maioria, deferiu em parte pedido de extradição requerido pelos Estados Unidos da América, decorrente de dois mandados de prisão, afastando a possibilidade de o extraditando responder pelo crime de conspiração nos autos da pronúncia do Tribunal Distrital Central da Califórnia uma vez que, para corresponder ao crime de quadrilha previsto na legislação brasileira, seria necessária a associação criminosa de mais de três pessoas, o que não houve na espécie. Vencidos em parte os Ministros Maurício Corrêa, Ilmar Galvão e Sepúlveda Pertence, que estendiam a restrição ao crime de conspiração nos autos do processo perante a justiça de Nova Iorque, por entenderem que o delito de conspiração, como previsto na legislação norte-americana, caracteriza-se como simples ajuste, não havendo a correspondência com o crime de quadrilha, que exige a permanência da associação para a prática de número indeterminado de crimes. Vencido, ainda, o Min. Celso de Mello, que restringia o deferimento do pedido apenas quanto ao mandado de prisão emanado da justiça de Nova Iorque, por entender que a segunda ordem de prisão, proveniente da justiça da Califórnia, decorrera da utilização indevida de declarações do extraditando em interrogatório feito por policiais federais norte-americanos no Brasil, não autorizada pelo próprio extraditando.
Extradição 830-EUA, rel. Ministra Ellen Gracie, 11.12.2002. (EXT-830)
Promoção por Antigüidade: Recusa Fundamentada
Deferido mandado de segurança para anular sessão administrativa do Plenário do TRF da 4ª Região na qual fora escolhido o juiz a ser indicado ao Presidente da República para nomeação, pelo critério da antiguidade, em vaga de desembargador federal. Considerou-se que a recusa do juiz federal mais antigo para a promoção pelo critério da antiguidade, tal como ocorrera na espécie, deve ser devidamente fundamentada, a teor do art. 93, X, da CF ("as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros;"). Precedente citado:
RE 235.487-RO (DJU de 21.6.2002). MS 24.305-DF, Min. Gilmar Mendes, 11.12.2002. (MS-24305)
IPI: Alíquota Zero e Creditamento
Iniciado o julgamento de recursos extraordinários nos quais se discute se há ou não o direito ao creditamento do IPI na utilização de insumos tributados à alíquota zero. Sustenta a União que, se nada foi cobrado na operação anterior, não há o que compensar na operação subseqüente, e que o reconhecimento de tal creditamento ofenderia o art. 153, § 3º, II, da CF. O Min. Nelson Jobim, relator, reconhecendo a similaridade entre a hipótese de insumo sujeito à alíquota zero e a de insumo isento, entendeu aplicável à presente controvérsia orientação firmada pelo Plenário no RE 212.484-RS, no sentido de que a aquisição de insumo isento de IPI gera direito ao creditamento do valor do imposto que teria sido pago caso não houvesse a isenção. Após, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Min. Ilmar Galvão.
RE 350.446-PR e RE 353.668-PR, rel. Min. Nelson Jobim, 12.12.2002. (RE-350446) (RE-353668)
Crime de Racismo: Alcance
Iniciado o julgamento de habeas corpus em que se discute o alcance da expressão "racismo", contida no inciso XLII do art. 5º ("a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;"). Trata-se, na espécie, de habeas corpus impetrado em favor de paciente, condenado como incurso no art. 20 da Lei 7.716/89 (na redação dada pela Lei 8.081/90) pelo delito de discriminação contra os judeus, por ter, na qualidade de escritor e sócio de editora, publicado, distribuído e vendido ao público obras anti-semitas, delito este ao qual foi atribuído a imprescritibilidade prevista no art. 5º, XLII, da CF. O Min. Moreira Alves, relator, considerando que os judeus não são uma raça e, portanto, não se pode qualificar o crime de discriminação pelo qual o paciente foi condenado como delito de racismo, proferiu voto no sentido de deferir a ordem para declarar a extinção da punibilidade do paciente pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado. Após, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Min. Maurício Corrêa.
HC 82.424-RS, rel. Min. Moreira Alves, 12.12.2002. (HC-82424)
PIS e COFINS: Conceito de Faturamento
Iniciado o julgamento de recurso extraordinário em que se questiona a constitucionalidade das alterações promovidas pela Lei 9.718/98, lei de conversão da MP 1.724/98, que modificou a base de cálculo da COFINS e do PIS, cujo art. 3º, § 1º, define o conceito de faturamento ("Art. 3º O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica. § 1º. Entende-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas."). Trata-se, na espécie, de recurso extraordinário interposto por contribuinte - contra acórdão do TRF da 4ª Região que dera pela constitucionalidade da Lei 9.718/98, determinando a observância do prazo nonagesimal a partir da edição da Medida Provisória 1.724, de 29.10.98 -, em que se alega a inconstitucionalidade do § 1º do art. 3º da Lei 9.718, de 27.11.98, em face da redação original do art. 195, I, da CF, sustentando que, até a data da promulgação da Emenda Constitucional 20, de 15.12.98, que deu nova redação ao referido dispositivo constitucional, o PIS e a COFINS somente poderiam ser cobrados sobre o "faturamento" assim entendido como a renda obtida das vendas de mercadorias e serviços. Em síntese, alega-se a impossibilidade de uma lei, inconstitucional na origem, receber, durante a vacatio legis, o embasamento constitucional que lhe faltava antes de sua entrada em vigor, infirmando, portanto, a convalidação do art. 3º da Lei 9.718/98 pela EC 20/98 - que, alterando a redação do art. 195 da CF, introduzira a receita como base de cálculo -, pois ao tempo da edição da Lei não se havia procedido à alteração constitucional. O Min. Ilmar Galvão, relator, entendendo que, na vacatio legis, a lei pode receber o embasamento constitucional que lhe falta e que o conceito de faturamento pode ser alterado por lei ordinária, proferiu voto no sentido de conhecer em parte do recurso extraordinário e lhe dar provimento para - considerando que a referida Lei 9.718/98, resultante da conversão da MP 1.724/98, fora editada para viger a partir de fevereiro de 1999, data em que veio a EC 20/98 a emprestar-lhe o embasamento constitucional que carecia - fixar o dia 1º/2/99 como termo inicial para a contagem do prazo nonagesimal. Após, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Min. Gilmar Mendes.
RE 346.084-PR, rel. Min. Ilmar Galvão, 12.12.2002. (RE-346084)
PRIMEIRA TURMA
Embriaguez ao Volante e Ação Penal
É de ação penal pública incondicionada o crime de embriaguez ao volante previsto no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro - CTB ("Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem."), visto se tratar de crime de perigo, cuja consumação independe da ocorrência de lesão corporal em outrem, e ter como objeto jurídico a incolumidade pública e não pessoa determinada. Com base nesse entendimento e considerando que o art. 291, caput, do CTB determinara a aplicação da Lei 9.099/95 aos crimes cometidos na direção de veículos automotores apenas no que couber, a Turma negou provimento a recurso ordinário em habeas corpus no qual se sustentava que o mencionado delito seria de ação penal pública condicionada à representação do ofendido, em face do disposto no parágrafo único do art. 291 do referido Código ("Aplicam-se aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa, de embriaguez ao volante, e de participação em competição não autorizada o disposto nos arts. 74, 76 e 88 da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995.")
RHC 82.517-CE, rel. Min. Ellen Gracie, 10.12.2002. (RHC-82517)
Arquivamento de Inquérito
O pedido de arquivamento de inquérito, fundado na ausência de elementos informativos para o oferecimento da denúncia, requerido pelo Procurador-Geral da República, é irrecusável pelo órgão judiciário. Com base nesse entendimento, a Turma deferiu habeas corpus para determinar o trancamento do Inquérito 329 do STJ - que investigava supostas irregularidades na conta de governador de Estado que poderiam indicar o seu envolvimento no desvio de verba para financiamento de campanha eleitoral para reeleição -, cujo relator ordenara diligências probatórias complementares após o pedido de arquivamento formulado pelo Vice-Procurador-Geral da República que, por delegação do Procurador-Geral da República, substituíra anterior Subprocurador da República que se declarara impedido por razões de foro íntimo. A Turma salientou que a delegação do Procurador-Geral da República a Vice-Procurador-Geral da República para oficiar em inquérito policial em curso no STJ equivale à atuação do primeiro, para efeito do art. 28, in fine, do CPP (" Se o Órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender").
HC 82.507-SE, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 10.12.2002. (HC-82507)
Extradição e Condenação Diversa
A Turma, por maioria, deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus para assegurar à recorrente o direito à progressão ao regime semi-aberto - já deferido pelo STF no pedido de extensão no HC 73.752-RJ (DJU de 7.12.2000) - que fora recusado pelo Presidente Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que, entendendo haver equívoco no cálculo da pena, retificara a sanção aplicada para incluir outra condenação da recorrente em ação penal diversa, proveniente de vara da Justiça Federal. Entendeu-se que o acordo de extradição, mediante o qual a recorrente fora extraditada para o Brasil, restringia-se somente aos delitos praticados na ação penal em curso naquele Tribunal de Justiça, impedindo a inclusão de outra condenação, ainda que transitada em julgado. Vencidos os Ministros Moreira Alves e Ellen Gracie, que concediam habeas corpus de ofício, julgando prejudicado o recurso ordinário, por entenderem que os elementos para dar provimento ao recurso foram obtidos a partir de informações complementares solicitadas pelo Min. Ilmar Galvão, relator.
RHC 81.793-RJ, rel. Min. Ilmar Galvão, 10.12.2002. (RHC-81793)
SEGUNDA TURMA
Furto praticado por Militar: Competência
Considerando que a subtração de cartão de crédito e respectiva senha, com o conseqüente saque de determinada quantia da conta corrente da vítima, caracteriza-se como crime de furto e não de estelionato, pois acarreta prejuízos ao proprietário do referido cartão e não à instituição bancária, a Turma confirmou acórdão do STM que decidira pela competência da justiça militar para julgar a mencionada conduta, porque praticada por militar contra civil em lugar sujeito à administração militar. A Turma, no entanto, concedeu em parte pedido de habeas corpus para anular o acórdão recorrido no ponto em que recebera denúncia - inicialmente rejeitada por juiz-auditor sob o fundamento de que a competência seria da justiça comum pela circunstância de ter sido o furto crime-meio para a consecução de estelionato - por configurar supressão de instância.
HC 82.339-RJ, rel. Min. Maurício Corrêa, 10.12.2002. (HC-82339)
Pedido de Arquivamento de Notícia-Crime
Retomando o julgamento de habeas corpus impetrado em favor de desembargador contra acórdão do STJ (v. Informativo 289) - que, tendo em conta a instauração de incidente de inconstitucionalidade do artigo 48, inciso II, § único da LC 75/93 em face do princípio do promotor natural, não determinara o arquivamento de notícia-crime, requerido pelo Subprocurador-Geral por delegação do Procurador-Geral da República - , a Turma julgou prejudicado o writ, por perda do objeto, tendo em vista o deferimento pelo STJ do pedido de arquivamento da notícia-crime.
HC 81.990-PE, rel. Min. Carlos Velloso, 10.12.2002. (HC-81990)
Convenção Coletiva e Política Salarial
Entendendo incorreta a premissa que integrou a ratio decidendi do julgamento do recurso extraordinário, a Turma, por maioria, conferiu efeitos modificativos a embargos declaratórios, reformando o acórdão embargado - que, ante as peculiaridades do caso concreto, afastara a incidência da Lei 8.030/90 (Plano Collor I) ao que decidido em convenção coletiva, pela existência de cláusula expressa no sentido de não ser aplicada eventual lei menos favorável -, para assentar que não há distinção entre este caso e os precedentes da Corte no sentido de que cláusulas estipuladas em convenção coletiva de trabalho não prevalecem ante leis posteriores de política salarial que disciplinem a matéria de forma diversa da convenção. Em conseqüência, decidiu-se pela necessidade de correção da premissa adotada, contrária à jurisprudência do STF, para assentar que prevalece a lei federal instituidora de nova política salarial em face de cláusula de acordo coletivo anterior sobre a matéria. Vencidos os Ministros Celso de Mello e Carlos Velloso, que acolhiam em parte os embargos, apenas para o fim específico de esclarecer que o acórdão embargado decidira prevalecer a cláusula 4ª e seu parágrafo único da Convenção Coletiva de Trabalho, e não a Lei 8.030/90. Leia na Seção de Transcrições deste Informativo o inteiro teor do voto condutor da decisão. RE (ED) 194.662-BA, rel. Min. Marco Aurélio, redator p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, 10.12.2002. (RE-194662)
Associação e Legitimidade Ativa
Retomado o julgamento de agravo regimental em agravo de instrumento em que se discute a legitimidade ativa de associação para ajuizar ação civil pública na defesa de direitos individuais homogêneos de contribuintes. O Min. Carlos Velloso, relator, proferiu voto no sentido de negar provimento ao agravo em face da ausência de prequestionamento da matéria constitucional e da ocorrência de ofensa reflexa à CF. De outro lado, o Min. Gilmar Mendes, entendendo prequestionada a questão objeto da controvérsia, proferiu voto-vista no sentido de dar provimento ao agravo regimental e desde logo ao recurso extraordinário para julgar procedente a ação rescisória intentada contra acórdão do TRF da 4ª Região - que confirmara sentença proferida em ação civil pública ajuizada pela Associação Paranaense de Defesa do Consumidor (APADECO), garantindo aos contribuintes paranaenses a restituição do empréstimo compulsório sobre aquisição de combustíveis, instituído pelo DL 2.288/86 - por entender que, em face da orientação firmada pelo STF no sentido de que não há relação de consumo entre o contribuinte de tributo e o poder público, é inviável a legitimação da associação para apresentar ação civil pública na defesa de contribuintes, pois tal entidade tem como finalidade, em seu estatuto, promover a defesa do consumidor. Após, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Min. Nelson Jobim. AI (AgR) 382.298-RS, rel. Min. Carlos Velloso, 10.12.2002. (AI-382298)