Jurisdição voluntária

Conceito

Seguindo a tripartição de funções oriunda da aplicação do princípio da separação de poderes, a atividade jurisdicional é aquela desempenhada, originalmente, pelo Poder Judiciário. 

A jurisdição é o dever de dizer o Direito diante de um conflito de interesses posto à apreciação daquele órgão/ente dotado de poder jurisdicional, cabendo ao julgador dar ao caso a melhor e mais justa solução diante da situação apresentada. 

Enquanto parte do poder estatal, a jurisdição é una e indivisível, ou seja, existe apenas uma função jurisdicional no Brasil, a qual aplica o Direito de vigente de forma uniforme e coerente (THEODORO, 2021). Todavia, por questões organizacionais, admite-se a sua divisão em algumas espécies.

Uma das espécies de jurisdição admitida pela legislação processual é a jurisdição voluntária, essa prevista nos arts. 719 a 725, CPC.

Em regra, as situações que demandam uma atuação jurisdicional envolvem um conflito e interesses postos em lados antagônicos sobre um mesmo bem jurídico. 

Não obstante, podem acontecer hipóteses nas quais as partes estão do mesmo lado e consentem sobre seus rumos e direitos, porém, precisam de homologação jurisdicional para terem segurança jurídica na solução desenhada pelos próprios envolvidos.

Nas situações de jurisdição voluntária, a tutela jurisdicional pretendida e ofertada se dá muito mais de uma forma homologatória, ou seja, pela ratificação do que é proposto pelos próprios interessados. 

Assim, atua o órgão/ente jurisdicional como um administrador dos interesses privados, sendo que, uma vez verificados os requisitos legais mínimos para aquela situação (ou seja, se o que é proposto não agride as regras do ordenamento jurídico), é conferida a validade judicial para a situação.

Nestes casos, como não há uma pretensão resistida, não se fala em lide tampouco em partes, mas apenas interessados/envolvidos. Da mesma forma, a decisão proferida fará, meramente homologatória, produz apenas coisa julgada formal (DIDIER JUNIOR, 2021). 

Nesse sentido, veja-se a lição da doutrina:

“Na jurisdição voluntária, o magistrado atua como se fosse um administrador , sendo semelhante à atuação de representantes do Estado na função executiva ou administrativa. [...]  Alguns doutrinadores afirmam que na jurisdição voluntária, também denominada graciosa ou administrativa , não temos partes, mas interessados ; não temos processo, mas tão somente procedimento”. (MONTENEGRO, 2019).

De acordo com o Código de Processo Civil atual, são casos de jurisdição voluntária (art. 725):

  • (i) Emancipação;
  • (ii) Sub-rogação;
  • (iii) Alienação, arrendamento ou oneração de bens de crianças ou adolescentes, de órfãos e de interditos;
  • (iv) Alienação, locação e administração da coisa comum;
  • (v) Alienação de quinhão em coisa comum;
  • (vi) Extinção de usufruto, quando não decorrer da morte do usufrutuário, do termo da sua duração ou da consolidação, e de fideicomisso, quando decorrer de renúncia ou quando ocorrer antes do evento que caracterizar a condição resolutória;
  • (vii) Expedição de alvará judicial; e
  • (viii) Homologação de autocomposição extrajudicial, de qualquer natureza ou valor.

Em que pese a função jurisdicional nestas situações seja meramente homologatória, a sentença pode ser objeto de apelação (art. 724, CPC), especialmente se esta se posiciona pela não-ratificação do pedido apresentado pelas partes interessadas.

Referências principais

  • CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 7ª ed., Rio de Janeiro: Atlas, 2021.
  • DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento. 23 ed., Salvador: JusPodivm, 2021.
  • DIDIER JUNIOR, Fredie. Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2 ed., rev. atual. e ampl., coord. Antonio do Passo Cabral, Ronaldo Cramer. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
  • DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 24 ed., São Paulo: Atlas, 2021.
  • MONTENEGRO FILHO, Misael. Direito Processual Civil. 14. ed., Rio de Janeiro: Atlas, 2019.
  • GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume I: parte geral. 19 ed., São Paulo: Saraiva, 2021.
  • THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil vol.1. 62 ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 2021.
  • WAMBIER, Luiz Rodrigues. TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: Teoria Geral do Processo vol 1. 20 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.
  • WAMBIER, Luiz Rodrigues. ALVIM, Teresa Arruda. Temas Essenciais do novo CPC: análise das principais alterações do sistema processual civil brasileiro, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.
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