Jurisprudência STM 7000297-60.2021.7.00.0000 de 06 de julho de 2023
Publicado por Superior Tribunal Militar
Relator(a)
LEONARDO PUNTEL
Revisor(a)
JOSÉ COÊLHO FERREIRA
Classe Processual
APELAÇÃO CRIMINAL
Data de Autuação
29/04/2021
Data de Julgamento
31/05/2023
Assuntos
1) DIREITO PENAL MILITAR,CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO,ESTELIONATO E OUTRAS FRAUDES,ESTELIONATO. 2) DIREITO PENAL,FATO ATÍPICO. 3) DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO,PROCESSO E PROCEDIMENTO,PROVAS,DEPOIMENTO.
Ementa
APELAÇÕES. DPU E DEFESA CONSTITUÍDA. ART. 251 DO CPM. ESTELIONATO. COAUTORIA. CONTINUIDADE DELITIVA. OPERAÇÃO CARRO PIPA. SERVIÇO REALIZADO POR TERCEIROS. AUSÊNCIA DE PROVAS. NÃO COMPROVAÇÃO. VANTAGEM ILÍCITA EM PREJUÍZO DA ADMINISTRAÇÃO MILITAR. CREDENCIAMENTO FRAUDULENTO DE PIPEIROS. PRESTAÇÃO FRAUDULENTA DE CONTAS. ASSINATURAS FALSIFICADAS. RECEBIMENTO INDEVIDO DE PAGAMENTOS. SERVIÇOS NÃO PRESTADOS. COMPROVAÇÃO. RECURSOS NÃO PROVIDOS. DECISÃO MAJORITÁRIA. 1. Os autos demonstraram a existência da perpetração de vários estelionatos na prestação de contas de civis cadastrados como motoristas de caminhão em contratos no âmbito da Operação Carro Pipa, consistentes em falsidades de assinaturas e duplicidade de processos, as quais geraram pagamentos indevidos por parte da Administração Militar. As falsidades documentais e ideológicas contidas nos processos de prestação de contas e pagamento da Administração Militar foram comprovadas por Laudo de Perícia Criminal Federal, bem como por Perícia de Avaliação Administrativo-Contábil. 2. A imputação descrita na denúncia restou suficientemente provada nos autos, que demonstram que parcela dos réus agiram como verdadeiros motoristas de fachada, participando da simulação de contratos de locação de veículo; fornecendo documentos pessoais e dados de contas bancárias; emitindo procurações com a finalidade de cadastrar veículos ligados à duas Acusadas, as quais encabeçaram e organizaram a empreitada criminosa no âmbito da Operação Carro Pipa e, após a prestação fraudulenta de contas, eivada por assinaturas falsas, receberam do Exército dinheiro por serviços que não executaram. 3. As condutas se amoldaram perfeitamente ao tipo penal do art. 251 do CPM, que tipifica o crime de estelionato, consistente na obtenção de vantagem ilícita, em prejuízo alheio, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento. 4. A sentença mostrou-se escorreita e em harmonia com as provas constantes dos autos, sendo corretamente constatada a presença da continuidade delitiva, na forma do art. 71 do Código Penal, haja vista as condições de tempo, lugar e maneira de execução dos delitos. 5. Embora não se descarte o possível envolvimento de militares no conluio para a prática dos crimes perpetrados pelos envolvidos, especialmente por existirem documentos adulterados e assinaturas falsificadas que eram de trâmite interno da OM, a não identificação desses possíveis co-autores e/ou partícipes não impede a responsabilidade penal dos envolvidos, pois restou amplamente demonstrada a pratica da fraude por aqueles que foram identificados, os quais eram os destinatários finais dos valores recebidos indevidamente em razão do engodo aplicado. 6. A tese Defensiva de efetiva prestação do serviço por interposta pessoa e ausência de prejuízo à Administração Militar não encontrou respaldo nos autos. Embora tenha aduzido que as águas foram entregues por terceira pessoa, a Defesa não logrou comprovar a alegação e sequer trouxe aos autos os supostos motoristas entregadores em sua produção probatória, tratando-se de meras alegações desacompanhadas de provas. 7. O aproveitamento das facilidades proporcionadas por militares envolvidos no esquema fraudulento e da desorganização administrativa da OM para o auferimento de valores, por si, já demonstra a acentuada má-fé dos envolvidos, em especial daquelas que encabeçaram o esquema criminoso. Não bastasse, a existência de pipeiro que sequer possuia habilitação para dirigir caminhão, requisito básico exigido para figurar como credenciado no contrato perante a Administração Militar, reforça o elevado nível da fraude perpetrada. 8. As condutas das Acusadas se amoldam, perfeitamente, ao tipo penal do art. 251 do CPM. Restou perfeitamente delineado nos autos que elas arquitetaram o esquema criminoso e, para tanto, arregimentaram os demais acusados para serem cadastrados como motoristas pipeiros junto ao programa Operação Carro Pipa, recebendo vultosas quantias depositadas pela Administração Militar que, ludibriada tanto no cadastramento quanto na prestação de contas, efetuava os pagamentos indevidos. 9. Quanto aos demais envolvidos, viu-se que eles assinaram procurações, entregaram documentos, tiraram fotos junto aos veículos cadastrados, forneceram seus dados bancários e receberam as quantias depositadas em suas contas, efetuando o repasse às Acusadas, retendo uma parte. 10. Embora não haja provas de que as assinaturas falsificadas constantes dos processos de prestação de contas tenham sido realizadas diretamente pelos Acusados, tal comprovação se mostrou dispensável, pois para a caracterização do crime no qual foram os Acusados incursos, bastaria a comprovação do prejuízo alheio mediante fraude, artifício ou ardil, o que efetivamente restou demonstrado. 11. Os crimes praticados na modalidade tentada também restaram suficientemente comprovados, na medida em que os pagamentos de processos identificados como duplicados somente foram barrados em virtude de terem sido identificadas as irregularidades por parte da Administração Militar, que procedeu ao bloqueio dos repassasse (glosa) dos valores, circunstâncias essas alheias à vontade dos Acusados. 12. As penas aplicadas se mostraram razoáveis e proporcionais para responder aos injustos penais praticados. Valendo-se da discricionariedade motivada, o magistrado, fundamentadamente, sopesou, em desfavor de todos os Acusados, a circunstância judicial prevista no art. 69 do CPM, atinente à maior extensão do dano – em virtude da inexecução dos serviços de entrega de águas que vitimou a sociedade como um todo, mas especialmente várias comunidades necessitadas no interior do estado do Ceará, ressaltando que, à época dos crimes, a região Nordeste foi castigada com a seca mais longa da história do Brasil –, e, deste modo, fez incidir o aumento da pena base de todos os Acusados. 13. É cediço que não existem regras objetivas ou mesmo critérios matemáticos para a fixação da pena-base na primeira fase da dosimetria, de modo que o acréscimo à pena mínima decorre da avaliação negativa das circunstâncias judiciais previstas no art. 69 do CPM – segundo o livre convencimento do Juiz, após analisar todo arcabouço fático-probatório dos autos, mas sempre em obediência aos critérios de proporcionalidade e da ponderação das circunstâncias do crime –, devendo a pena ser mantida quando não ofenda a dispositivos legais. 14. Em atenção à jurisprudência do STJ, em se tratando de crimes de mesma espécie, a continuidade delitiva deve ser reconhecida com a soma dos delitos, tanto consumados quanto tentados, devendo-se, entretando, utilizar como base a pena mais grave correspondente ao estelionato consumado e a tentativa somente como causa de aumento da fração relacionada à continuidade, desconsiderando a causa de diminuição do art. 14 do CP comum. 15. Seguindo os parâmetros fixados pela Jurisprudência do STM e do STJ, a fração de aumento relativa à continuidade delitiva deve ser estabelecida utilizando-se o critério de exasperação da pena prevista no art. 71 do CP, da seguinte forma: um sexto (1/6) para a prática de 2 (duas) infrações; um quinto (1/5) para 3 (três) infrações; um quarto (1/4) para 4 (quatro) infrações; um terço (1/3) para 5 (cinco) infrações; um meio (1/2) para 6 (seis) infrações; e dois terços (2/3) para 7 (sete) ou mais infrações. 16. Aos agentes que organizam, ou promovem a cooperação no crime ou dirigem a atividade dos demais agentes e possuem o domínio jurídico dos fatos, deve ser reconhecida a circunstância agravante prevista art. 53, §2º, I, do CPM. 17. Como efeito da condenação, afigura-se correta a imposição da obrigação solidária dos envolvidos de repararem os danos sofridos pela União, nos termos do art. 109, incisos I e II, "b", do CPM c/c o art. 942 do Código Civil. Destarte, embora não haja insurgência quanto a este ponto específico, os autos fornecem elementos suficientes para a fixação dos valores nos patamares estabelecidos para a reparação do dano, de modo que o montante estabelecido é proporcional e adequado, equivalendo ao prejuízo material oriundo das práticas criminosas, suportado pela Administração Militar, coincidente com as tabelas de valores amparadas por Laudo Pericial. 18. Verificado erro meramente material na dosimetria, a pena deve ser readequada ao devido patamar. Precedente do STM. Apelos não providos. Decisão majoritária.