Informativo do STJ 598 de 29 de Marco de 2017
Publicado por Superior Tribunal de Justiça
CORTE ESPECIAL
EREsp 1.157.628-RJ , Rel. Min. Raul Araújo, por maioria, julgado em 7/12/2016, DJe 15/2/2017.
DIREITO ADMINISTRATIVO
Servidor público. Remoção. Resistência da administração pública. Teoria do fato consumado. Inaplicabilidade.
A "teoria do fato consumado" não pode ser aplicada para consolidar remoção de servidor público destinada a acompanhamento de cônjuge, em hipótese que não se adequa à legalidade estrita, ainda que tal situação haja perdurado por vários anos em virtude de decisão liminar não confirmada por ocasião do julgamento de mérito.
Busca-se a uniformização do entendimento no STJ quanto à aplicação da "teoria do fato consumado" para consolidar remoção ilegal de servidor público, concedida com fundamento em provimento judicial de natureza precária, não mais em vigor. A fim de indicar a divergência entre órgãos julgadores do STJ, aduz-se como acórdão paradigma o AgRg no REsp 1.453.357-RN (Segunda Turma, DJe 9/10/2014), segundo o qual a "teoria do fato consumado visa preservar não só interesses jurídicos, mas interesses sociais já consolidados, não se aplicando, contudo, em hipóteses contrárias à lei, principalmente quando amparadas em provimento judicial de natureza precária". Em uma primeira linha, a teoria do fato consumado tem sido aplicada, no âmbito judicial, para as hipóteses em que, pela própria lei da natureza, não haveria como desfazer os acontecimentos decorrentes do ato viciado. Também tem sido reconhecida a incidência da teoria do fato consumado nas hipóteses em que a Administração permite, por vários anos, a permanência de situação contrária à legalidade estrita, atribuindo ares de legalidade a determinada circunstância, e, assim, fazendo crer que as pessoas agem de boa-fé, conforme o direito. Nessa perspectiva, a teoria do fato consumado guarda íntima relação com a convalidação dos atos administrativos, atualmente regulada pelo artigo 54 da Lei n. 9.784/99. Quanto aos comportamentos das partes ao longo do tempo, faz-se necessário, para que se tenha por aplicável a teoria do fato consumado, distinguir duas situações que podem ocorrer quando se pratica um ato equivocado. A primeira situação corresponde à hipótese em que um ato contrário à lei é praticado sem dolo e sem contestação, tendo vigência por anos a fio, e assim atribuindo à situação fática ares de legalidade, atraindo para si o valor da segurança jurídica. Há, nesses casos, de ser preservada a estabilidade das relações geradas pelo ato inválido, cuja regularidade manteve-se inconteste por anos, fazendo convalescer o vício que originalmente inquinava sua validade. Protege-se, com isso, a boa-fé e o princípio da confiança legítima do administrado, a ela associado. Situação diversa é aquela em que determinado ato é praticado sob contestação das pessoas envolvidas, que o reputam irregular e manifestam a existência de tal irregularidade nas vias adequadas, mas que, por causa da demora no transcurso do procedimento destinado à apuração da legalidade do ato, termina por gerar efeitos no mundo concreto. Nessa última hipótese, verificada ou confirmada a ilegalidade, sendo ainda possível, o ato deve ser desfeito, preservando-se apenas aquilo que, pela consolidação fática irreversível, não puder ser restituído ao status quo ante. Mesmo nesses casos, se ficar configurado prejuízo decorrente do fato irreversível, deve ser ressalvada à parte prejudicada o direito de exigir perdas e danos. E, embora se reconheça o relevante valor social da família, cuja proteção encontra-se determinada pela própria Constituição Federal, o STF já assentou que o artigo 226 da Lei Fundamental não é motivo suficiente, por si só, para garantir ao servidor o direito a lotação na cidade em que possui vínculos afetivos. Por outro lado, a remoção de servidor fora das hipóteses legais termina por desbalancear o quadro de lotação dos órgãos públicos, retirando da Administração a discricionariedade que a lei lhe outorgou na distribuição de sua força de trabalho, segundo as reais necessidades do serviço público. A teoria do fato consumado não se presta, assim, para mitigar a interpretação do art. 36, III, "a", da Lei n. 8.112/90, assegurando ao servidor lotação para acompanhamento de cônjuge fora da estrita moldura normativa. Não se deve perder de vista que a teoria do fato consumado é de aplicação excepcional e deve ser adotada com cuidado e moderação, para que não sirva de mecanismo para premiar quem não tem direito pelo só fato da demora no julgamento definitivo da causa em que fora deferida uma decisão liminar, cuja duração deve ser provisória por natureza. Com essas considerações, tem-se por inaplicável a teoria do fato consumado para consolidar remoção destinada a acompanhamento de cônjuge, em situação que não se adéqua à legalidade estrita, mitigando a interpretação do artigo 36, III, "a", da Lei n. 8.112/90, ainda que tal situação haja perdurado por vários anos em virtude de decisão liminar não confirmada quando do julgamento de mérito.
MS 21.991-DF , Rel. Min. Humberto Martins, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, por maioria, julgado em 16/11/2016, DJe 3/3/2017.
DIREITO ADMINISTRATIVO
Mandado de segurança. Procedimento administrativo disciplinar. Servidor efetivo cedido. Fases. Competência. Cisão. Possibilidade. Instauração e apuração pelo órgão cessionário. Julgamento e eventual aplicação de sanção pelo órgão cedente.
A instauração de processo disciplinar contra servidor efetivo cedido deve dar-se, preferencialmente, no órgão em que tenha sido praticada a suposta irregularidade, mas o julgamento e a eventual aplicação de sanção, quando findo o prazo de cessão e já tendo o servidor retornado ao órgão de origem, só podem ocorrer no órgão ao qual o servidor público federal efetivo estiver vinculado.
Cingiu-se a discussão, entre outras questões, a definir a competência para instaurar e julgar processo disciplinar, bem como para aplicar a respectiva sanção a servidor público federal que praticou falta funcional no exercício de cargo em comissão em órgão para o qual foi cedido. "Tratando-se de conduta praticada pelo agente público durante o período em que esteve cedido, é legítima a instauração do processo administrativo disciplinar pelo órgão em que foi praticada a irregularidade. Nesse sentido, extrai-se do Manual Prático de Processo Administrativo Disciplinar da Controladoria Geral da União: 'No aspecto espacial, o processo disciplinar será instaurado, preferencialmente, no âmbito do órgão ou instituição em que supostamente tenha sido praticado o ato antijurídico, facilitando-se a coleta de provas e a realização de diligências necessárias à elucidação dos fatos. No caso de infrações cometidas por servidores cedidos a outros órgãos, a competência é do órgão onde ocorreu a irregularidade para a instauração do processo disciplinar. Todavia, como o vínculo funcional do servidor se dá com o órgão cedente, apenas a este incumbiria o julgamento e a eventual aplicação da penalidade (Nota Decor/CGU/AGU n. 16/2008-NMS).' Cessada, contudo, toda relação do servidor com o órgão cessionário, é natural que qualquer aplicação de penalidade se dê pelo órgão cedente. Nesse caso, caberia ao órgão cessionário tão somente rescindir o contrato de cessão e devolver o servidor, além de instaurar o procedimento administrativo disciplinar, que, como salientado, será julgado pelo órgão cedente. Por fim, cabe esclarecer que o julgamento e aplicação da sanção são um único ato, que se materializa com a edição de despacho, portaria ou decreto, proferidos pela autoridade competente, devidamente publicado para os efeitos legais, conforme se dessume do disposto nos artigos 141, 166 e 167 do RJU."
SEGUNDA SEÇÃO
REsp 1.250.362-RS , Rel. Min. Raul Araújo, por maioria, julgado em 8/2/2017, DJe 20/2/2017.
DIREITO CIVIL
Família. Divórcio. Partilha. Indenização pelo uso exclusivo de imóvel de propriedade comum dos ex-cônjuges ainda não partilhado formalmente. Possibilidade a depender das circunstâncias do caso concreto.
Na separação e no divórcio, o fato de certo bem comum ainda pertencer indistintamente aos ex-cônjuges, por não ter sido formalizada a partilha, não representa automático empecilho ao pagamento de indenização pelo uso exclusivo do bem por um deles, desde que a parte que toca a cada um tenha sido definida por qualquer meio inequívoco.
Cinge-se a controvérsia a saber se é cabível indenização pelo uso exclusivo de imóvel que já foi objeto de divisão na ação de divórcio (50% para cada um dos ex-cônjuges), mas ainda não partilhado formalmente. Ao analisar a jurisprudência do STJ sobre o tema, verifica-se que a questão continua controvertida nesta Corte. A mais antiga linha de raciocínio admite a referida indenização antes da formalização da partilha porque, segundo defende, "uma vez homologada a separação judicial do casal, a mancomunhão antes existente entre os ex-cônjuges, transforma-se em condomínio regido pelas regras comuns da copropriedade" (REsp 178.130-RS, Quarta Turma, DJe 17/6/2002). Todavia, os julgamentos mais recentes condicionam o dever de indenizar à ultimação da partilha dos bens, pois é esta, e não a separação, que encerra a "mancomunhão" sobre os bens e, sendo assim, "o patrimônio comum subsiste sob a administração do cônjuge que tiver a posse dos bens" (AgRg no REsp 1.278.071-MG, Quarta Turma, DJe de 21/6/2013). Porém, nesta oportunidade, não obstante as ponderáveis razões que arrimam uma e outra orientação, defende-se que a solução para casos como este deve ser atingida a despeito da categorização civilista da natureza jurídica dos bens comuns do casal que, apesar de separado, ainda não formalizou a partilha do patrimônio. Deveras, o que importa no caso não é o modo de exercício do direito de propriedade, se comum ou exclusivo ("mancomunhão" ou condomínio), mas sim a relação de posse mantida com o bem, se comum do casal ou exclusiva de um dos ex-cônjuges. Ou seja, o fato gerador da indenização não é a propriedade, mas sim a posse exclusiva do bem no caso concreto. Logo, o fato de certo bem comum aos ex-cônjuges ainda pertencer indistintamente ao casal, por não ter sido formalizada a partilha, não representa empecilho automático ao pagamento de indenização pelo uso exclusivo por um deles, sob pena de gerar enriquecimento ilícito. Nessa toada, propõem-se as seguintes afirmações: a) a pendência da efetivação da partilha de bem comum não representa automático empecilho ao pagamento de indenização pelo seu uso exclusivo, desde que a parte que toca a cada um dos ex-cônjuges tenha sido definida por qualquer meio inequívoco, sempre suscetível de revisão judicial e fiscalização pelo Ministério Público; e b) o indigitado direito à indenização também não é automático, sujeitando-se às peculiaridades do caso concreto sopesadas pelas instâncias de origem.
REsp 1.250.362-RS , Rel. Min. Raul Araújo, por maioria, julgado em 8/2/2017, DJe 20/2/2017.
DIREITO CIVIL
Indenização devida pelo uso exclusivo de imóvel de propriedade comum de ex-cônjuges. Termo inicial. Influência no valor de alimentos.
Requerida a indenização pelo uso exclusivo de bem comum por um dos ex-cônjuges, o termo inicial para o ressarcimento ao outro é a data da intimação da pretensão e o valor correspondente pode influir no valor da prestação de alimentos.
Com efeito, tornado certo pela sentença o quinhão que cabe a cada um dos ex-cônjuges, aquele que utiliza exclusivamente o bem comum deve indenizar o outro, pois é certo que usufrui, ainda que parcialmente, de propriedade que é subjetivamente alheia. Contudo, alerte-se desde já que a indenização pelo uso exclusivo do bem por parte do ex-cônjuge alimentante pode influir no valor da prestação de alimentos, pois afeta a renda do obrigado, devendo as obrigações serem reciprocamente consideradas. A consequência necessária do entendimento que ora se adota é a de que o valor da indenização pelo uso exclusivo do bem deve ser levado em conta no momento da fixação ou da revisão dos alimentos que, como de sabença, sempre depende de possibilidades e necessidades, circunstâncias do caso concreto. Fixados esses entendimentos, resta determinar o termo inicial para o ressarcimento que, no caso, deve ser a data da intimação do ex-cônjuge para responder ao feito no qual se deu o pedido de indenização, momento em que teve conhecimento inequívoco da pretensão.
TERCEIRA SEÇÃO
EREsp 900.311-RN , Rel. Min. Felix Fischer, por unanimidade, julgado em 22/2/2017, DJe 1/3/2017.
DIREITO ADMINISTRATIVO
Servidores públicos. URV. Conversão do valor de vencimentos. Limitação temporal. Repercussão geral reconhecida pelo STF.
O término da incorporação dos 11,98%, ou do índice obtido em cada caso, oriundo das perdas salariais resultantes da conversão de cruzeiro real em URV, na remuneração do servidor, deve ocorrer no momento em que a carreira passa por uma restruturação remuneratória.
Busca-se a uniformização do entendimento no STJ quanto ao limite temporal do direito à incorporação das perdas salariais resultantes da conversão do cruzeiro real em URV, no percentual de 11,98%, na remuneração dos servidores. Nos termos do disposto no art. 1.030, II, do Novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015), a divergência - anteriormente sobrestada - retorna a julgamento, em face do pronunciamento definitivo do Supremo Tribunal Federal nos autos do RE n. 561.836-RN, segundo o qual, o percentual de 11,98% "deve ser incorporado à remuneração dos servidores, sem qualquer compensação ou abatimento em razão de aumentos remuneratórios supervenientes. No entanto, [...] O término da incorporação dos 11,98%, ou do índice obtido em cada caso, na remuneração deve ocorrer no momento em que a carreira do servidor passa por uma reestruturação remuneratória, porquanto não há direito à percepção ad aeternum de parcela de remuneração por servidor público [...]". Na espécie em análise, a decisão objeto do recurso interposto pelo Estado do Rio Grande do Norte diverge da nova orientação adotada pela Corte Suprema - dotada de repercussão geral - na medida em que afastou a limitação temporal do pagamento do reajuste, razão pela qual deve ser exercido o juízo de retratação, nos termos do art. 1.030, II, do CPC. No caso, deve-se adequar o julgado desta Corte Superior à orientação firmada pelo STF em julgamento, quanto à limitação temporal, "porquanto não há direito à percepção ad aeternum de parcela de remuneração por servidor público".
PRIMEIRA TURMA
REsp 1.270.339-SC , Rel. Min. Gurgel de Faria, por unanimidade, julgado em 15/12/2016, DJe 17/2/2017.
DIREITO ADMINISTRATIVO
Interrupção no fornecimento de energia elétrica por razões técnicas. Exigência legal de aviso prévio. Comunicação realizada por estações de rádio. Possibilidade.
A divulgação da suspensão no fornecimento de serviço de energia elétrica por meio de emissoras de rádio, dias antes da interrupção, satisfaz a exigência de aviso prévio, prevista no art. 6º, § 3º, da Lei n. 8.987/1995.
A discussão consiste em decidir se cumpre o requisito legal de prévio aviso aos consumidores, disposto no art. 6º, § 3º, da Lei n. 8.987/1995, divulgar a suspensão do fornecimento de energia elétrica, motivada por razões técnicas, tão somente por meio de estações de rádio. Inicialmente, observa-se que STJ considera legítima a interrupção do fornecimento de energia por razões de ordem técnica, de segurança das instalações, ou ainda em virtude do inadimplemento do usuário, quando houver o devido aviso prévio pela concessionária sobre o possível corte no fornecimento do serviço, nos termos do art. 6º, § 3º, da Lei n. 8.987/1995. Contudo, a supracitada norma legal não explicita a forma como deve ocorrer o aviso de interrupção. Entende-se, assim, que a divulgação em três emissoras de rádio com cobertura no Município do usuário desse serviço, dias antes da suspensão, satisfaz a exigência prevista na lei. Conforme a sentença: "O rádio é um dos meios populares e o de maior alcance público, e por estas razões há que se reconhecer a ocorrência de aviso prévio válido e apto a produzir efeitos. " Por essas razões, considerando que a concessionária atendeu o requisito legal de avisar previamente os consumidores do desligamento temporário da energia elétrica, por motivo de ordem técnica, não há ensejo para reparação por dano extrapatrimonial.
REsp 1.329.812-AM , Rel. Min. Sérgio Kukina, Rel. para acórdão Min. Napoleão Nunes Maia Filho, por maioria, julgado em 6/12/2016, DJe 20/2/2017.
DIREITO PREVIDENCIÁRIO
Soldado da borracha. Pensão mensal vitalícia. Justificação judicial admitida. Lei n. 7.986/89. Alteração legislativa. Lei n. 9.711/98. Exigência de início de prova material. Condição de seringueiro reconhecida.
Para recebimento do benefício previsto no art. 54 do ADCT/88, a justificação administrativa ou judicial é, por si só, meio de prova hábil para comprovar o exercício da atividade de seringueiro quando requerida na vigência da Lei n. 7.986/1989, antes da alteração legislativa trazida pela Lei n. 9.711/1998, que passou a exigir início de prova material.
Cinge-se a discussão em definir se, para a obtenção de pensão mensal vitalícia, seria suficiente a comprovação da condição de "soldado da borracha" mediante justificação judicial calcada apenas em prova testemunhal, como permitia a letra original do art. 3º da Lei n. 7.986/89, mas que vem a instruir ação proposta quando já em vigor a Lei n. 9.711/98, que passou a exigir, para essa hipótese, a apresentação de início de prova material. Para comprovação de condição de soldado da borracha, a Lei n. 7.986/1989, em sua redação original, autorizava, para o deferimento do pedido, a consideração de todos os meios de prova admitidos em direito, inclusive a justificação administrativa ou judicial, sem exigência de início de prova material. Posteriormente, o art. 3º desse diploma legal, com alteração introduzida pela Lei n. 9.711/1998, passou a exigir, para a comprovação da efetiva prestação de serviços, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, a apresentação de início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal. Tem-se, assim, que o termo limite para ajuizamento da justificativa judicial válida como prova material da condição de seringueiro - soldado da borracha - é a data da edição da Lei n. 9.711/98, ou seja, 22/11/1998. Não é demais frisar que o soldado da borracha recebeu tratamento especial da própria norma constitucional transitória, valorizando o esforço de trabalho dessas pessoas no período da Segunda Guerra Mundial e reconhecendo que muitos foram trabalhar nos seringais sem que tenham sido regularmente contratados, submetendo-se às mais adversas condições de trabalho, muitas vezes em condições análogas à de escravo, além de se sujeitar a doenças tropicais como a malária, que vitimou muitos nordestinos na Amazônia. Tal situação ainda hoje é vista, especialmente nas Regiões Norte e Nordeste do país, que ainda mantêm milhares de pessoas submetidas a rígidos regimes de trabalho sem a formalidade necessária a lhes garantir seus direitos previdenciários e sem respeito às normas trabalhistas, imagina-se, então, em 1939, como era a situação desses brasileiros que se lançaram ao trabalho de extração do látex da seringueira. Impor a esses trabalhadores árduos obstáculos burocráticos à concessão de seu benefício, contraria não só os princípios constitucionais que norteiam os benefícios previdenciários, como também contraria a lógica e a realidade dos fatos e os postulados humanitários.
REsp 1.268.737-RS , Rel. Min. Regina Helena Costa, por unanimidade, julgado em 14/2/2017, DJe 21/2/2017.
DIREITO PREVIDENCIÁRIO
Execução de sentença. Verbas salariais pagas em atraso. Contribuição previdenciária. Incidência sobre valores pagos a título de correção monetária.
Incide contribuição previdenciária sobre os valores recebidos a título de correção monetária em execução de sentença na qual se reconheceu o direito a reajuste de servidores públicos.
Entre outras questões aduzidas no recurso especial, alega-se, com base nos arts. 4º e 6º da Lei 10.887/2004, a impossibilidade de inclusão na base de cálculo do tributo de valores que não são incorporáveis aos proventos do servidor - como, no caso, da correção monetária. Todavia, o entendimento do STJ é no sentido de que o pagamento de verbas salariais, recebidas em atraso, não altera a natureza jurídica dos referidos valores, uma vez que se trata de retribuição por trabalho efetivamente realizado. Logo, incide contribuição previdenciária sobre a quantia recebida a título de correção monetária oriunda do pagamento, em atraso, de verbas salariais. Em sentido análogo, citam-se: REsp 188.744-CE, Segunda Turma, DJ 12/9/2005 e REsp 460.535-CE, Segunda Turma, DJ 11/10/2004.
TERCEIRA TURMA
REsp 1.601.555-SP , Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 14/2/2017, DJe 20/2/2016.
DIREITO CIVIL
Seguro de responsabilidade civil de diretores e administradores de pessoa jurídica (Seguro de RC D&O). Investigações da CVM. Prática de insider trading . Ato doloso. Favorecimento pessoal da gestão. Descaracterização. Ausência de cobertura.
O seguro de RC D&O (Directors and Officers Insurance) não abrange operações de diretores, administradores ou conselheiros qualificadas como insider trading.
Cinge-se a controvérsia devolvida ao STJ, entre outras questões, a verificar se é devida a indenização prevista em contrato de seguro de RC D&O no caso de ocorrência de insider trading. O referido seguro tem por objetivo garantir o risco de eventuais prejuízos causados por atos de gestão de diretores, administradores e conselheiros que, na atividade profissional, agiram com culpa. Como cediço, cabe aos administradores atuarem no interesse da empresa que representam, com zelo e lealdade, respeitando, entre outros, os deveres de sigilo e de informação, principalmente para com o mercado. Esse tipo de seguro constitui instrumento de preservação do patrimônio individual dos que atuam em cargos de direção (segurados), o que acaba por incentivar gestões corporativas inovadoras e mais flexíveis, as quais ficariam comprometidas ou engessadas com a possibilidade sempre reinante de responsabilização civil ou de abertura de processo administrativo sancionador na CVM. Além disso, a natureza dúplice desse seguro também favorece a própria empresa tomadora do seguro e seus acionistas, pois o patrimônio social poderá ser ressarcido de eventuais prejuízos sofridos em razão de condutas faltosas de seus administradores. Ocorre que, para não haver forte redução do grau de diligência ou a assunção de riscos excessivos pelo gestor, o que comprometeria tanto a atividade de compliance da empresa quanto as boas práticas de governança corporativa, a apólice do seguro de RC D&O não pode cobrir atos dolosos, principalmente se cometidos para favorecer a própria pessoa do administrador. De fato, a garantia securitária do risco não pode induzir a irresponsabilidade. Em outra via, considera-se insider trading qualquer operação realizada por um insider (diretor, administrador, conselheiro e pessoas equiparadas) com valores mobiliários de emissão da companhia, em proveito próprio ou de terceiro, com base em informação relevante ainda não revelada ao público. Por sua vez, informação relevante, segundo doutrina, é aquela que pode "influir de modo ponderável na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia, afetando a decisão dos investidores de vender, comprar ou reter esses valores". O dirigente deve observar os deveres de cuidado e de lealdade, buscando sempre o melhor interesse da sociedade anônima, nos limites de seus poderes. Ele, deve "guardar sigilo sobre qualquer informação que ainda não tenha sido divulgada para conhecimento do mercado, obtida em razão do cargo e capaz de influir de modo ponderável na cotação de valores mobiliários, sendo-lhe vedado valer-se da informação para obter, para si ou para outrem, vantagem mediante compra ou venda de valores mobiliários" (dever de sigilo - art. 155, § 1º, da Lei n. 6.404/1976). Impende asseverar também que o insider trading é tão prejudicial à dinâmica e à credibilidade do mercado de capitais, que tal figura passou a ser tipo penal com o advento da Lei n. 10.303/2001, que acrescentou o art. 27-D na Lei n. 6.385/1976. Assim, essa prática configura ato doloso do segurado, vedado pela lei civil, e não advém de ato de gestão, ou seja, da prerrogativa do cargo de administrador, mas de ato pessoal, na condição de acionista, a gerar proveitos financeiros próprios, em detrimento dos interesses da companhia. Conclui-se, assim, que o seguro de RC D&O somente possui cobertura para (i) atos culposos de diretores, administradores e conselheiros (ii) praticados no exercício de suas funções (atos de gestão). Em outras palavras, atos fraudulentos e desonestos de favorecimento pessoal e práticas dolosas lesivas à companhia e ao mercado de capitais, a exemplo do insider trading, não estão abrangidos na garantia securitária.
REsp 1.642.318-MS , Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 7/2/2017, DJe 13/2/2017.
DIREITO CIVIL
Ação de compensação por danos morais. Agressão verbal e física. Injustiça. Criança. Ônus da prova. Dano moral in re ipsa .
A conduta da agressão, verbal ou física, de um adulto contra uma criança ou adolescente, configura elemento caracterizador da espécie do dano moral in re ipsa.
O ponto nodal da discussão consiste em definir se as alegadas agressões físicas e verbais sofridas por criança resultam, independentemente de comprovação, em danos morais passíveis de compensação. De início, cumpre salientar que o STJ já decidiu que as crianças, mesmo da mais tenra idade, fazem jus à proteção irrestrita dos direitos da personalidade, assegurada a indenização pelo dano moral decorrente de sua violação, nos termos dos arts. 5º, X, in fine, da CF e 12, caput, do CC/02. (REsp 1.037.759-RJ, 3ª Turma, DJe 5/3/2010). Da legislação aplicada à espécie, arts. 186 e 927 do CC/02, extrai-se que aquele que violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito e deve repará-lo. Na doutrina, a reparabilidade dos danos morais exsurge no plano jurídico a partir da simples violação (ex facto), i.e., existente o evento danoso surge a necessidade de reparação, observados os pressupostos da responsabilidade civil em geral. Uma consequência do afirmado acima seria a prescindibilidade da prova de dano em concreto à subjetividade do indivíduo que pleiteia a indenização. De fato, em diversas circunstâncias, não é realizável a demonstração de prejuízo moral, bastando a simples causação do ato violador e, nesse sentido, fala-se em damnun in re ipsa. Ao analisar a doutrina e a jurisprudência, o que se percebe não é a operação de uma presunção iure et de iure propriamente dita na configuração das situações de dano moral, mas a substituição da prova de prejuízo moral - em muitas situações, incabível - pela sensibilidade ético-social do julgador. Nessa toada, à falta de padrões éticos e morais objetivos ou amplamente aceitos em sociedade, deve o julgador adotar a sensibilidade ético-social do homem comum, nem muito reativa a qualquer estímulo ou tampouco insensível ao sofrimento alheio. Em outra vertente, vale destacar que a Constituição Brasileira e o Estatuto da Criança e do Adolescente introduziram na nossa cultura jurídica uma nova percepção, inspirada pela concepção da criança e do adolescente como sujeitos de direitos e cuidados especiais. Nesse sentido, os arts. 227 da CF/88 e 17 da Lei n. 8.069/90, asseguram a primazia do interesse das crianças e dos adolescentes, com a proteção integral dos seus direitos. Sob outro viés, a sensibilidade ético-social do homem comum na hipótese, permite concluir que os sentimentos de inferioridade, dor e submissão, sofridos por quem é agredido injustamente, verbal ou fisicamente, são elementos caracterizadores da espécie do dano moral in re ipsa. Logo, a injustiça da conduta da agressão, verbal ou física, de um adulto contra uma criança ou adolescente, independe de prova e caracteriza atentado à dignidade dos menores.
REsp 1.459.555-RJ , Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 14/2/2017, DJe 20/2/2017.
DIREITO DO CONSUMIDOR
Troca de mercadoria. Prazo em benefício do consumidor. Art. 18, § 1º, do CDC. Observância.
É legal a conduta de fornecedor que concede apenas 3 (três) dias para troca de produtos defeituosos, a contar da emissão da nota fiscal, e impõe ao consumidor, após tal prazo, a procura de assistência técnica credenciada pelo fabricante para que realize a análise quanto à existência do vício.
Incialmente, cumpre salientar que não há no CDC norma cogente que confira ao consumidor um direito potestativo de ter o produto trocado antes do prazo legal de 30 (trinta) dias. A troca imediata do produto viciado, portanto, embora prática sempre recomendável, não é imposta ao fornecedor. O prazo de 3 (três) dias para a troca da mercadoria é um plus oferecido pela empresa, um benefício concedido ao consumidor diligente, que, porém, não é obrigatório. Ademais, verifica-se que essa política de troca não exclui a possibilidade de o consumidor realizar a troca, na forma do art. 18 do CDC. Registre-se que o STJ, quando do julgamento do REsp 1.411.136-RS (DJe 10/3/2015), no qual se discutiu acerca da responsabilidade do comerciante quanto à sua obrigação de interceder perante a assistência técnica em favor do consumidor, concluiu que, "disponibilizado serviço de assistência técnica, de forma eficaz, efetiva e eficiente, na mesma localidade do estabelecimento do comerciante, a intermediação do serviço apenas acarretaria delongas e acréscimo de custos". Ademais, de acordo com a legislação pátria, que deve ser aplicada à espécie, incumbe à empresa fornecedora, observados os prazos do art. 26 do CDC, cumprir o mandamento constante do artigo 18, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, o qual prescreve que se o vício do produto não for sanado no prazo máximo de 30 (trinta) dias pelo fornecedor, o consumidor poderá exigir, alternativamente e ao seu arbítrio, as seguintes opções: a) substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; b) a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos, ou c) o abatimento proporcional do preço. A exegese do artigo é clara: constatado o defeito, concede-se primeiro a oportunidade de sanar-se o vício no prazo máximo de 30 (trinta) dias, sendo certo que a assistência técnica possui melhores condições para buscar a reparação do vício.
REsp 1.630.702-RJ , Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 2/02/2017, DJe 10/02/2017.
DIREITO EMPRESARIAL
Recuperação Judicial. Conflito de competência. Juizado Especial Cível. Execução movida contra a recuperanda. Prática de atos de constrição patrimonial. Relação de consumo. Irrelevância.
O juízo onde tramita o processo de recuperação judicial é o competente para decidir sobre o destino dos bens e valores objeto de execuções singulares movidas contra a recuperanda, ainda que se trate de crédito decorrente de relação de consumo.
Cinge-se a controvérsia em definir se o juízo onde se processa a recuperação judicial é o competente para processamento e julgamento de ação indenizatória derivada de relação de consumo em fase de cumprimento de sentença. O foco do aplicador do Direito deve estar voltado ao atendimento precípuo das finalidades a que se destina a Lei 11.101/2005, sendo certo que os princípios que orientaram a elaboração e que devem direcionar a interpretação e a aplicação dessa lei objetivam garantir, antes de tudo, o atendimento dos escopos maiores do instituto da recuperação de empresas, tais como a manutenção do ente no sistema de produção e circulação de bens e serviços, o resguardo do direito dos credores e a preservação das relações de trabalho envolvidas, direta ou indiretamente, na atividade. É o que se dessume do texto expresso da norma constante no art. 47 da LFRE. Sobre o tema, o STJ firmou entendimento no sentido de que o destino do patrimônio da sociedade em processo de recuperação judicial não pode ser atingido por decisões prolatadas por juízo diverso daquele onde tramita o processo de reerguimento, sob pena de violação ao princípio maior da preservação da atividade empresarial. Com efeito, é pacífica a jurisprudência da Segunda Seção no sentido de que a competência para adoção de medidas de constrição e venda de bens integrantes do patrimônio de sociedade em recuperação judicial é do juízo onde tramita o processo respectivo. Consigne-se que até mesmo em processos de execução fiscal - hipóteses nas quais a lei expressamente prevê a continuidade de tramitação, a despeito do deferimento judicial do pedido de soerguimento - o STJ tem posicionamento assentado no sentido de que, embora as ações não se suspendam, compete ao juízo universal dar seguimento a atos que envolvam a expropriação de bens do acervo patrimonial do devedor (AgInt no CC 140.021/MT, Segunda Seção, DJe 22/08/2016). Vale dizer, uma vez deferido o pedido de recuperação judicial, fica obstada a prática de atos expropriatórios por juízo distinto daquele onde tem curso o processo recuperacional, independentemente da natureza da relação jurídica havida entre as partes. De fato, as especificidades da questão discutida, uma vez que os créditos decorrem de relação de consumo, não autorizam conclusão diversa: após a apuração do montante devido à parte autora, é imprescindível que se processe no Juízo da recuperação a correspondente habilitação, em razão da regra expressa do art. 49 da LFRE e sob pena de malferimento aos princípios e regras que regem o plano de reorganização da empresa recuperanda.
REsp 1.558.185-RJ , Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 2/2/2017, DJe 16/2/2017.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Cumprimento de sentença. Condenação ao pagamento de custas processuais. Honorários periciais. Inclusão. Art. 20, § 2º, do CPC/73.
É adequada a inclusão dos honorários periciais em conta de liquidação mesmo quando o dispositivo de sentença com trânsito em julgado condena o vencido, genericamente, ao pagamento de custas processuais.
O debate se limita a determinar se o dispositivo de sentença com trânsito em julgado que condena o vencido ao pagamento apenas de custas processuais abrange as despesas referentes aos honorários periciais. A distinção entre despesas e custas processuais, em sede doutrinária, foi bem trabalhada há bastante tempo: "as custas são espécies do gênero "despesas", sendo essas mais amplas (abrangendo, v.g., honorários de advogado) e aquelas mais restritas à retribuição aos serventuários ou aos demais auxiliares da justiça". Nessa linha de compreensão, o STJ possui precedentes no sentido de que é indevida a inclusão dos honorários periciais em conta de liquidação quando o dispositivo da sentença com trânsito em julgado condena o vencido apenas ao pagamento de custas processuais. Contudo, a interpretação do art. 20, § 2º, do CPC/73 deve ser realizada de maneira sistemática com a própria lógica processual civil moderna, de modo a superar o destemperado apego formalista, em prestígio da solução justa da crise de direito material levada ao Judiciário. Nessa ordem de ideias, "o processo deve dar a quem tem direito tudo aquilo e precisamente aquilo a que tem direito". Justamente nesse sentido que, na hipótese de o pedido autoral ser julgado improcedente, não se pode imaginar que o réu seja compelido a arcar com custas ou despesas de um processo para cuja formação não deu causa. Surpreender o vencedor da demanda com a obrigação de arcar com os honorários periciais apenas e tão somente porque a sentença condenava o vencido ao pagamento de "custas" e não "despesas" representa medida contrária ao princípio da sucumbência e até mesmo à própria noção da máxima eficiência da tutela jurisdicional justa.
QUARTA TURMA
REsp 1.185.907-CE , Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, por unanimidade, julgado em 14/2/2017, DJe 21/2/2017.
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
Seguro DPVAT. Invalidez permanente. Indenização. Morte posterior do segurado desvinculada do acidente de trânsito. Direito patrimonial. Sucessores. Legitimidade para cobrança.
Os sucessores da vítima têm legitimidade para ajuizar ação de cobrança de pagamento de indenização do seguro DPVAT por invalidez permanente ocorrida antes da morte daquela.
A discussão trazida no recurso especial consiste em saber se o direito à indenização do seguro DPVAT por invalidez permanente, previsto no mencionado art. 4º, § 3º, da Lei n. 6.194/74, classifica-se como direito personalíssimo, intransferível, ou como direito patrimonial, submetido às regras da sucessão. Da leitura das redações original e atual (após alteração promovida pela Lei n. 11.482/2007) do artigo supracitado depreende-se que, em caso de morte, no regime da lei vigente na época dos fatos, os beneficiários da indenização seriam o cônjuge sobrevivente ou, na sua falta, os herdeiros legais; pela legislação atual, 50% do montante deverá ser destinado ao cônjuge não separado judicialmente, sendo a outra metade dividida entre os herdeiros do segurado (CC 2002, art. 792). Dessa forma, verificado o evento morte decorrente de acidente de trânsito, o direito à indenização do seguro DPVAT não integra o patrimônio do falecido, tratando-se de direito a ser deferido aos beneficiários segundo a ordem legal vigente quando do sinistro (cf. RESP 1.419.814-SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 3/8/2015). O caso, todavia, trata de hipótese diversa, em que o óbito da vítima verificou-se somente após 4 anos do acidente causador da invalidez permanente e por causas distintas. O direito à indenização do DPVAT cabia, pois, à própria vítima, seja pela redação originária da Lei n. 6.194/74 (art. 4º, caput, parte final), seja pela redação hoje vigente da mesma lei (§ 3º, do mesmo artigo). Assim, a partir do momento em que configurada a invalidez permanente, o direito à indenização securitária passou a integrar o conjunto do patrimônio da vítima do acidente, que, com a sua morte, constitui-se herança a ser transmitida aos sucessores, que, portanto, têm legitimidade para propor ação de cobrança dessa quantia. Frise-se que a mesma linha de entendimento foi adotada pela 3º Turma do STJ, na oportunidade em que apreciado o REsp 1.335.407-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 23/5/2014.
SEXTA TURMA
REsp 1.299.021-SP , Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, por unanimidade, julgado em 14/2/2017, DJe 23/2/2017.
DIREITO PENAL
Extorsão mediante mal espiritual. Ineficácia da ameaça não configurada. Vítima que, coagida, efetuou pagamento da indevida vantagem econômica.
Configura o delito de extorsão (art. 158 do CP) a conduta de agente que submete vítima à grave ameaça espiritual que se revelou idônea a atemorizá-la e compeli-la a realizar o pagamento de vantagem econômica indevida.
Cinge-se a controvérsia a saber se a grave ameaça de mal espiritual pode configurar o crime de extorsão. O trabalho espiritual, quando relacionado a algum tipo de credo ou religião, pode ser exercido livremente, porquanto a Constituição Federal assegura a todos a liberdade de crença e de culto. No entanto, na hipótese dos autos, houve excesso no exercício dessa garantia constitucional, com o intuito de obter vantagem econômica indevida, o que caracteriza o crime do art. 158 do CP. A acusada, de uma situação inicial, em que foi voluntariamente provocada a realizar atendimento sobrenatural para fins de cura, interpelou a vítima em diversas oportunidades e a convenceu, mediante ardil, a desembolsar vultosas quantias para realizar outros rituais, não solicitados. Fez a vítima acreditar que estava acometida de mal causado por entidades sobrenaturais e que seria imprescindível sua intervenção, solicitando, para tanto, vultosas quantias. Mesmo depois de expresso pedido de interrupção dos rituais, modificou a abordagem inicial e passou a empregar grave ameaça de acabar com a vida da vítima, seu carro e de causar dano à integridade física de seus filhos, para forçá-la a desembolsar indevida vantagem econômica. A ameaça de mal espiritual, em razão da garantia de liberdade religiosa, não pode ser considerada inidônea ou inacreditável. Para a vítima e boa parte do povo brasileiro, existe a crença na existência de força ou forças sobrenaturais, manifestada em doutrinas e rituais próprios, não havendo falar que são fantasiosas e que nenhuma força possuem para constranger o homem médio. Os meios empregados foram idôneos, tanto que ensejaram a intimidação da vítima, a consumação e o exaurimento da extorsão.
REsp 1.630.109-RJ , Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, por unanimidade, julgado em 14/2/2017, DJe 22/2/2017.
DIREITO PENAL
Direito penal tributário. Delito consistente em deixar de atender à determinação de autoridade fiscal (Art. 1.º, V e Parágrafo único da Lei n. 8.137/90). Não exibição de livros e documentos fiscais. Pagamento da penalidade pecuniária. Extinção da punibilidade. Impossibilidade.
O pagamento da penalidade pecuniária imposta ao contribuinte que deixa de atender às exigências da autoridade tributária estadual quanto à exibição de livros e documentos fiscais não se adequa a nenhuma das hipóteses de extinção de punibilidade previstas no parágrafo 2º do artigo 9º da Lei n. 10.864/03.
Cinge-se a controvérsia dos autos a saber se o pagamento da multa sancionatória imposta pelo descumprimento de obrigação tributária acessória gera ou não a extinção da punibilidade nos termos parágrafo 2º do art. 9º da Lei n. 10.864/03. De acordo com o artigo 3º do CTN, os tributos - por serem prestações pecuniárias compulsórias, não sancionatórias, instituídas ex lege - são inconfundíveis com as multas, porquanto estas têm natureza sancionatória. Quando o art. 113 do CTN estatui que a obrigação tributária principal tem por objeto o pagamento de tributo "ou penalidade pecuniária", tal disposição significa apenas que os valores devidos em razão de eventuais sanções decorrentes do inadimplemento da prestação tributária devem ser exigidos conjuntamente com a prestação tributária. A "obrigação tributária principal", portanto, compreende o tributo e eventuais acréscimos legais, dentre os quais a multa decorrente do inadimplemento da prestação tributária. As obrigações tributárias acessórias, por sua vez, são as obrigações de fazer ou não fazer fixadas na legislação tributária, existentes independentemente de uma prestação tributária. Desse modo, também o § 3º do artigo 113 do CTN significa, somente, que os valores devidos em razão de eventuais sanções decorrentes do inadimplemento dessa obrigação tributária acessória devem ser exigidos, ainda que isoladamente, como se constituíssem "obrigação principal". Assim, a penalidade pecuniária imposta ao contribuinte que deixa de atender a requisição da autoridade fiscal constitui obrigação tributária principal, mas não configura 'tributo' por força do comando expresso da norma contida no artigo 3º do Código Tributário Nacional que exclui inequivocamente do conceito de tributo a sanção decorrente de ato ilícito. Destarte, o pagamento da penalidade pecuniária imposta ao contribuinte que deixa de atender às exigências da autoridade tributária estadual quanto à exibição de livros e documentos fiscais não se adequa a qualquer das hipóteses previstas no parágrafo 2º do artigo 9º da Lei n. 10.864/03. Por fim, há de se atentar, ainda, para a intenção do legislador em prestigiar o interesse arrecadatório do Estado na instituição da causa de extinção da punibilidade do parágrafo 2º do artigo 9º da Lei n. 10.864/03. Com efeito, a par das críticas doutrinárias acerca de tal modalidade de exclusão da punibilidade, visto que o Direito Penal não constitui instrumento de coerção de inadimplentes, o certo é que quis o legislador anistiar o contribuinte que efetua o pagamento integral do débito tributário com o objetivo de aplacar a sonegação fiscal. E no delito do artigo 1º, inciso V, parágrafo único, da Lei n. 8.137/90 não há supressão ou a redução de tributos, mas, sim, desobediência das requisições da autoridade fiscal pelo contribuinte que não cumpre com obrigação de fazer, deixando de exibir livros ou documentos necessários à atividade fiscalizatória do Estado. No delito em questão, o bem jurídico tutelado é a preservação da própria função institucional do Fisco.
RECURSOS REPETITIVOS - AFETAÇÃO
REsp 1.521.999-SP , Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 3/3/2017.
DIREITO TRIBUTÁRIO
Definição da natureza jurídica do encargo pecuniário previsto no art. 1º do Decreto-Lei 1.025/69, para fins de classificá-lo como crédito privilegiado ou crédito quirografário no quadro geral de credores no processo de falência.