Informativo do STJ 595 de 15 de Fevereiro de 2017
Publicado por Superior Tribunal de Justiça
SÚMULAS
SÚMULA N. 583 O arquivamento provisório previsto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, dirigido aos débitos inscritos como dívida ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, não se aplica às execuções fiscais movidas pelos conselhos de fiscalização profissional ou pelas autarquias federais. Primeira Seção, aprovada em 14/12/2016, DJe 1/2/2017.
SÚMULA N. 584 As sociedades corretoras de seguros, que não se confundem com as sociedades de valores mobiliários ou com os agentes autônomos de seguro privado, estão fora do rol de entidades constantes do art. 22, § 1º, da Lei n. 8.212/1991, não se sujeitando à majoração da alíquota da Cofins prevista no art. 18 da Lei n. 10.684/2003. Primeira Seção, aprovada em 14/12/2016, DJe 1/2/2017.
SÚMULA N. 585 A responsabilidade solidária do ex-proprietário, prevista no art. 134 do Código de Trânsito Brasileiro - CTB, não abrange o IPVA incidente sobre o veículo automotor, no que se refere ao período posterior à sua alienação. Primeira Seção, aprovada em 14/12/2016, DJe 1/2/2017.
SÚMULA N. 586 A exigência de acordo entre o credor e o devedor na escolha do agente fiduciário aplica-se, exclusivamente, aos contratos não vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação - SFH. Corte Especial, aprovada em 19/12/2016, DJe 1/2/2017.
RECURSOS REPETITIVOS
Pet 11.796-DF , Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 23/11/2016, DJe 29/11/2016.
DIREITO PENAL
Tráfico ilícito de drogas na sua forma privilegiada. Art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006. Crime não equiparado a hediondo. Entendimento recente do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 118.533-MS. Revisão do tema analisado pela Terceira Seção sob o rito dos recursos repetitivos. Tema 600.
O tráfico ilícito de drogas na sua forma privilegiada (art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006) não é crime equiparado a hediondo e, por conseguinte, deve ser cancelado o Enunciado 512 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou entendimento oposto à jurisprudência do STJ ao assentar que o denominado tráfico privilegiado de drogas (art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006) não tem natureza hedionda. Apenas as modalidades de tráfico de entorpecentes definidas no art. 33, caput e § 1°, da Lei n. 11.343/2006 seriam equiparadas aos crimes hediondos, enquanto referido delito na modalidade privilegiada apresentaria "contornos mais benignos, menos gravosos, notadamente porque são relevados o envolvimento ocasional do agente com o delito, a não reincidência, a ausência de maus antecedentes e a inexistência de vínculo com organização criminosa". Além disso, destacou que, apesar da vedação constitucional e legal da concessão de graça e anistia e de indulto ao tráfico de entorpecentes, "os Decretos Presidenciais ns. 6.706/2008 e 7.049/2009 beneficiaram os condenados pelo tráfico de entorpecentes privilegiado com o indulto, o que demonstra que os mencionados textos normativos inclinaram-se na corrente doutrinária de que o tráfico privilegiado não é hediondo". Concluiu, em suma, em voto que foi seguido pela maioria do Tribunal Pleno, que a decisão do legislador fora no sentido de que o agente deveria receber tratamento distinto daqueles sobre os quais recairia o alto juízo de censura e de punição pelo tráfico de drogas e de que as circunstâncias legais do privilégio demonstrariam o menor juízo de reprovação e, em consequência, de punição dessas pessoas (Informativo 831). A Constituição Federal (artigo 5º, inciso XLIII) equiparou o delito de tráfico ilícito de drogas aos crimes hediondos, prevendo a insuscetibilidade de graça ou anistia e a inafiançabilidade, além de outras medidas previstas na Lei n. 8.072/1990. No entanto, nem toda transação ilícita com drogas deve necessariamente submeter-se ao regime dos crimes hediondos, como a conduta de quem oferece droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem (art. 33, § 3º, da Lei n. 11.343/2006), bem como - conforme recentemente assentado pelo Supremo Tribunal Federal - a de quem, de forma episódica, pratica o denominado tráfico privilegiado de drogas (art. 33, § 4º). Cumpre consignar, nessa linha de raciocínio, que o artigo 44 da Lei de Drogas, ao estabelecer que os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 da Lei "são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos", conferiu ao tráfico privilegiado (art. 33, § 4º) tratamento especial ao que o legislador atribuiu ao caput e ao § 1º do artigo 33, a reforçar a tese de que não se trata de delito hediondo. Saliente-se, outrossim, que o conceito de hediondez é de todo incompatível ao de privilégio, conforme há muito já vem decidindo o STJ, mutatis mutandis, no que toca ao homicídio qualificado-privilegiado. É sabido que os julgamentos proferidos pelo Supremo Tribunal Federal em Habeas Corpus, ainda que por seu Órgão Pleno, não têm efeito vinculante nem eficácia erga omnes. No entanto, a fim de observar os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, nos termos do artigo 927, § 4º, do Código de Processo Civil, bem como de evitar a prolação de decisões contraditórias nas instâncias ordinárias e também no âmbito deste Tribunal Superior de Justiça, é necessária a revisão do tema analisado por este Sodalício sob o rito dos recursos repetitivos, a fim de nos alinharmos à jurisprudência do Excelso Pretório. Dessarte, é o caso de revisão do entendimento consolidado por esta Terceira Seção no julgamento do Recurso Especial Representativo da Controvérsia n. 1.329.088/RS - Tema 600 (Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, julgado em 13/3/2013, DJe 26/4/2013), com o consequente cancelamento do Enunciado 512 da Súmula deste Superior Tribunal de Justiça.
CORTE ESPECIAL
EREsp 1.141.788-RS , Rel. Min. João Otávio de Noronha, por unanimidade, julgado em 7/12/2016, DJe 16/12/2016.
DIREITO PREVIDENCIÁRIO
Pensão por morte. Menor sob guarda. Art. 16 da Lei 8.213/90. Confronto com o art. 33, § 3º do ECA. Princípio da proteção integral e preferencial da criança e do adolescente.
Ao menor sob guarda deve ser assegurado o direito ao benefício da pensão por morte mesmo se o falecimento se deu após a modificação legislativa promovida pela Lei n. 9.528/97 na Lei n. 8.213/90.
A controvérsia a ser dirimida cingiu-se a definir se, ocorrido o óbito do instituidor da pensão por morte após 11 de outubro de 1996, data em que foi editada a MP n. 1.523/96, convertida na Lei n. 9.528/97, que alterou o art. 16 da Lei n. 8.213/90 e suprimiu o menor sob guarda do rol de referido benefício previdenciário, ainda assim, deve prevalecer referido direito com fundamento no art. 33, § 3º, da Lei n. 8.069/90. A Terceira Seção do STJ, quando detinha a competência para processar e julgar matéria previdenciária, havia pacificado a jurisprudência sobre o tema no sentido de que, como a lei previdenciária tem caráter especial em relação ao Estatuto da Criança e do Adolescente, de ordem geral, prevaleceria sobre esta e, portanto, o menor sob guarda não mais teria direito ao benefício da pensão por morte após a modificação legislativa promovida pela Lei n. 9.528/97 na Lei n. 8.213/90. Após a alteração regimental que designou a competência da matéria à Primeira Seção desta Corte, houve decisões em sentido oposto ao supracitado, entre as quais, o RMS 36.034/MT, de relatoria do Ministro Benedito Gonçalves. Convém registrar que a Corte Especial, ao julgar o MS 20.589/DF, da relatoria do Ministro Raul Araújo, apesar de apreciar feito relativo a servidor público, emitiu posicionamento no sentido da prevalência do Estatuto da Criança e do Adolescente. Diante dessas considerações, a melhor solução a ser dada à controvérsia é no sentido de que o art. 33, § 3º, da Lei n. 8.069/90 deve prevalecer sobre a modificação legislativa promovida na lei geral da previdência social porquanto, nos termos do art. 227 da Constituição, é norma fundamental o princípio da proteção integral e preferência da criança e do adolescente. Consectariamente, ao menor sob guarda deve ser assegurado o direito ao benefício da pensão por morte mesmo se o falecimento se deu após a modificação legislativa promovida pela Lei n. 9.528/97 na Lei n. 8.213/90.
SEGUNDA SEÇÃO
REsp 1.570.655-GO , Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, por unanimidade, julgado em 23/11/2016, DJe 9/12/2016.
DIREITO REGISTRAL
Procedimento de dúvida registral. Natureza administrativa. Impugnação por terceiro interessado. Não cabimento de recurso especial.
Não cabe recurso especial contra decisão proferida em procedimento de dúvida registral, sendo irrelevantes a existência de litigiosidade ou o fato de o julgamento emanar de órgão do Poder Judiciário, em função atípica.
A Segunda Seção do STJ analisou, preliminarmente ao julgamento do mérito, o cabimento do especial, na medida em que o recurso voltava-se contra decisão proferida em procedimento de dúvida registral, cuja natureza administrativa é expressamente assentada no art. 204 da Lei de Registros Públicos. Trata-se, pois, de atividade atípica desempenhada pelo Poder Judiciário no controle de legalidade dos atos praticados pelo delegatário da atividade estatal, em caráter correcional. Não caracteriza prestação jurisdicional stricto sensu, o que desautoriza a interposição de recurso especial para julgamento nesta Corte Superior. De fato, a jurisprudência do STJ pacificou o entendimento de que, enquanto representar mera consulta sobre questão formal relativa ao pedido de registro ou averbação, não impugnada por terceiro ou pelo Ministério Público, revela-se inequívoca a natureza administrativa do procedimento de dúvida registral, inviabilizando a utilização dos recursos excepcionais. Entretanto, colhiam-se alguns precedentes da Corte no sentido de que, suscitada a dúvida pelo oficial - ou dúvida inversa, pelo próprio interessado -, a eventual impugnação feita por terceiro qualificaria a existência de um litígio e, portanto, uma "causa", viabilizando o acesso à instância especial. Contudo, tratando-se de procedimento de inequívoca natureza administrativa, circunscrito à análise de questões formais do pedido de registro ou averbação, no escopo de garantir a higidez do sistema e dos princípios do direito registral, não se está diante de "causa decidida em única ou última instância", segundo o permissivo constitucional (CF, art. 105, III). Cabe lembrar que nem mesmo haveria espaço para a produção de provas, eventualmente necessárias para o exame de questões mais complexas, que devem ser resolvidas pela via jurisdicional adequada. Por sua vez, a "sentença" proferida em solução à dúvida suscitada pelo oficial de registro de imóveis, conquanto homônima do ato processual previsto no art. 203, § 1º, do CPC/2015, com ele não se confunde. Trata-se de ato decisório administrativo que não se reveste das mesmas características, não resultando de quaisquer das hipóteses previstas nos arts. 485 e 487 do CPC/2015 (arts. 267 e 269 do CPC/1973). Até mesmo o recurso previsto no art. 202 da LRP, a despeito do nomem juris que lhe deu o legislador - idêntico ao recurso judicial previsto nos arts. 1.009 do CPC/2015 e 513 do CPC/1973 -, tem natureza administrativa. Nesse aspecto, qualquer que seja a decisão proferida no procedimento de dúvida, sobre ela não pesarão os efeitos da coisa julgada judicial, sendo certo que a discussão pode ser reaberta no campo jurisdicional, por meio de um processo adequadamente instaurado, com ampla cognição e regular trâmite pelas instâncias do Poder Judiciário. Em tais circunstâncias, admitir-se a via recursal excepcional para o julgamento desse tipo de controvérsia poderia resultar no acesso ao STJ para o exame de toda e qualquer irresignação contra decisões proferidas por órgãos colegiados de tribunais em procedimentos puramente administrativos, como, por exemplo, aqueles nos quais se delibera sobre a aplicação de penalidade administrativa ou a que decide o desdobramento de pensão de servidor falecido. Além disso, na medida em que a lei prevê a natureza administrativa do procedimento até o seu "trânsito em julgado" (LRP, arts. 204 e 203), a decisão proferida pelo STJ no julgamento do recurso especial também estaria revestida dessa qualidade, de sorte que poderia ser revista em primeiro grau de jurisdição, no julgamento de ação judicial promovida pelo prejudicado, o que se revela incompatível com o sistema judicial desenhado na Constituição. Não se sustenta, pois, a conclusão de que a existência de litígio é suficiente para qualificar a "causa" exigida pelo art. 105, III, da Lei Fundamental. Em verdade, o constituinte originário estabeleceu estreita relação entre o conceito de "causa" e a atividade jurisdicional stricto sensu (processo judicial), não admitindo, absolutamente, a abertura da via recursal excepcional para impugnar julgamento de conflito administrativo, ainda que tenha sido realizado por órgão colegiado formado por membros do Poder Judiciário, no exercício de atividade atípica - entendimento este também adotado pelo Supremo Tribunal Federal (RE 254497, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 18/2/2000, p. 125).
TERCEIRA SEÇÃO
RHC 64.086-DF , Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. para acórdão Min. Rogério Schietti Cruz, por maioria, julgado em 23/11/2016, DJe 09/12/2016.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Réu foragido. Produção antecipada de provas. Testemunhas policiais. Art. 366 do CPP. Súmula 455 do STJ. Temperamento. Risco de perecimento da prova.
É justificável a antecipação da colheita da prova testemunhal com arrimo no art. 366 do Código de Processo Penal nas hipóteses em que as testemunhas são policiais. O atuar constante no combate à criminalidade expõe o agente da segurança pública a inúmeras situações conflituosas com o ordenamento jurídico, sendo certo que as peculiaridades de cada uma acabam se perdendo em sua memória, seja pela frequência com que ocorrem, ou pela própria similitude dos fatos, sem que isso configure violação à garantia da ampla defesa do acusado.
Tratou-se de recurso ordinário em habeas corpus em que pretendeu o impetrante a declaração de nulidade da decisão que determinou a produção antecipada de provas na forma do art. 366 do CPP, ante a ausência de fundamento concreto para a produção, incidindo ao caso a Súmula 455 do STJ. Do artigo anteriormente mencionado, pode-se concluir que, na hipótese de ser desconhecido o paradeiro do acusado após a sua citação por edital, fica o Juiz autorizado a determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes, visando justamente resguardar a efetividade da prestação jurisdicional, diante da possibilidade de perecimento da prova em razão do decurso do prazo que o processo permanecerá suspenso. Se, de um lado, pondera-se que a produção antecipada de provas poderia representar prejuízo à ampla defesa, visto que não oportunizaria ao acusado o exercício da autodefesa, não se desconhece que, cuidando-se de prova testemunhal, evidencia-se certa urgência em sua colheita, haja vista o possível esquecimento dos fatos pelos depoentes durante o período em que o processo permanece, por força da norma referida, sobrestado. Este Superior Tribunal firmou o entendimento segundo o qual o simples argumento de que as testemunhas poderiam esquecer detalhes dos fatos com o decurso do tempo não autorizaria, por si só, a produção antecipada de provas, sendo mister fundamentá-la concretamente, sob pena de ofensa à garantia do devido processo legal. É que, muito embora esse esquecimento seja passível de concretização, não poderia ser utilizado como mera conjectura, desvinculado de elementos objetivamente deduzidos. Nesse sentido, a súmula n. 455 do STJ: "A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo". Contudo, o enunciado na súmula anteriormente mencionada deve ser interpretado criteriosamente. Tem-se que, a prova testemunhal é, se comparada a outros meios de prova, mais urgente, de maneira que a tardança em coletá-la compromete, definitivamente, a prestação jurisdicional, com reflexos nos fins a que se destina a jurisdição penal. Ademais, o atuar constante no combate à criminalidade expõe o agente da segurança pública a inúmeras situações conflituosas com o ordenamento jurídico, sendo certo que as peculiaridades de cada uma acabam se perdendo em sua memória, seja pela frequência com que ocorrem, ou pela própria similitude dos fatos, sem que isso configure violação à garantia da ampla defesa do acusado, caso a defesa técnica repute necessária a repetição do seu depoimento por ocasião da retomada do curso da ação penal. De mais a mais, não se pode olvidar que a realização antecipada de provas não traz prejuízo para a defesa, visto que, além de o ato ser realizado na presença de defensor nomeado, o comparecimento eventual do réu - e a consequente retomada do curso processual - lhe permitirá requerer a produção das provas que julgar necessárias para sua defesa e, ante argumentos idôneos, poderá até mesmo lograr a repetição da prova produzida antecipadamente.
CC 148.110-MG , Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Rel. para acórdão Min. Maria Thereza de Assis Moura, por maioria, julgado em 23/11/2016, DJe 13/12/2016.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Operadora de plano de saúde não caracterizada como seguradora. Impossibilidade de equiparação a instituição financeira. Crime contra o sistema financeiro nacional afastado. Possíveis crimes falimentares ou patrimoniais. Competência da justiça estadual.
Compete à justiça estadual o processamento e julgamento de ação penal que apura supostas fraudes praticadas por administrador na gestão de operadora de plano de saúde não caracterizada como seguradora.
Cuidou-se de conflito negativo de competência suscitado pelo Juízo Estadual em face de decisão de Juízo Federal que se reputou incompetente para julgar ação penal, na qual o sócio-administrador de operadora de plano de saúde que teve sua falência decretada foi denunciado pela prática de gestão fraudulenta, por ter cometido uma série de ilegalidades, destacando-se a falta de recolhimento de tributos e contribuições ao FGTS e a ausência de contabilidade organizada e regular. O ponto controverso consistiu em saber se essa pessoa jurídica poderia ou não ser considerada instituição financeira por equiparação, nos termos do art. 1º parágrafo único da Lei 7.492/86, e, assim, ser objeto do delito de gestão fraudulenta. Da leitura do dispositivo citado, percebe-se que a única possibilidade desse enquadramento seria na condição de captadoras e administradoras de seguros. Entretanto, as operadoras de planos de assistência à saúde não possuem natureza jurídica uniforme. Com base no artigo 1º, inciso II, da Lei nº 9.656/98 - regulamentado pela Resolução RDC n. 39 da ANS -, nota-se que o conceito de operadora de plano de assistência à saúde é bastante amplo: abrange cooperativas, sociedades "civis" (atualmente denominadas sociedades simples), sociedades "comerciais" (atualmente sociedades empresárias) e entidades de autogestão. Além destas, também as sociedades seguradoras podem ser consideradas como operadoras de plano de assistência à saúde "desde que estejam constituídas como seguradoras especializadas nesse seguro", consoante os artigos 1º e 2º da Lei nº 10.185/2001 e que operem, obrigatoriamente, sob a forma de sociedade anônima, conforme resolução da ANS. A diferença fundamental entre as seguradoras e as demais operadoras de planos de assistência à saúde consiste na possibilidade que lhes é franqueada de negociarem - captarem e administrarem - seguro-saúde, que não se confunde com as demais formas de planos privados de assistência à saúde. O seguro-saúde é uma modalidade de contrato de seguro formalizado junto a seguradoras especializadas, destinado a proteger segurados e seus dependentes incluídos na apólice em situações de doenças e lesões estipuladas contratualmente. Nos termos da apólice, a seguradora obriga-se a reembolsar o segurado, ou pagar em nome deste e à sua ordem, despesas de natureza médico-hospitalar que resultem da ocorrência de eventos (sinistros) cobertos. Com base nessas premissas, constatou-se que a operadora de plano de saúde em análise no caso concreto não poderia ser considerada uma sociedade seguradora. No direito penal, é vedada a analogia in malan partem, por afronta ao princípio da legalidade (artigo 5º, XXXIX, Constituição, e artigo 1º do Código Penal), de modo que não é legítimo que se pretenda promover a equiparação das demais operadoras de planos privados de assistência à saúde às seguradoras para justificar uma imputação penal. Com isso, concluiu-se que a prática de fraudes à frente da operadora de plano de saúde em análise pode caracterizar, em tese, crimes contra o patrimônio - como estelionato e apropriação indébita - ou crimes falimentares, mas jamais um crime contra o sistema financeiro nacional. Assim sendo, a competência para o processamento e julgamento do feito recai sobre a Justiça Estadual.
TERCEIRA TURMA
REsp 1.629.994-RJ , Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 6/12/2016, DJe 15/12/2016.
DIREITO CIVIL
Guarda compartilhada. Não decretação. Possibilidades.
A guarda compartilhada somente deixará de ser aplicada quando houver inaptidão de um dos ascendentes para o exercício do poder familiar, fato que deverá ser declarado, prévia ou incidentalmente à ação de guarda, por meio de decisão judicial.
Consiste a controvérsia em dizer se, à luz da atual redação do art. 1.584, II, § 2º, do Código Civil, é possível ao julgador indeferir pedido de guarda compartilhada sem a demonstração cabal de que um dos ex-cônjuges não está apto a exercer o poder familiar. Inicialmente, importa declinar que a questão relativa à imposição da guarda compartilhada, a partir do advento da nova redação do art. 1.584, II, § 2º, do CC, deixou de ser facultativa para ser regra impositiva. No que toca às possibilidades legais de não se fixar a guarda compartilhada, apenas duas condições podem impedir-lhe a aplicação obrigatória: a) a inexistência de interesse de um dos cônjuges; b) a incapacidade de um dos genitores de exercer o poder familiar. A primeira assertiva legal labora na linha do que é ululante, pois não se pode obrigar, sob vara, um genitor, a cuidar de sua prole. Contudo, do mesmo vício - obviedade - não padece a segunda condição, extraída, contrario sensu, do quanto disposto no art. 1.584, § 2º, do CC. O texto de lei, feito com a melhor técnica redacional, por trazer um elemento positivo: a condição necessária para a guarda compartilhada, aponta, em via contrária, para a circunstância que impedirá a imposição dessa mesma guarda compartilhada: a inaptidão para o exercício do poder familiar. E aqui reside uma outra inovação neste texto legal, de quilate comparável à própria imposição da guarda compartilhada, que consiste na evidenciação dos únicos mecanismos admitidos em lei para se afastar a imposição da guarda compartilhada: a suspensão ou a perda do poder familiar. A suspensão por gerar uma inaptidão temporária para o exercício do poder familiar (art. 1637 do CC); a perda por fixar o término do Poder Familiar. Ocorre, porém, que ambas as situações exigem, pela relevância do direito atingido, que haja uma prévia decretação judicial do fato, circunstância que, pela íntima correlação com a espécie, também deverá ser reproduzida nas tentativas de oposição à guarda compartilhada. É dizer, um ascendente só poderá perder ou ter suspenso o seu poder/dever consubstanciado no poder familiar por meio de uma decisão judicial e, só a partir dessa decisão, perderá a condição essencial para lutar pela guarda compartilhada da prole, pois deixará de ter aptidão para exercer o poder familiar. Essa interpretação, que se extrai do texto legal, embora não crie uma exceção objetiva à regra da peremptoriedade da guarda compartilhada, tem o mérito de secundar o comando principal, pois se passa a exigir, para a não aplicação da guarda compartilhada, um prévio ou incidental procedimento judicial declarando a suspensão ou perda do poder familiar, com decisão judicial no sentido da suspensão ou da perda.
REsp 1.459.597-SC , Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 1/12/2016, DJe 15/12/2016.
DIREITO CIVIL
Contrato de convivência particular. Regulação das relações patrimoniais de forma similar à comunhão universal de bens. Possibilidade.
É válido, desde que escrito, o pacto de convivência formulado pelo casal no qual se opta pela adoção da regulação patrimonial da futura relação como símil ao regime de comunhão universal, ainda que não tenha sido feito por meio de escritura pública.
Cinge-se a controvérsia em dizer se o contrato de convivência estatuído entre as partes, sem registro público, dispondo sobre o estabelecimento de união estável e regulando as relações patrimoniais de forma similar à comunhão universal, é válido, notadamente no que toca à comunhão universal dos bens. Inicialmente, cumpre esclarecer que aos conviventes foi outorgada liberdade para acordar sobre as relações patrimoniais do casal, podendo firmar contrato particular de convivência, desde que pautado nos requisitos de validade do negócio jurídico regulado pelo art. 104 do Código Civil: capacidade dos agentes, ocorrência de vício de vontade ou vício social, licitude do objeto e forma prescrita em lei. Quanto a esse último requisito - que para o Tribunal de origem deixou de ser observado, porquanto entendeu que incidiria, à espécie, o disposto no art. 1.640 do CC, quanto à obrigatoriedade de escritura pública -, é de se anotar que, diferentemente do que ocorreu na regulação do regime de bens dentro do casamento, o Código Civil, no que toca aos conviventes, fixou a exigência de contrato escrito para fazer a vontade destes, ou a incidência do regime de comunhão parcial de bens, na hipótese de se quedarem silentes quanto à regulação das relações patrimoniais. Em que pese a válida preocupação de se acautelar, via escritura pública, tanto a própria manifestação de vontade dos conviventes quanto possíveis interesses de terceiros, é certo que o julgador não pode criar condições onde a lei estabeleceu o singelo rito do contrato escrito. Nesse particular, é significativo destacar que nem a regulação do registro de uniões estáveis por oficial de registro civil das pessoas naturais, feita pelo CNJ, por meio do Provimento 37/14, exige que a união seja averbada no registro imobiliário correspondente ao dos bens dos conviventes. Assim, se atendidos os requisitos de validade do negócio jurídico entabulado, o contrato de convivência é válido.
REsp 1.482.565-SP , Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, julgado em 6/12/2016, DJe 15/12/2016.
DIREITO CIVIL
Locação de imóvel. Cumprimento de sentença. Fiança limitada. Extensão da garantia aos honorários sucumbenciais. Necessidade de interpretação restrita.
As disposições relativas à fiança devem ser interpretadas de forma restritiva, razão pela qual, nos casos em que ela é limitada, a responsabilidade do outorgante não pode estender-se senão à concorrência dos precisos limites nela indicados.
A discussão trazida nos autos restringiu-se em saber se os honorários advocatícios estão ou não incluídos no conceito de "despesas judiciais" previsto no art. 822 do Código Civil, o qual dispõe que, "não sendo limitada, a fiança compreenderá todos os acessórios da dívida principal, inclusive as despesas judiciais, desde a citação do fiador". Com efeito, mais importante que definir se os honorários advocatícios são ou não espécie do gênero "despesas judiciais" - o que poderia alterar o desfecho da lide em função da opção doutrinária a ser seguida - considerou-se essencial perquirir, com vistas à adequada solução da causa, sobre os limites da responsabilidade decorrente de fiança limitada. Tem-se, da literalidade do art. 822 do CC, que a fiança pode ser ilimitada, caso em que alcançará a integralidade da obrigação, inclusive, com os acessórios da dívida principal (multa contratual, juros de mora e atualização monetária), ou, então, limitada, isto é, quando as partes estipulam, por meio de contrato, sobre que parcela da obrigação o fiador irá se responsabilizar, em caso de inadimplemento do afiançado. Como contrato benéfico que é (CC, art. 114), "a fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva" (CC, art. 819), devendo ser interpretada da maneira mais favorável ao fiador. Também quanto aos limites quantitativos da fiança, decorre do art. 823 que a garantia pode ser pactuada para produzir efeitos sobre valor inferior ao da obrigação principal, já que lhe é acessória, além de ser possível ser contraída, inclusive, em condições menos onerosas. Considerando, ainda, a natureza secundária do contrato de fiança, o qual, além de ser constituído de forma acessória é, por essência, subsidiário, para que o fiador assuma o lugar do devedor principal quando a obrigação não for cumprida, inclusive no que se refere aos honorários advocatícios, haverá a necessidade de previsão indene de dúvida nesse sentido. A responsabilidade do fiador, portanto, restringe-se aos termos do que for pactuado no contrato, não havendo nenhuma obrigação de que a fiança tenha que corresponder, necessariamente, à integralidade da dívida.
REsp 1.321.263-PR , Rel. Min. Moura Ribeiro, por unanimidade, julgado em 6/12/2016, DJe 15/12/2016.
DIREITO EMPRESARIAL
Dissolução parcial de sociedade anônima. Possibilidade. Inexistência de lucros e não distribuição de dividendos há vários anos. Princípio da preservação da empresa.
É possível que sociedade anônima de capital fechado, ainda que não formada por grupos familiares, seja dissolvida parcialmente quando, a despeito de não atingir seu fim - consubstanciado no auferimento de lucros e na distribuição de dividendos aos acionistas -, restar configurada a viabilidade da continuação dos negócios da companhia.
A questão controvertida em debate visa definir se é possível a dissolução parcial de sociedade anônima de capital fechado por não atingir seu fim (art. 206, II, b, da Lei nº 6.404/76), consubstanciado no auferimento de lucros e na distribuição de dividendos aos acionistas. As sociedades são classificadas como de pessoas e de capitais, a depender da relevância dos sócios para a sua formação. Daí resulta o caráter intuito personae das sociedades limitadas, em que prevalece o relacionamento pessoal dos sócios e a confiança entre eles, em contraposição ao caráter intuito pecunae das sociedades anônimas, preponderando a contribuição pecuniária dos seus integrantes. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de ser possível a dissolução parcial de sociedades que concentram na pessoa de seus sócios um de seus elementos preponderantes, partindo-se do pressuposto de que as sociedades anônimas de capital fechado são, em sua maioria, formadas por grupos familiares, constituídas intuito personae. Nesses casos, o rompimento da affectio societatis representa verdadeiro impedimento a que a companhia continue a realizar o seu fim social, motivo que levou a Segunda Seção a adotar a orientação de que é possível a dissolução parcial da sociedade anônima de capital fechado (EREsp 1.079.763/SP, Segunda Seção, DJe 6/9/2012; EREsp 111.294/PR, Segunda Seção, DJe 10/9/2007). No entanto, os precedentes desbordam da hipótese em que a sociedade não é um grupo familiar, tratando-se, pois, de sociedade de capital, com nítido intuito pecunae, composta por investidores institucionais. A finalidade lucrativa é da essência da sociedade por ações, consoante se extrai do art. 2º da Lei nº 6.404/76. Ausente o lucro, fica autorizada a dissolução da sociedade anônima por decisão judicial quando provado que ela não consegue preencher o seu fim, em ação ajuizada por acionistas que representem 5% ou mais do capital social, nos termos do art. 206, II, b, da Lei nº 6.404/76. Anote-se a existência de julgado da Terceira Turma (REsp 247.002/RJ, DJe 25/03/2002) em que se entendeu que o fato da sociedade anônima ser de capital fechado e não ser unida por vínculos de natureza pessoal impossibilita sua dissolução parcial tão somente por não distribuir dividendos por razoável lapso temporal, mas que, todavia, não se assemelha à hipótese sob análise, uma vez que no precedente foi comprovado por prova pericial a impossibilidade de percepção de lucros a curto prazo. Na concepção de doutrina, a Lei nº 6.404/76 acolheu o princípio da preservação da empresa em seus arts. 116 e 117, por adotar a prevalência da função social e comunitária da companhia e por caracterizar como abuso de poder do controlador a liquidação de companhia próspera. A dissolução parcial, além de resguardar o interesse público na manutenção das empresas e geração de empregos, visa proteger o interesse dos demais acionistas, contrários à sua dissolução. Com efeito, não seria plausível a extinção da sociedade por sócios que representam pouco mais de 10% das ações da companhia, como é o caso dos autos. Por fim, crave-se que a dissolução parcial constitui solução menos gravosa, assegurando aos acionistas que entendem ser possível uma reviravolta na sorte da companhia a continuação de suas atividades.
REsp 1.602.240-MG , Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, julgado em 6/12/2016, DJe 15/12/2016.
DIREITO EMPRESARIAL
Dissolução parcial e extrajudicial da sociedade limitada constituída por tempo indeterminado. Direito de recesso. Momento da apuração dos haveres.
Na hipótese em que o sócio de sociedade limitada constituída por tempo indeterminado exerce o direito de retirada por meio de inequívoca e incontroversa notificação aos demais sócios, a data-base para apuração de haveres é o termo final do prazo de sessenta dias, estabelecido pelo art. 1.029 do CC/02.
Ao disciplinar o direito societário, o Código Civil de 2002 incorporou ao direito nacional o entendimento, já sedimentado na jurisprudência, de que o vínculo associativo não poderia ser imposto ao sócio que desejasse se retirar de sociedade constituída por prazo indeterminado, ainda que ausente a imposição de alteração contratual. Nesse rumo, excluídas as sociedades de capitais que seguem reguladas pela Lei n. 6.404/1976, o art. 1.029 do CC/2002 assegurou, de forma expressa, a possibilidade de retirada voluntária de sócios dos demais tipos societários, mediante a mera notificação da empresa, respeitado o prazo de sessenta dias de antecedência mínima. Constitui-se, portanto, a retirada em direito potestativo positivado em favor de cada sócio, individualmente considerado e uma vez exercido e respeitado o prazo de antecedência da notificação, opera-se plenamente a resilição do vínculo associativo individual, sujeitando os demais sócios e a empresa, independentemente de anuência ou de intervenção judicial. Nas hipóteses em que é regularmente exercido o direito de retirada, a apuração dos haveres deve sempre observar como marco temporal a data da resolução do contrato societário. É o que determina o art. 1.031, caput, do CC/02. A existência de farta jurisprudência desta Corte Superior no sentido de considerar resolvida a sociedade na data da propositura da ação de dissolução não contraria a conclusão no sentido de que a resolução de sociedade em testilha ocorre após os sessenta dias contados da notificação extrajudicial. Isso porque os precedentes existentes cuidaram de decidir causas em que a própria resolução da sociedade era fato controverso nos autos - mesmo porque a dissolução de sociedade em razão da pretensão do sócio de retirar-se somente se fazia por meio da via processual antes do atual Código Civil. Todavia, a regra de direito extraída desses precedentes já atentava para a relevância do ato de comunicação do interesse de retirar-se, consubstanciado na propositura da demanda na sistemática legal anterior. Dessa forma, reconhece-se como data-base para a apuração de haveres o término do prazo legal, data em que houve o efetivo desligamento de sócio retirante em relação à sociedade.
QUARTA TURMA
REsp 1.318.281-PE , Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, por unanimidade, julgado em 1/12/2016, DJe 7/12/2016.
DIREITO CIVIL
Matrimônio constituído na vigência do Código Civil de 1916. Separação de bens. Nubente varão contando com mais de 60 anos. União estável duradoura iniciada antes de tal idade. Desnecessidade da proteção ao idoso. Alcance teleológico do instituto protetivo.
A proteção matrimonial conferida ao noivo, nos termos do artigo 258, parágrafo único, inciso II, do Código Civil de 1.916 não se revela necessária quando o enlace for precedido de longo relacionamento em união estável, que se iniciou quando os cônjuges não tinham restrição legal à escolha do regime de bens.
Cingiu-se a discussão em definir a obrigatoriedade do regime de separação de bens dispensada ao noivo varão que, ao contrair matrimônio, não obstante contar com mais de 60 anos de idade, era parte de união estável consensual e duradoura há mais de 15 anos. O artigo 258, parágrafo único, II, do CC/16 - vigente à época dos fatos - previa como sendo obrigatório o regime de separação total de bens quando o casamento envolvesse noivo maior de sessenta ou noiva maior de cinquenta anos e tinha por objetivo a proteção do idoso e seus herdeiros necessários dos casamentos realizados por interesse estritamente econômico. Com o advento do CC/2002, a restrição foi também estabelecida para nubentes de ambos os sexos maiores de sessenta anos, posteriormente alterada pela Lei n. 12.334/2010 para alcançar apenas os maiores de setenta anos. Não obstante argumentações existentes a respeito da constitucionalidade do regramento em debate, tem-se por suficiente a interpretação teleológica da norma para a solução do caso concreto. Sendo assim, se a convivência entre os nubentes se fazia sólida, em união estável, duradoura e consensual, não há que se falar na necessidade de proteção do idoso para obstar vínculo conjugal por interesse exclusivamente econômico. Destaca-se, ainda, que acatar fundamentação contrária, além de ir de encontro à teleologia do instituto, acarretaria incoerência jurídica e lógica, visto que, durante o período de união estável, o regime vigente era o de comunhão parcial, de modo que, ao optar pela contração do matrimônio, não faria sentido impor regime mais gravoso, qual seja, o da separação, sob pena de estimular a permanência na relação informal e penalizar aqueles que buscassem maior reconhecimento e proteção por parte do Estado, impossibilitando a oficialização do matrimônio.
REsp 1.178.768-SP , Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, por unanimidade, julgado em 1/12/2016, DJe 7/12/2016.
DIREITO DO CONSUMIDOR
Responsabilidade de sociedade mantenedora de cadastros restritivos de crédito por anotações indevidas de dados. Poder de polícia do Banco Central sobre a atividade relativa a cadastro de devedores.
O Banco Central não possui atribuição para fiscalizar as atividades desenvolvidas pelo Serasa S.A., entidade que não se qualifica como instituição financeira.
A discussão trazida no recurso especial tratou da existência de atribuição, por parte do Banco Central do Brasil, para o exercício de fiscalização sobre a atividade da Serasa. Inicialmente destacou-se que a Serasa S.A. é sociedade que mantém cadastro de consumidores cujos dados interessam a seus associados como elementos necessários ao estudo de risco para as operações relativas a concessão de crédito. Os associados, sim, podem ser instituições financeiras, mas a Serasa só organiza o cadastro, sem interferir direta ou indiretamente no deferimento do financiamento. Não se trata, portanto, de instituição financeira, cujo conceito é dado pelo art. 17 da Lei 4.595/64. Não exerce coleta, intermediação nem aplicação de recursos financeiros próprios ou terceiros, nem a custódia de valor de propriedade de terceiros, seja como atividade principal ou acessória. Nem mesmo o fato de que a Serasa tem atividade ligada a interesses dos bancos torna aceitável a interpretação de que equivale a instituição financeira. Afastada a natureza financeira do órgão mantenedor do cadastro de inadimplentes, descarta-se a incidência dos incisos VI e IX do art. 10 da Lei 4.595/64, que tratam da competência do Banco Central para exercer o controle sobre o crédito e a fiscalização das instituições financeiras. A interpretação de que a Serasa seria instituição financeira (inciso IX), bem como a de que o controle do crédito sob todas as suas formas (inciso VI) cobre a atividade dessa sociedade, é muito extensiva e prejudica a garantia do administrado de que os órgãos da Administração Pública só agem nos estritos limites da legalidade. Assim, essa fiscalização, que nada mais seria do que o exercício do poder de polícia, não pode ser exercida pelo Banco Central - nem pela Administração Pública, diga-se - sem o respectivo respaldo legal, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade (Constituição da República, art. 37, caput).
SEXTA TURMA
REsp 1.622.781-MT , Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, por unanimidade, julgado em 22/11/2016, DJe 12/12/2016.
DIREITO PENAL
Tráfico de drogas e corrupção de menores. Causa de aumento de pena do art. 40, VI, da Lei de Drogas e crime de corrupção de menores. Princípio da especialidade.
Na hipótese de o delito praticado pelo agente e pelo menor de 18 anos não estar previsto nos arts. 33 a 37 da Lei de Drogas, o réu poderá ser condenado pelo crime de corrupção de menores, porém, se a conduta estiver tipificada em um desses artigos (33 a 37), não será possível a condenação por aquele delito, mas apenas a majoração da sua pena com base no art. 40, VI, da Lei n. 11.343/2006.
O debate consistiu no enquadramento da conduta de adulto que pratica tráfico em concurso eventual com criança ou adolescente. Para configuração do crime previsto no art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), basta a participação de menor de 18 anos no cometimento do delito, pois, de acordo com a jurisprudência do STJ, o crime é formal e, por isso, independe da prova da efetiva corrupção do menor (Súmula 500/STJ). Por sua vez, para incidir a majorante do art. 40, VI, da Lei de Drogas, faz-se necessário que, ao praticar os delitos previstos nos arts. 33 a 37, o réu envolva ou vise atingir criança, adolescente ou quem tenha capacidade de entendimento e determinação diminuída. Não se compartilha do entendimento no sentido de que, se a criança ou adolescente já estiverem corrompidos, não há falar em corrupção de menores e de que responde o agente apenas pelo crime de tráfico majorado, pois, de acordo com o entendimento do STJ, é irrelevante a prova da efetiva corrupção do menor para que o acusado seja condenado pelo crime do ECA. A solução deve ser encontrada no princípio da especialidade. Assim, se a hipótese versar sobre concurso de agentes envolvendo menor de dezoito anos com a prática de qualquer dos crimes tipificados nos arts. 33 a 37 da Lei de Drogas, afigura-se juridicamente correta a imputação do delito em questão, com a causa de aumento do art. 40, VI. Para os demais casos, aplica-se o art. 244-B, do Estatuto da Criança e do Adolescente, conforme entendimento doutrinário.
REsp 1.519.802-SP , Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, por unanimidade, julgado em 10/11/2016, DJe 24/11/2016.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Uso de tornozeleira eletrônica. Perímetro estabelecido para monitoramento. Não observância. Constituição de falta grave. Não ocorrência. Aplicação de sanção disciplinar.
A não observância do perímetro estabelecido para monitoramento de tornozeleira eletrônica configura mero descumprimento de condição obrigatória que autoriza a aplicação de sanção disciplinar, mas não configura, mesmo em tese, a prática de falta grave.
Cingiu-se a discussão a verificar se a conduta do apenado, de estar fora da área de inclusão de rastreamento da tornozeleira eletrônica configura, em tese, possível falta disciplinar de natureza grave - apta à instauração de sindicância administrativa. Inicialmente, cabe destacar que resta incontroverso na doutrina e na jurisprudência que é taxativo o rol do artigo 50 da Lei de Execuções Penais, que prevê as condutas que configuram falta grave. No caso em apreço, o apenado foi identificado fora do endereço declarado no período noturno (área de inclusão), descumprindo assim uma das condições impostas na decisão que lhe concedera saída temporária. Todavia, tal conduta não está prevista no rol supracitado - o que veda o seu reconhecimento, mesmo em tese, como falta disciplinar de natureza grave, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade. Trata-se, sim, de descumprimento de condição obrigatória que autoriza sanção disciplinar diversa, podendo ser aplicada, a critério do juiz da execução, a regressão do regime, a revogação da saída temporária, da prisão domiciliar ou a advertência por escrito, nos termos do artigo 146-C, parágrafo único da Lei de Execuções Penais, incluído pela Lei n. 12.258, de 2010, bem como a revogação do próprio benefício de monitoração, por descumprimento do disposto no art. 146-D do referido diploma legal. Importante ressaltar que esta Corte vem admitindo a ocorrência de falta grave nas hipóteses em que o condenado rompe a tornozeleira eletrônica ou mantém a bateria sem carga suficiente para o uso normal. Ocorre, contudo, que em casos tais, o apenado deixa de manter o aparelho em funcionamento, restando impossível o seu monitoramento eletrônico, o que até poderia equivaler, em última análise, à própria fuga, diversamente do que ocorre no presente caso, em que há mera inobservância do perímetro de inclusão declarado para o período noturno, que foi detectado pelo próprio rastreamento do sistema de GPS, mantendo-se assim o condenado sob normal vigilância.
HC 369.774-RS , Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, por maioria, julgado em 22/11/2016, DJe 7/12/2016.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Execução penal. Marco inicial para subsequente progressão de regime. Data em que o reeducando preencheu os requisitos do art. 112 da LEP.
A data-base para subsequente progressão de regime é aquela em que o reeducando preencheu os requisitos do art. 112 da Lei de Execução Penal.
Ambas as Turmas que compõem a Terceira Seção do STJ eram firmes em assinalar que o termo inicial para obtenção de nova progressão pelo apenado era a data do seu efetivo ingresso no regime anterior e não a data da decisão judicial concessiva do benefício ou aquela em que houve o preenchimento dos requisitos do art. 112 da LEP. No entanto, a Quinta Turma, recentemente, modificou o entendimento sobre o tema e, alinhando-se à posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal, passou a considerar como data-base para concessão de nova progressão aquela em que o apenado preencheu os requisitos do art. 112 da LEP. O STJ, em casos de punição disciplinar, determina que a data-base para nova progressão de regime será contada a partir do dia da falta grave, e não do dia em que for publicada decisão que a reconhece judicialmente. Na situação de progressão de regime, a regra deverá ser a mesma. O sistema progressivo da execução penal não pode ser erigido em detrimento do apenado em casos específicos de mora judiciária. A teor de julgados do Supremo Tribunal Federal, a decisão do Juízo das Execuções, que defere a progressão de regime, é meramente declaratória, e não constitutiva. Primeiramente o reeducando preenche os requisitos objetivo e subjetivo e, depois, pronunciamento judicial reconhece seu direito ao benefício. Embora a análise célere do pedido seja o ideal, é cediço que a providência jurisdicional não ocorre dessa forma e, por vezes, pode demorar meses ou anos para ser implementada. Por tais motivos, o período de permanência no regime mais gravoso, por mora do Judiciário em analisar requerimento de progressão ao modo intermediário de cumprimento da pena, deverá ser considerado para o cálculo de futuro benefício, sob pena de ofensa ao princípio da dignidade do apenado, como pessoa humana (art. 1°, III, CF) e prejuízo ao seu direito de locomoção. Assim, o entendimento da Sexta Turma alinha-se à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, para estabelecer, como marco para a subsequente progressão, a data em que o reeducando preencheu os requisitos legais do art. 112 da LEP.
HC 366.907-PR , Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, por unanimidade, julgado em 6/12/2016, DJe 16/12/2016.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Execução provisória da pena. Não esgotamento da jurisdição ordinária. Impossibilidade.
A execução da pena depois da prolação de acórdão em segundo grau de jurisdição e antes do trânsito em julgado da condenação não é automática, quando a decisão ainda é passível de integração pelo Tribunal de Justiça.
Cinge-se a controvérsia analisar hipótese de exceção ao entendimento trazido pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 964.246-SP, sob o regime de repercussão geral, acerca da possibilidade de execução provisória da pena após a prolação de acórdão de segundo grau e antes do trânsito em julgado da condenação. De acordo com o hodierno entendimento, os arts. 637 do CPP c/c os arts. 995 e 1.029, § 5º, ambos do CPC, ao atribuírem efeito meramente devolutivo aos recursos extraordinário e especial, excepcionam a regra geral do art. 283 do CPP, permitindo o início da execução quando o provimento condenatório for proferido ou confirmado por Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal. Na hipótese, contudo, há peculiaridade a ser observada. O Juiz de primeiro grau concedeu à ré, na sentença penal condenatória, o direito de recorrer em liberdade, por não estarem presentes os requisitos da prisão preventiva, e, em consulta eletrônica, é possível identificar que não houve prévio esgotamento da jurisdição do Tribunal, pois há registro de interposição de Embargos de Declaração ainda não julgado. Como o acórdão condenatório é passível de integração e não há, ainda, pronunciamento definitivo do Tribunal de Justiça passível de ser impugnado por meio de recurso especial e de recurso extraordinário, deve ser afastada a possibilidade de execução das penas impostas. Não se olvida que os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo e apenas interrompem o prazo para a interposição dos recursos cabíveis. No entanto, dada a falibilidade que é característica do ser humano, excepcionalmente, existe a possibilidade de atribuir efeito infringente aos aclaratórios. Assim, em casos de réus que responderam a ação penal ou recorreram da sentença condenatória em liberdade, soa desarrazoado determinar a prisão de forma automática, antes de possibilitar a integração do acórdão, quer para sanar eventuais vícios ou para afastá-los, sendo prudente aguardar-se a confirmação da condenação, em última análise, pelo Tribunal de Justiça.