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Informativo do STF 967 de 28/02/2020

Publicado por Supremo Tribunal Federal


PLENÁRIO

DIREITO CONSTITUCIONAL – SEGURANÇA PÚBLICA

Lei complementar estadual e Gaeco -

O Plenário retomou julgamento conjunto de duas ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas em face de preceitos de leis complementares estaduais que versam sobre criação e estruturação de Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) na esfera local. Na ADI 2838, impugna-se o art. 23, VIII, da Lei Complementar (LC) 27/1993 e o art. 1º; o art. 2º, §§ 2º, 3º e 4º; o art. 3º; o art. 4º, III, VII, §§ 2º e 3º; e o art. 6º da LC 119/2002 (2), ambas as leis do estado de Mato Grosso. Na ADI 4624, questiona-se a LC 72/2011 do estado de Tocantins, que trata da criação do Gaeco no âmbito do Ministério Público do estado do Tocantins, e dá outras providências. O ministro Alexandre de Moraes (relator) conheceu parcialmente das ações e julgou os pedidos improcedentes, no que foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux. O relator assinalou o prejuízo por perda de objeto no tocante a preceitos revogados. Na ADI 2838, o art. 23, VIII, da LC 27/1993, que estabelecia a possibilidade de o Parquet requisitar da Administração Pública serviços temporários de servidores civis ou de policiais militares e meios materiais necessários à realização de atividades específicas. A norma foi expressamente revogada pela LC 416/2010, também daquela unidade da Federação. Segundo o ministro Alexandre de Moraes, hoje, nos 26 Estados-membros e no Distrito Federal, há grupos constituídos para o combate mais efetivo ao crime organizado e à corrupção. O Gaeco é uma iniciativa dos Ministérios Públicos estaduais. A legislação local pretendeu efetivar maior entrosamento dos órgãos governamentais. Fortalecer os vínculos entre o Ministério Público e o Poder Executivo na área da persecução penal, a fim de possibilitar a atuação mais eficiente. A junção de esforços é baseada nos arts. 24, XI; 125, § 1º; 128, § 5º; e 144, §§ 4º e 5º, da Constituição Federal (CF) (2). Esses dispositivos permitem que o Estado-membro, tanto no âmbito do Ministério Público quanto das polícias do Executivo e do próprio Poder Judiciário, estabeleça regras mais próximas às peculiaridades locais para o combate à criminalidade organizada. O relator registrou inexistir invasão recíproca ou unilateral de competência ou, ainda, desrespeito à legislação federal. Houve regulamentação legal do que, em vários Estados-membros, ocorre por meio de convênios entre polícia e Ministério Público. Os preceitos impugnados estabeleceram a criação de Gaeco no âmbito do Parquet, ou seja, é órgão interno na estrutura do Ministério Público, com autonomia funcional, administrativa e financeira. Quanto à designação de delegados, policiais civis e militares, consignou não desnaturar a função de cada corporação. Há uma atuação conjunta, uma cooperação. A indicação nominal de policiais pelo procurador-geral de Justiça e pelo coordenador do Gaeco visa formar equipe de confiança. O Ministério Público solicita. É igual ao instituto da cessão administrativa. Além disso, não há inconstitucionalidade por eventual duplo vínculo funcional. Designado para atuar no Parquet, o policial exercerá suas funções sob a coordenação de membro do Ministério Público. Entretanto, ele não perde o vínculo funcional e disciplinar com sua instituição. O apoio das polícias não desnatura, em momento algum, suas funções constitucionais. O ministro assentou inexistir lesão às funções institucionais do Ministério Público. Não se compromete a autonomia e a independência do Parquet ou o controle externo da atividade policial. Noutro passo, asseverou que não há ferimento ao princípio do promotor natural. Distribuído o inquérito ou o procedimento de investigação, o Gaeco manterá sua participação apenas se houver a aquiescência do promotor a quem atribuído o caso. É atuação conjunta permitida pelo Estatuto do Ministério Público Federal (LC 75/1993) e, inclusive, pela Lei Orgânica Nacional dos Ministérios Públicos Estaduais (Lei 8.065/1993). Segue o caminho tomado em todos os países. Lembrou que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a validade jurídica e constitucional da atividade investigatória pelo Parquet ( Tema 184 da repercussão geral, RE 593.727 ). Aplica-se a teoria dos poderes implícitos. O Ministério Público deve dispor das funções necessárias, ainda que implícitas, para bem exercer com eficiência sua missão constitucional. O relator enfatizou que eventuais excessos devem ser combatidos e que a regulamentação por lei evita e facilita a repressão a abusos. Por fim, sublinhou ser possível a criação do Gaeco por lei, nos Estados-membros, porque trata-se de órgãos internos do Ministério Público, sob a coordenação de membro do Parquet, no exercício de atribuições constitucionais, com a cooperação de autoridades policiais. O ministro Edson Fachin anotou que essa conclusão tem amparo em sólida linha jurisprudencial, suficiente para rejeitar os argumentos pela inconstitucionalidade, porquanto o direito à segurança jurídica está intimamente ligado ao respeito aos precedentes do STF. Por sua vez, o ministro Roberto Barroso registrou não vislumbrar risco aos direitos fundamentais, ao devido processo legal ou aos princípios constitucionais. A ministra Rosa Weber explicitou que as autoridades policiais continuam vinculadas a seus órgãos e somente realizam atribuições afetas ao conteúdo ocupacional dos cargos que ocupam nas respectivas corporações. Estas têm a discricionariedade de deferir ou não a requisição do Parquet. Em seguida, o ministro Ricardo Lewandowski pediu vista dos autos. (1) LC 119/2002: “Art. 1º Fica criado, no âmbito do Poder Executivo e do Ministério Público do Estado de Mato Grosso, o GAECO – Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado, com sede na Capital e atribuições em todo o território do Estado de Mato Grosso. Parágrafo único. O GAECO atuará de forma integrada, funcionará em instalações próprias e contará com equipamentos, mobiliário, armamento e veículos necessários ao desempenho de suas atribuições e da Política Estadual de Segurança Pública. Art. 2º O GAECO será composto por representantes das seguintes instituições: I – Ministério Público; II – Polícia Judiciária Civil; III – Polícia Militar. (...) § 2º A Polícia Judiciária Civil estará representada por Delegados de Polícia, Agentes Policiais e Escrivães de Polícia, solicitados nominalmente pelo Procurador-Geral de Justiça e designados pelo Diretor-Geral de Polícia Civil, ouvido o Secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública. § 3º A Polícia Militar estará representada por Oficiais e Praças, solicitados nominalmente pelo Procurador-Geral de Justiça e designados pelo Comandante-Geral da Polícia Militar, ouvido o Secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública. § 4º Em caso de necessidade, o Coordenador do GAECO poderá, nos termos do art. 23, VIII, da Lei Complementar 27, de 19 de novembro de 1993, requisitar serviços temporários de servidores civis ou policiais militares para realização das atividades de combate às organizações criminosas. Art. 3º O Coordenador do GAECO será um representante do Ministério Público, nomeado pelo Procurador-Geral de Justiça. Art. 4º São atribuições do GAECO: (...) III – instaurar procedimentos administrativos de investigação; (...) VII – oferecer denúncia, acompanhando-a até seu recebimento, requerer o arquivamento do inquérito policial ou procedimento administrativo; (...) § 2º Durante a tramitação do procedimento administrativo e do inquérito policial, o GAECO poderá atuar em conjunto com o Promotor de Justiça que tenha prévia atribuição para o caso. § 3º A denúncia oferecida pelo GAECO, com base em procedimento administrativo, inquérito policial ou outras peças de informação, será distribuída perante o juízo competente, sendo facultado ao Promotor de Justiça, que tenha prévia atribuição para o caso, atuar em conjunto nos autos. (...) Art. 6º O GAECO terá dotação orçamentária específica, dentro da proposta orçamentária do Ministério Público e destinação de recursos pelo Poder Executivo. Parágrafo único. Os integrantes do GAECO receberão gratificação adicional não incorporável, correspondente a 10% (dez por cento) de seus respectivos vencimentos fixos, durante o período de atuação no referido Grupo, observada a disponibilidade financeira para despesa de pessoal.” (2) CF: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) XI – procedimentos em matéria processual; (...) Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. § 1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça. (...) Art. 128. O Ministério Público abrange: (...) § 5º Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros: (...) Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: (...) § 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. § 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.”

ADI 2838/MT, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 19.2.2020. (ADI-2838) ADI 4624/TO, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 19.2.2020. (ADI-4624)

DIREITO ADMINISTRATIVO – CONTRATO ADMINISTRATIVO

Prorrogação de contrato de concessão de ferrovia e serviço adequado -

O Plenário, por maioria, indeferiu medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra os seguintes dispositivos: § 2º, do inciso II do art. 6º (1); §§ 1º, 3º, 4º e 5º do art. 25 (2); e o § 2º do art. 30 (3), todos da Lei 13.448/2017. A parte autora alega que os dispositivos impugnados contrariam o caput e o inciso XXI do art. 37 (4), e o parágrafo único e o inciso IV do art. 175 (5) da Constituição Federal (CF). O Plenário afirmou que o art. 175, I, da CF (6) prevê que a lei disporá sobre as condições para a prorrogação dos contratos de concessão. Enfatizou que o inciso XII do art. 23 da Lei 8.987/1995 (7) estabelece que as condições para a prorrogação devem ser disciplinadas no contrato de concessão, configurando-se como cláusula essencial, marcada pela discricionariedade da Administração Pública e na supremacia do interesse público. A norma dispõe sobre a contratação de termo predefinido, firmado a partir de licitação, cabendo à Administração avaliar, excepcionalmente, com base nos parâmetros legais de atendimento ao interesse público, a conveniência e a oportunidade da prorrogação. Assinalou que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) reconhece a prorrogação do prazo contratual no espaço de discricionariedade da Administração Pública à qual cabe analisar e concluir sobre a oportunidade e a conveniência da prorrogação. A prorrogação indefinida do contrato, porém, configura burla às determinações legais e constitucionais quanto à licitação obrigatória para adoção do regime de concessão e permissão para exploração de serviços públicos. A Lei 13.448/2017 estabelece diretrizes gerais para a prorrogação e relicitação dos contratos de parceria qualificados no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), nos termos da Lei 13.303/2016, para os setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário da Administração Pública federal. Não procede a alegação da autora de que a exigência posta no § 2º do inciso II do art. 6º da Lei 13.448/2017 importa em ofensa à eficiência e favorecimento de interesses particulares em detrimento do interesse público. Conforme se prescreve na norma impugnada, além de outras condicionantes, deve-se comprovar a prestação de serviço adequado, consistente no cumprimento, pelo período antecedente de cinco anos contado da data da proposta de antecipação da prorrogação, das metas de produção e de segurança definidas no contrato, por três anos, ou das metas de segurança definidas no contrato, por quatro anos. A definição legal de serviço adequado (Lei 8.987/1995, art. 6º, § 1º) expõe ser ele “o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas”. O serviço adequado é aquele que atende, quanto ao objeto contratado, os índices de atendimento. A prorrogação contratual ao termo final do contrato ou a prorrogação antecipada devem ser submetidas a consulta pública. Para tanto, após o encerramento da consulta pública, encaminham-se ao Tribunal de Contas da União (TCU) o estudo prévio, os documentos que comprovem o cumprimento das exigências de serviço adequado e o termo aditivo de prorrogação contratual para avaliação final quanto à legitimidade e economicidade da solução aventada. O colegiado frisou que o § 2º do art. 8º da lei impugnada prevê a exigência de avaliação prévia e favorável do órgão competente sobre “a adequação dos serviços”. A condicionante legal prevista nesse diploma não é fator isolado para o deferimento da prorrogação antecipada da concessão. Não há impedimento legal que o concessionário seja atestado positivamente quanto aos critérios do serviço adequado e não o seja quanto aos demais. O parâmetro temporal estabelecido na lei para o cumprimento do serviço adequado é objetivo. O parâmetro temporal e material estabelecido pela norma impugnada não compromete a análise do serviço adequado para fins de prorrogação antecipada contratual. Na formulação dos contratos de concessão atualmente vigentes, as empresas concessionárias celebraram contratos de arrendamento de bens com a Rede Ferroviária Federal S/A criada em 1957, pela Lei 3.115/1957, e incluída no Programa Nacional de Desestatização pelo Decreto federal 473/1992. A extinção dos contratos de arrendamento resulta na transferência não onerosa dos bens móveis, operacionais e não operacionais, ao concessionário, conferindo-lhe a possibilidade de deles dispor, geri-los e substituí-los. Tais bens passam, portanto, a integrar o contrato de parceria firmado entre o Poder concedente e as concessionárias. As normas versam sobre o deslocamento do acervo patrimonial para o contrato de concessão com o fim de concretizar as respectivas obrigações. Os valores atinentes à titularidade serão considerados para preservar a equação econômico-financeira do contrato. Nesse contexto, trata-se de matéria a ser disciplinada pela autoridade reguladora competente para promover a extinção dos contratos de arrendamento e a incorporação dos bens ao contrato de concessão, nos termos do § 3º do art. 25 da lei em referência. O prévio inventário dos bens móveis operacionais e não operacionais, objeto de transferência aos concessionários, atende aos princípios basilares do direito administrativo constitucional – supremacia e indisponibilidade do interesse público. Considerou, por fim, que a transferência dos bens imóveis e móveis operacionais ou não, nos termos das normas impugnadas, deve ser precedida de inventário, no qual especificados e referentes aos extintos contratos de arrendamento. Vencidos os ministros Edson Fachin e Marco Aurélio, que concederam a medida cautelar para suspender a eficácia dos dispositivos impugnados. Consideraram que a redução do prazo e o abrandamento dos requisitos para avaliação da adequação do contrato, pela lei impugnada, aparenta estar em confronto com os princípios constitucionais do art. 37 da CF. (1) Lei 13.448/2017: “Art. 6º. A prorrogação antecipada ocorrerá por meio da inclusão de investimentos não previstos no instrumento contratual vigente, observado o disposto no art. 3º desta Lei. (...) § 2º. A prorrogação antecipada estará, ainda, condicionada ao atendimento das seguintes exigências por parte do contratado: II – quanto à concessão ferroviária, a prestação de serviço adequado, entendendo-se como tal o cumprimento, no período antecedente de 5 (cinco) anos, contado da data da proposta de antecipação da prorrogação, das metas de produção e de segurança definidas no contrato, por 3 (três) anos, ou das metas de segurança definidas no contrato, por 4 (quatro) anos.” (2) Lei 13.448/2017: Art. 25. O órgão ou a entidade competente é autorizado a promover alterações nos contratos de parceria no setor ferroviário a fim de solucionar questões operacionais e logísticas, inclusive por meio de prorrogações ou relicitações da totalidade ou de parte dos empreendimentos contratados. § 1º O órgão ou a entidade competente poderá, de comum acordo com os contratados, buscar soluções para todo o sistema e adotar medidas diferenciadas por contrato ou por trecho ferroviário que considerem a reconfiguração de malhas, admitida a previsão de investimentos pelos contratados em malha própria ou naquelas de interesse da administração pública. (...) § 3º Nos termos e prazos definidos em ato do Poder Executivo, as partes promoverão a extinção dos contratos de arrendamento de bens vinculados aos contratos de parceria no setor ferroviário, preservando-se as obrigações financeiras pagas e a pagar dos contratos de arrendamento extintos na equação econômico-financeira dos contratos de parceria. § 4º Os bens operacionais e não operacionais relacionados aos contratos de arrendamento extintos serão transferidos de forma não onerosa ao contratado e integrarão o contrato de parceria adaptado, com exceção dos bens imóveis, que serão objeto de cessão de uso ao contratado, observado o disposto no § 2º deste artigo e sem prejuízo de outras obrigações. § 5º Ao contratado caberá gerir, substituir, dispor ou desfazer-se dos bens móveis operacionais e não operacionais já transferidos ou que venham a integrar os contratos de parceria nos termos do § 3º deste artigo, observadas as condições relativas à capacidade de transporte e à qualidade dos serviços pactuadas contratualmente.” (3) Lei 13.448/2017: “Art. 30. São a União e os entes da administração pública federal indireta, em conjunto ou isoladamente, autorizados a compensar haveres e deveres de natureza não tributária, incluindo multas, com os respectivos contratados, no âmbito dos contratos nos setores rodoviário e ferroviário. (...) § 2º Os valores apurados com base no caput deste artigo poderão ser utilizados para o investimento, diretamente pelos respectivos concessionários e subconcessionários, em malha própria ou naquelas de interesse da administração pública”. (4) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.” (5) CF: “Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: (...) IV – a obrigação de manter serviço adequado.” (6) CF: “Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;” (7) Lei 8.987/1995: “Art. 23. São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas: (...) XII – às condições para prorrogação do contrato;”

ADI 5991 MC/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 20.2.2020. (ADI-5991)

DIREITO CONSTITUCIONAL – ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA

Cessão de contratos pela Petrobras e decreto -

O Plenário iniciou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada em face do Decreto 9.355/2018, que trata do processo especial de cessão de direitos de exploração e de produção de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos pela Petróleo Brasileiro S.A (Petrobras). Preliminarmente, o colegiado converteu o julgamento da medida acauteladora em julgamento de mérito. No mérito, o ministro Marco Aurélio (relator) julgou o pedido procedente, no que foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski. Registrou que o decreto trata de “procedimento especial” designado para concretizar a transferência, pela Petrobras, de direitos de exploração e outros, relacionados a hidrocarbonetos fluidos como o petróleo. Indica as operações resguardadas da incidência das normas estabelecidas, submetidas ao regime próprio das empresas privadas, em caráter de livre competição. Apesar de fundado em legislação infraconstitucional, o ato normativo em exame possui regras dotadas de generalidade e abstração. Assim, a existência de lei federal sobre licitações e contratos firmados por empresas públicas e sociedades de economia mista não obsta o exame do decreto com base exclusivamente na Constituição Federal (CF). Nesse sentido, cumpre examinar se o chefe do Executivo incorreu em excesso do poder regulamentar ao editar o decreto, à luz do art. 84, IV e VI, a, da CF (1). De acordo com o art. 22, XXVII, da CF (2), a União tem competência para disciplinar a matéria, mediante lei no sentido formal e material. Ou seja, a fixação de regras gerais de licitação e contratação em todas as modalidades, a alcançarem sociedades de economia mista (como a Petrobras), deve ser disciplinada pela União. O ato atacado criou microssistema licitatório, ordinariamente veiculado por lei, apesar de fazer referência à expressão “procedimento especial”. Ele descreve com detalhes as etapas do certame a ser realizado entre os interessados na assunção de concessão anteriormente contratada pela Petrobras. O relator ressaltou, a esse respeito, a similitude estrutural entre os atos que disciplinam os procedimentos concorrenciais, com a simplificação e inversão de fases existentes no procedimento licitatório atualmente em vigor, em especial no tocante à fase de negociação, uma vez que permitida a realização de negociações sucessivas, não apenas com o participante mais bem colocado, mas também com os demais. Nesse particular, o decreto exclui a tomada daquele que apresentou a melhor oferta como vencedor. Em síntese, o ato questionado consagrou situação de dispensa de licitação para as contratações de bens e serviços efetuados pelos consórcios operados pela Petrobras. O chefe do Executivo não se limitou a expedir regulamentação com o objetivo de promover a fiel execução de preceitos legais, mas afastou a lei federal de licitações mediante o decreto. Em divergência, o ministro Luiz Fux julgou o pedido improcedente, para assentar a constitucionalidade do decreto. Ressaltou que o mercado petrolífero tem especificidades, e sua sistemática é diferente da que exige licitação nos moldes comuns. Os ministros Alexandre de Moraes, Roberto Barroso e Gilmar Mendes seguiram esse mesmo entendimento. O ministro Alexandre de Moraes considerou que o ato impugnado estabelece regras de governança, transparência e boas práticas de mercado para a cessão de direitos de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos pela Petrobras. Além disso, a CF traz hipóteses de excepcionalidade de licitação (art. 173, § 3º) (3), bem assim a Lei 9.478/1997 e a Lei 12.351/2010, que possibilitam tratamento diverso. E a matéria do decreto cuida de hipótese de tratamento diferenciado. Nesse sentido, o processo originário de concessão ou de partilha é feito por meio do procedimento geral licitatório, mas a cessão de contratos de exploração e produção de combustíveis pode ser feita sem a necessidade de novo procedimento, desde que observadas as condições legais. O decreto em exame não criou excepcionalidade ao procedimento geral de licitação, sequer regulamentou as condições possíveis para a possibilidade de cessão. Isso foi feito pelas leis citadas. Ele apenas regulamentou o procedimento de cessão de direitos de exploração, o que é admitido pela CF. O decreto, ao promover essa regulamentação, garantiu maior segurança jurídica, transparência e impessoalidade ao procedimento de cessão, que ocorre desde 1997, sem, contudo, afastar a Petrobras da competitividade do mundo privado. Não houve, portanto, excesso ou desvio no poder regulamentar do chefe do Executivo. Ele seguiu os parâmetros constitucionais e legais aos quais adstrito para disciplinar prática corriqueira no mercado de exploração de hidrocarbonetos (“farm in, farm out”), de modo a tornar mais efetivo o cumprimento da lei, que é o objetivo do decreto. Antes dele, essas operações já eram realizadas, mas com muito mais risco de favorecimento e corrupção. Em seguida, o ministro Dias Toffoli pediu vista dos autos. (1) CF: “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...) IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução; (...) VI – dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;” (2) CF: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para a administração pública, direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, nas diversas esferas de governo, e empresas sob seu controle;” (3) CF: “Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. (...) § 3º A lei regulamentará as relações da empresa pública com o Estado e a sociedade.”

ADI 5942/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 19.2.2020. (ADI-5942)

REPERCUSSÃO GERAL

DIREITO ADMINISTRATIVO – AGENTES PÚBLICOS

Julgamento de concessão de aposentadoria: prazo decadencial, contraditório e ampla defesa – 3 -

Em atenção aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, os Tribunais de Contas estão sujeitos ao prazo de cinco anos para o julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, a contar da chegada do processo à respectiva Corte de Contas. Com base nesse entendimento, o Plenário, em conclusão e por maioria, ao apreciar o Tema 445 da repercussão geral, negou provimento a recurso extraordinário em que se discutia se o Tribunal de Contas da União (TCU) deve observar o prazo decadencial de cinco anos, previsto no art. 54 da Lei 9.784/1999 (1), para julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria e a necessidade de observância do contraditório e da ampla defesa (Informativos 955 e 966 ). No caso, a aposentadoria foi concedida pelo órgão de origem em 1º.9.1995. Em 18.7.1996, o processo administrativo chegou ao TCU. Em 4.11.2003, o TCU, ao analisar a legalidade da aposentadoria do servidor público concedida há mais sete anos, constatou a existência de irregularidades e, por essa razão, considerou ilegal o ato de concessão. O Tribunal, seguindo sua jurisprudência dominante, considerou que a concessão de aposentadoria ou pensão constitui ato administrativo complexo, que somente se aperfeiçoa após o julgamento de sua legalidade pela Corte de Contas. Nesses termos, por constituir exercício da competência constitucional (CF, art. 71, III) (2), tal ato ocorre sem a participação dos interessados e, portanto, sem a observância do contraditório e da ampla defesa. Entretanto, por motivos de segurança jurídica e necessidade da estabilização das relações, é necessário fixar-se um prazo para que a Corte de Contas exerça seu dever constitucional. Diante da inexistência de norma que incida diretamente sobre a hipótese, aplica-se ao caso o disposto no art. 4º do Decreto-lei 4.657/1942 (3), a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB). Assim, tendo em vista o princípio da isonomia, seria correta a aplicação, por analogia, do Decreto 20.910/1932 (4). Portanto, se o administrado tem o prazo de cinco anos para buscar qualquer direito contra a Fazenda Pública, também deve-se considerar que o Poder Público, no exercício do controle externo, tem o mesmo prazo para rever eventual ato administrativo favorável ao administrado. Desse modo, a fixação do prazo de cinco anos se afigura razoável para que o TCU proceda ao registro dos atos de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, após o qual se considerarão definitivamente registrados. Por conseguinte, a discussão acerca da observância do contraditório e da ampla defesa após o transcurso do prazo de cinco anos da chegada do processo ao TCU encontra-se prejudicada. Isso porque, findo o referido prazo, o ato de aposentação considera-se registrado tacitamente, não havendo mais a possibilidade de alteração pela Corte de Contas. Os ministros Gilmar Mendes (relator) e Alexandre de Moraes reajustaram os seus votos. O ministro Edson Fachin acompanhou o relator quanto à parte dispositiva. Enfatizou, porém, que o ato de concessão de aposentadoria é um ato simples e não complexo. Além disso, o prazo de cinco anos inicia-se com a publicação do ato pelo órgão de origem e não da chegada do processo administrativo ao TCU. Vencido o ministro Marco Aurélio, que deu provimento ao recurso extraordinário. Salientou que o ato de concessão de aposentadoria pelo órgão de origem do servidor não é ato jurídico perfeito e acabado, de modo que a Administração Pública não decai da possibilidade de proceder à análise da higidez do ato. (1) Lei 9.784/1999: “Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. § 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento. § 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.” (2) CF: “Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: (...) III – apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório;” (3) Decreto-lei 4.654/1942: “Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. (4) Decreto 20.910/1932: “Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem”.

RE 636553/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 19.2.2020. (RE-636553)

PRIMEIRA TURMA

DIREITO PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS

Prisão domiciliar: condenada com filho menor e decisão transitada em julgado -

A Primeira Turma denegou habeas corpus em que se requeria a prisão domiciliar de condenada pela prática de homicídio por decisão transitada em julgado, que tem filho com menos de doze anos de idade. Na espécie, a defesa sustentou a adequação da prisão domiciliar. Reportou-se ao HC 143.641 , no qual concedida a ordem em favor de todas as mulheres presas preventivamente que ostentem a condição de gestantes, de puérperas ou de mães de crianças sob sua responsabilidade. Prevaleceu o voto do ministro Marco Aurélio (relator), que reiterou a óptica veiculada ao indeferir medida acauteladora. Nesse sentido, o disposto no art. 318 do Código de Processo Penal (CPP) (1) tem aplicação em casos de prisão preventiva, sendo inadequado quando se trata de execução de título condenatório alcançado pela preclusão maior. O relator observou que, para ter-se a incidência do art. 117 da Lei 7.210/1984 [Lei de Execução Penal (LEP)] (2) — cumprimento da sanção em regime domiciliar —, é indispensável o enquadramento em uma das situações jurídicas nele contempladas. Apesar de comprovada a existência de filho menor, a paciente foi condenada à pena de 26 anos em regime fechado. Portanto, não está atendido o requisito primeiro de tratar-se de réu beneficiário de regime aberto. (1) CPP: “Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: I – maior de 80 (oitenta) anos; II – extremamente debilitado por motivo de doença grave; III – imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; IV – gestante; V – mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; VI – homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos. Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.” (2) LEP: “Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de: I – condenado maior de 70 (setenta) anos; II – condenado acometido de doença grave; III – condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental; IV - condenada gestante.”

HC 177164/PA, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 18.2.2020. (HC-177164)

DIREITO CONSTITUCIONAL – CONFLITO FEDERATIVO

Contrato de cessão de royalties de petróleo e gás natural e repartição de ganhos inesperados -

A Primeira Turma iniciou julgamento de ação cível originária, ajuizada pelo estado do Espírito Santo contra a União, na qual se alega a existência de desequilíbrio econômico-financeiro em contrato de cessão de royalties de petróleo e gás natural, em razão de erro na fórmula de cálculo, estabelecida em aditivo contratual, e do aumento exponencial do preço do óleo. A controvérsia envolve contrato celebrado em 2003 e aditado em 2005, por meio do qual o autor cedeu à ré créditos referentes a royalties futuros de 62,9 milhões de metros cúbicos de petróleo e 6,2 bilhões de metros cúbicos de gás natural, a serem pagos em parcelas mensais, nos termos de fórmula definida no ajuste. O crédito total foi avaliado em R$ 615.945.081,22 e adquirido pela União por R$ 350.747.412,68. O estado alega que, devido à grande valorização do barril do petróleo no período (275%) e a suposto erro conceitual na fórmula de cálculo das parcelas, as quantias pagas à União já teriam chegado a R$ 1.461.904.425,55, em valores corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Sustenta a ocorrência de desequilíbrio econômico-financeiro no contrato, afirmando que os “lucros” da União seriam maiores do que aqueles que ela auferiria caso os cerca de R$ 350 milhões tivessem sido objeto de aplicação financeira com remuneração de 100% do Certificado de Depósito Interbancário (CDI). Com base nisso, pede a revisão judicial do contrato, a fim de que: (a) se limite o valor devido à quantia paga pela União, acrescida de juros e correção monetária (R$ 971.737.412,68), determinando-se a devolução do excesso recebido; (b) se declare a inexistência de relação jurídica que autorize a continuidade dos pagamentos; e (c) a União se abstenha de promover novos descontos nas distribuições de royalties devidos ao estado. Quanto à natureza da operação, a União afirma não se tratar de contrato de mútuo, vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, mas de simples compra e venda de ativos. Dessa forma, o valor entregue ao estado não seria crédito, e sim o preço de um bem, pago à vista para recebimento futuro e parcelado. Além disso, sustenta a ocorrência de prescrição. O ministro Roberto Barroso (relator) julgou parcialmente procedente o pedido para condenar à União a restituir ao estado do Espírito Santo quantia correspondente à metade dos ganhos que excederam o total de face dos royalties cedidos contratualmente, acrescida de juros de mora e correção monetária. O relator entendeu ser incontroverso que o preço do petróleo disparou, gerando ganho extraordinário para a União, que recebeu o valor expressivamente superior ao que entregou ao estado. Enfatizou que as relações entre entes da federação, especialmente entre a União e Estado-membro, devem ser regidas por vetores constitucionais como lealdade federativa, solidariedade e equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. Salientou que nem mesmos nas relações estritamente privadas se tolera o ganho desproporcional decorrente de motivos imprevisíveis. O contrato firmado entre a União e o estado do Espírito Santo teve por propósito, conforme expressa disposição legal que o autorizou, o saneamento das contas estaduais. Nesse contexto, não se afigura legítima que sua execução imponha ao estado a entrega de prestações muito superiores à expectativa inicial das partes, gerando desequilíbrio entre as obrigações. A hipótese é, portanto, de onerosidade excessiva para o estado e de ganho desproporcional para a União. A fórmula de cálculo prevista no aditivo contratual, em tese, produziria um efeito neutralizador, pois impediria que a elevação ou a queda do preço do petróleo e do gás influíssem no volume a ser abatido da dívida do estado. Dessa forma, em princípio, alocava os riscos da oscilação do mercado sobre ambas as partes. Na prática, porém, diante do aumento exponencial no preço do barril de petróleo, a fórmula gerou consequência perversa. O aumento significativo dos royalties repassados à União não acarretou nenhum reflexo sobre o saldo devedor do estado. A cada mês, a União embolsava um montante muito superior, mas o débito do estado não se reduzia na mesma proporção. Diante do dever de cooperação e solidariedade entre os entes federados, os ganhos inesperados da União, que sobejam o valor de face dos royalties cedidos, devem ser repartidos de forma igualitária com o Estado-membro. Não devem, contudo, ser integralmente deferidos ao estado por duas razões: primeiro, por haver fórmula contratual objeto de consenso inicial entre as partes, que gerou expectativas legítimas à União; e, segundo, porque a entrega de todo o excedente ao estado não corrigiria o desequilíbrio, mas apenas o faria recair sobre o lado oposto. Por fim, o relator considerou que não ocorreu a prescrição alegada pela União. Na espécie, o prazo prescricional não pode ser contado a partir da celebração do contrato e, tampouco, da assinatura do aditivo. Isso porque o prejuízo apenas poderia ser constatado ao final da execução do ajuste, quando analisada a flutuação dos preços do petróleo e do gás, ocasião em que seria possível aferir se houve onerosidade excessiva para uma das partes. O termo inicial do prazo prescricional é a data do último repasse de royalties à União. Além disso, o prazo de prescrição é cinco anos, tal como previsto no Decreto 20.910/1932, que é norma especial em relação ao Código Civil. Como os repasses findaram em 12.9.2013 e ação foi proposta em 3.7.2013, não há prescrição. Em seguida, pediu vista o ministro Alexandre de Moraes e o julgamento foi suspenso.

ACO 2178/ES, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 18.2.2020. (ACO-2178)

DIREITO PROCESSUAL PENAL – PROVA

Crime de incêndio e fonte de prova -

A Primeira Turma indeferiu a ordem em habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática do delito descrito no art. 250, § 1º, I, do Código Penal (CP) (1) (causar incêndio com o intuito de obter vantagem pecuniária). A sentença condenatória registrou que a inércia do paciente em comunicar, oportunamente, a ocorrência à autoridade policial inviabilizou a confecção da perícia pelo Instituto de Criminalística, ante o desaparecimento dos vestígios da infração. De acordo com a defesa, o título condenatório seria ilegal, pois fundado em prova inidônea. Nesse sentido, o laudo elaborado por seguradora (vítima) não poderia ter sido utilizado como fonte probatória, mas apenas o exame de corpo de delito. Além disso, a suposta desídia do paciente em comunicar a ocorrência à autoridade policial não teria valor probatório. O colegiado afirmou que o laudo elaborado de forma unilateral não constitui prova pericial, mas documental, razão pela qual a validade como elemento de convicção não se submete à observância dos requisitos previstos nos arts. 158 e seguintes do Código de Processo Penal (CPP). Assim, o laudo produzido pela empresa seguradora vítima, por não se qualificar como perícia, não consubstancia prova ilícita, surgindo passível de ser valorado pelo Juízo. A materialidade do delito versado no art. 250, § 1º, I, do CP, cuja prática deixa vestígios, há de ser comprovada, em regra, mediante exame de corpo de delito. Nos termos do art. 167 do CPP (2), constatado o desaparecimento dos vestígios, mostra-se viável suprir a realização de exame por outros meios de prova. O paciente, orientado pelo Corpo de Bombeiros a registrar, imediatamente, ocorrência policial e solicitar perícia técnica ao Instituto de Criminalística, permaneceu inerte durante sete dias. A não elaboração de perícia oficial deu-se ante o desaparecimento dos vestígios do crime, considerada a demora em registrar a ocorrência e a falta de preservação do local, tendo sido a materialidade do delito revelada pela prova testemunhal, corroborada por cópias da apólice do seguro, aviso de sinistro, ocorrência policial, relatório de regulação de sinistros, fotografias, laudos de averiguação e exame pericial. Levando em conta a justificada inviabilidade da elaboração do exame de corpo de delito e a demonstração da materialidade do crime por outros meios de prova, a incidência do previsto no art. 167 do CPP mostrou-se adequada. Também improcede a alegação de ter sido atribuído valor probatório à omissão do paciente em proceder, oportunamente, ao registro da ocorrência. O fato de a impossibilidade da realização do exame de prova pericial decorrer da inércia não significa haver-se apenado o comportamento omissivo. A inexistência de obrigação legal de o paciente, em momento oportuno, comunicar a ocorrência à autoridade policial não implica a inadmissibilidade processual de outros meios de prova que, produzidos legitimamente, revelem a materialidade e a autoria do crime imputado. (1) CP/1940: “Art. 250 - Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem: Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa. § 1º — As penas aumentam-se de um terço: I — se o crime é cometido com intuito de obter vantagem pecuniária em proveito próprio ou alheio;” (2) CPP/1941: “Art. 167. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.”

HC 136964/RS, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 18.2.2020. (HC-136964)

DIREITO PROCESSUAL PENAL – DOSIMETRIA DA PENA

Ações penais em andamento e causa de diminuição da pena -

A Primeira Turma deferiu habeas corpus para determinar a aplicação da causa de diminuição de pena, prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 (1), a paciente condenada pelo crime de tráfico de drogas, não obstante a existência de outra ação penal, pela prática do mesmo delito, ainda não transitada em julgado. O colegiado entendeu, com base no decidido no julgamento do RE 591.054 , submetido à sistemática de repercussão geral ( Tema 129 ), que a existência de inquéritos policiais e processos criminais sem trânsito em julgado não podem ser considerados como maus antecedentes para fins de dosimetria da pena, de modo que o fato de a paciente ser ré em outra ação penal, ainda em curso, não constitui fundamento idôneo para afastar a aplicação da causa de diminuição da pena. (1) Lei 11.343/2006: “Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena — reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. (...) § 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.”

HC 173806/MG, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 18.2.2020. (HC-173806)

SEGUNDA TURMA

DIREITO PROCESSUAL PENAL – COMPETÊNCIA

Inquérito: declínio de competência e não encerramento de instrução processual – 2 -

Em conclusão de julgamento, a Segunda Turma negou provimento a agravo regimental interposto de decisão proferida nos autos de inquérito, por meio da qual se declinou da competência para o processamento e o julgamento do feito, com a consequente remessa ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). O agravante sustentava a supressão do direito de recorribilidade em face da ordem de envio imediato dos autos ao STJ sem que fosse aguardado o decurso do prazo recursal para defesa. Afirmava, ainda, a necessidade da manutenção da competência no Supremo Tribunal Federal (STF) ao menos até o oferecimento da denúncia, em função do avanço e da iminência do término das apurações, supervisionadas, no âmbito desta Corte, há mais de cinco anos ( Informativo 918 ). O colegiado reafirmou a incompetência do STF para processar e julgar o feito. Inicialmente, observou que a decisão recorrida atendeu às regras de publicidade impostas ao estabelecer a ciência formal às partes, embora tenha determinado a imediata remessa do feito ao STJ. Além disso, esclareceu ter sido cancelado o ato cartorário que, de forma equivocada, certificou o decurso do prazo recursal. Como resultado das providências adotadas, assegurou-se ao investigado o exercício do direito de defesa e do contraditório por meio da interposição de recurso contra o declínio de competência, o qual, no entanto, não possui efeito suspensivo, nos termos do art. 317, § 4º, do Regimento Interno do STF (RISTF) (1). Ato contínuo, assinalou inexistir prejuízo ao agravante, pois a determinação da imediata remessa dos autos do inquérito ao juízo destinatário está em consonância com o novel entendimento do Plenário firmado no julgamento da AP 937 QO . Nesse precedente, o STF resolveu questão de ordem no sentido de fixar as seguintes teses: (i) o foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas; e (ii) após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo, com o entendimento de que essa nova linha interpretativa deve aplicar-se imediatamente aos processos em curso, ressalvados todos os atos praticados e decisões proferidas pelo STF e pelos demais juízos com base na jurisprudência anterior, conforme precedente firmado no Inq 687 QO . A Turma asseverou que a pretensão do agravante foge aos parâmetros estabelecidos na AP 937 QO para auferir a prorrogação da jurisdição do STF, haja vista que o avançar das apurações deflagradas no inquérito não detém, de modo algum, a potencialidade de interferir no declínio de competência realizado. Apesar da efetiva evolução das investigações, sob a supervisão do STF, não houve imputação criminal formalizada pelo titular da ação penal contra o agravante nem encerramento da instrução processual penal. Logo, o marco temporal relativo à data de apresentação das razões finais não foi alcançado. O ministro Gilmar Mendes complementou que a Corte tem entendido pela possibilidade de imediata remessa dos autos às instâncias competentes, inclusive antes da publicação do acórdão ou do trânsito em julgado, quando constatado o risco de prescrição. Na espécie, os fatos remontam a 2010, razão pela qual a determinação da remessa imediata demonstra-se adequada para evitar a ocorrência de prescrição antes do fim das investigações. (1) RISTF: “Art. 317. Ressalvadas as exceções previstas neste Regimento, caberá agravo regimental, no prazo de cinco dias de decisão do Presidente do Tribunal, de Presidente de Turma ou do Relator, que causar prejuízo ao direito da parte. (...) § 4º O agravo regimental não terá efeito suspensivo.”

Pet 7716 AgR/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 18.2.2020. (Pet-7716)

DIREITO CONSTITUCIONAL – ORGANIZAÇÃO DOS PODERES

Atuação de advogado como testemunha e sigilo profissional -

A Segunda Turma julgou improcedente reclamação ajuizada em face de decisão proferida por juiz de Direito nos autos de processo em trâmite no juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher, em que foi determinada audiência de inquirição de testemunhas com o arrolamento de advogado que atuara no mesmo processo como patrono de sua cliente. O reclamante alegava desrespeito ao que decidido, pela Turma, no Inq 4.296 AgR . No ponto, o colegiado esclareceu que o acórdão paradigma manteve decisão monocrática que autorizava a intimação de advogado para sua oitiva como testemunha no processo, de modo que não há incompatibilidade com a decisão reclamada. Em seguida, a Turma, por empate, concedeu habeas corpus de ofício para reconhecer a inadmissibilidade do testemunho do advogado no processo examinado, declarando a ilicitude do ato e determinando o desentranhamento da prova considerada inadmissível. Explicou que, no acórdão paradigma, afirmou-se que, em princípio, a intimação do advogado para comparecer perante a autoridade não parece em desacordo com a lei, mas ele somente poderia optar por depor se liberado do sigilo profissional pela cliente anteriormente defendida. Assim, como naquele momento e nos limites daquela via, inexistia comprovação da manifestação da ex-cliente sobre a questão, manteve-se a intimação para o depoimento. Ademais, ressaltou-se que eventual invalidade do depoimento poderia ser apreciada no futuro. Portanto, assentou-se que o advogado somente poderia optar por depor se liberado do sigilo profissional por sua ex-cliente. Não foi a situação que envolveu a decisão reclamada, entretanto. Salientou que, nos termos do art. 7º, XIX, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (EOAB), é direito do advogado recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional. Ademais, o sigilo profissional do advogado, externo ou interno, tal qual o do médico, é ponto central das normas deontológicas e legais que regulam a profissão. Desse modo, ainda que se deva estruturar um processo penal efetivo, que tenha meios para assegurar a investigação e a produção das provas de um modo a possibilitar uma decisão mais informada possível, existem critérios de admissibilidade de provas que se embasam em premissas fundamentais para proteção de direitos fundamentais e contenção de abusos. Caracterizam-se, assim, regras legais de exclusão probatória fundadas em limites lógicos, políticos e epistemológicos, que restringem de certa maneira a busca pela verdade e a reconstrução dos fatos passados. Diante desse quadro, embora o sigilo profissional possa acarretar a supressão de informações potencialmente pertinentes ao caso, trata-se de premissa fundamental para o exercício efetivo do direito de defesa, no que diz respeito à defesa técnica. A relação entre cliente e advogado depende de confiança, para que o réu possa descrever todos os fatos e elementos pertinentes sem medo de que isso possa ser posteriormente contra ele utilizado. O sigilo profissional é um direito do indivíduo ao prestar informações ao advogado para o exercício de sua representação perante os órgãos pertinentes. Desse modo, para que o testemunho possa ser prestado pelo profissional, faz-se necessário o consentimento válido do interessado direto na manutenção do segredo. Portanto, o advogado não pode testemunhar sobre fatos de que tomou conhecimento em razão de seu ofício, como para o exercício de sua atuação profissional a partir da narração apresentada pelo cliente e eventuais documentos por ele entregues. Frisou que, nos termos do art. 25 do EOAB, o sigilo profissional é inerente à profissão, impondo-se o seu respeito, salvo grave ameaça ao direito à vida, à honra, ou quando o advogado se veja afrontado pelo próprio cliente e, em defesa própria, tenha que revelar segredo, porém sempre restrito ao interesse da causa. Porém, da leitura do caso em exame, depreende-se que o advogado arrolado como testemunha teve seus poderes como patrono da interessada expressamente revogados, vedando-se sua atuação no caso. Além disso, requereu-se que devolvesse qualquer documento relacionado ao fato que a ele tivesse sido entregue. Evidente, portanto, que a cliente não liberou o advogado do dever de manter o segredo profissional sobre as informações e documentos de que teve conhecimento em razão da atuação como defensor técnico. A ministra Cármen Lúcia e o ministro Edson Fachin não concederam a ordem de ofício.

Rcl 37235/RR. rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 18.2.2020. (Rcl-37235)