JurisHand AI Logo
|

Informativo do STF 839 de 16/09/2016

Publicado por Supremo Tribunal Federal


PLENÁRIO

Conflito de competência e discussão sobre depósito de FGTS

Compete à justiça trabalhista processar e julgar causa relativa a depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) de servidor que ingressou no serviço público antes da Constituição de 1988 sem prestar concurso. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, conheceu de conflito de competência entre Tribunal Superior do Trabalho e tribunal de justiça estadual. No caso, após o trânsito em julgado de decisão que declarara a improcedência de reclamação trabalhista, teria sido proposta ação rescisória. Na peça, o reclamante sustentou a incompetência absoluta da justiça do trabalho devido à transformação do regime jurídico de celetista para estatutário com base em lei municipal editada em 1994. Prevaleceu o voto do ministro Marco Aurélio (relator). Em seu entendimento, a competência seria uma decorrência da jurisdição atribuída pela Constituição ou por lei ao órgão judicial. Além disso, ela seria definida conforme a ação proposta de acordo com a causa de pedir. Desse modo, em relação jurídica de natureza celetista na qual se pretendam parcelas trabalhistas, a análise do tema cabe à justiça do trabalho, e não à justiça comum. Àquela incumbiria até mesmo o exame de possível carência da ação. Os ministros Edson Fachin e Roberto Barroso, tendo em vista a apreciação do Tema 853 da repercussão geral pelo STF, acompanharam a conclusão do relator. Em tal precedente, a Corte havia assentado que compete à justiça do trabalho processar e julgar demandas relacionadas à obtenção de prestações trabalhistas ajuizadas contra órgãos da Administração Pública por servidores que ingressaram em seus quadros sem concurso público, antes da CF/1988, sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A ministra Cármen Lúcia (presidente) e os ministros Gilmar Mendes e Roberto Barroso ressalvaram que a “causa petendi” do pedido não definiria a competência. O ministro Dias Toffoli ficou vencido, ao entender que a competência para julgar a causa é da justiça estadual comum. Pontuou que já havia decidido nesse sentido em caso análogo (CC 7.876/PR, DJE de 3-2-2015). CC 7.950/RN, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 14-9-2016.

Art. 7º, XIII, da CF e jornada especial de trabalho

É constitucional o art. 5º da Lei 11.901/2009 [“A jornada do Bombeiro Civil é de 12 (doze) horas de trabalho por 36 (trinta e seis) horas de descanso, num total de 36 (trinta e seis) horas semanais”]. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou improcedente o pedido formulado em ação direta que questionava o referido dispositivo. Segundo oTribunal, a norma impugnada não viola o art. 7º, XIII, da CF/1988 [“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”]. A jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso encontra respaldo na faculdade conferida pelo legislador constituinte para as hipóteses de compensação de horário. Embora não exista previsão de reserva legal expressa no referido preceito, há a possibilidade de negociação coletiva. Isso permite inferir que a exceção estabelecida na legislação questionada garante aos bombeiros civis, em proporção razoável, descanso de 36 horas para cada 12 horas trabalhadas, bem como jornada semanal de trabalho não superior a 36 horas. Da mesma forma, não haveria ofensa ao art. 196 da CF/1988. A jornada de trabalho que ultrapassa a 8ª hora diária pode ser compensada com 36 horas de descanso e o limite de 36 horas semanais. Ademais, não houve comprovação, com dados técnicos e periciais consistentes, de que essa jornada causasse danos à saúde do trabalhador, o que afasta a suposta afronta ao art. 7º, XXII, da CF/1988. Vencidos, em parte, os ministros Roberto Barroso, Rosa Weber e Marco Aurélio. Para eles, era procedente o pedido para fixar interpretação conforme à Constituição no sentido de que a norma poderia ser excepcionada por acordo coletivo ou pelo exercício legítimo da liberdade de contratação das partes.

ADI 4.842/DF, rel. min. Edson Fachin, julgamento em 14-9-2016.

Convenção 158 da OIT e denúncia unilateral - 9

O Plenário retomou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade (ADI) ajuizada em face do Decreto 2.100/1996. Por meio dessa norma, o presidente da República tornara pública a denúncia, pelo Brasil, da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), relativa ao término da relação de trabalho por iniciativa do empregador — v. Informativos 323, 421, 549 e 807. Em voto-vista, o ministro Teori Zavascki julgou improcedente o pedido formulado. Entendeu, contudo, que a denúncia de tratados internacionais pelo presidente da República dependeria de autorização do Congresso Nacional. Propôs, então, que se outorgasse eficácia apenas prospectiva. Assim, seriam preservados, dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, o decreto atacado — o que ensejaria juízo de improcedência do pedido formulado na ADI — e os demais atos de denúncia isoladamente praticados pelo presidente da República até a data da publicação da ata de julgamento da referida ação. O relator afirmou ser indiscutível que o Poder Executivo ocupa posição de destaque na geometria institucional das relações exteriores. Afinal, esse Poder é responsável pela representação do País na comunidade internacional e está à frente das atividades de chancelaria (CF/1988, art. 84, VII), especialmente daquelas que envolvem a celebração de tratados internacionais, que, pela sua relevância, teriam ganhado fundamento constitucional próprio (CF/1988, art. 84, VIII). No entanto, o protagonismo do presidente da República na promoção das relações exteriores não o transformaria numa espécie de autoridade desconstitutiva especial. Tampouco o capacitaria a revogar, a qualquer tempo, e apenas pela manifestação de sua vontade individual, ato normativo que tivesse sido incorporado ao direito interno, com alcance geral e abstrato, em decorrência da celebração de tratado internacional. Segundo consignou o relator, o modo sucinto pelo qual a Constituição Federal verbaliza a distribuição de poderes nas relações internacionais brasileiras não traduziria silêncio eloquente, capaz de superficializar a missão do Legislativo no tema. Também não cassaria a palavra do Poder legiferante quanto a deliberações estatais submetidas à regra geral da legalidade. Portanto, nem o laconismo das disposições constitucionais, nem a previsão específica de denúncia nos instrumentos internacionais poderiam conduzir a erosão das competências exclusivas do Poder Legislativo. A declaração da vontade do Estado brasileiro no plano externo — mediante assinatura de acordos, entrega de notas de ratificação ou exercício de denúncia — está compreendida nas competências próprias do presidente da República e só por ele podem ser exercidas. No entanto, quando a denúncia puder acarretar transformação da realidade normativa já acomodada no direito interno, o presidente da República só poderia proceder mediante autorização do Congresso Nacional, sob pena de sacrifício do postulado da legalidade. Fixadas essas premissas, seria desnecessário, para a solução do caso concreto, fazer qualquer juízo sobre a eficácia das disposições veiculadas pela Convenção 158 da OIT ou sobre a natureza dos padrões jurídicos por ela trazidos. Ficaria dispensada, também, qualquer avaliação a respeito de a mencionada convenção ser ou não um tratado de direitos humanos. Bastaria considerar que a Convenção 158 da OIT e o Decreto 1.855/1996, que a promulgou internamente, instituiriam obrigações para o Poder Legislativo. Esse fator já demonstraria a impossibilidade de que tais normas fossem desconstituídas sem a expressa aquiescência do parlamento. Todavia, caberia reconhecer a longevidade de um contexto institucional, até agora prevalente no País, que se beneficiaria de certa indiferença dos demais Poderes constituídos em relação a episódios de extroversão presidencial. Ressalte-se, nesse sentido, a existência de ao menos quatorze convenções da OIT já denunciadas desde 1934. Ainda que não se pudesse identificar costume constitucional nessa conjuntura, seria inevitável perceber a existência de prática suficientemente projetada e consolidada no tempo. Em situações como essas, o STF, diante da necessidade de resguardar a segurança jurídica, acionaria a cláusula de modulação de efeitos prevista do art. 27 da Lei 9.868/1999, de maneira a diferir as consequências executivas de suas decisões. No caso, portanto, haveria que se proceder à modulação temporal dos efeitos da decisão eventualmente tomada. Desse modo, a prudência de chancelar atos praticados segundo o centenário entendimento em outro sentido levaria ao julgamento de improcedência do pedido formulado na ação direta em comento. Em seguida, pediu vista dos autos o ministro Dias Toffoli.

ADI 1.625/DF, rel. min. Maurício Corrêa, julgamento em 14-9-2016.

REPERCUSSÃO GERAL

Art. 384 da CLT e recepção pela CF/1988: segundo julgamento

O Plenário iniciou o segundo julgamento de recurso extraordinário em que se discute, à luz do princípio da isonomia, a compatibilidade do art. 384 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) [“Em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de quinze (15) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho”] com a Constituição Federal/1988. O dispositivo, inserido no capítulo de proteção do trabalho da mulher, concede-lhe o referido intervalo com exclusividade. Além disso, como sanção pelo não atendimento da norma, há o pagamento, previsto em lei, de indenização com adicional de 50% pela empresa empregadora. O ministro Dias Toffoli (relator) esclareceu tratar-se do segundo julgamento do recurso. Tal situação ocorreu devido ao acolhimento de embargos declaratórios (RE 658.312 ED/SC, DJe de 3-9-2015) para anular o acórdão proferido pelo Tribunal na primeira apreciação do recurso (DJe de 10-2-2015). Naquela ocasião, verificara-se que os advogados devidamente constituídos não haviam sido intimados para comparecer à sessão de julgamento. No mérito, o relator desproveu o recurso. Assentou que o art. 384 da CLT foi recepcionado pela CF/1988 e, portanto, se aplica a todas as mulheres trabalhadoras. Ressaltou, ainda, que a cláusula geral da igualdade consta expressamente em todas as constituições brasileiras, desde 1824. Entretanto, somente a partir da CF/1934, o tratamento igualitário entre homens e mulheres recebeu destaque. Tal realidade jurídica, porém, não garantiu a plena igualdade entre os sexos no mundo dos fatos. Por isso, a CF/1988 explicita, em três mandamentos, a garantia da igualdade: a) fixa a cláusula geral de igualdade, ao prescrever que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza; b) estabelece cláusula específica de igualdade de gênero, ao declarar que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações; c) excepciona a possibilidade de tratamento diferenciado, que seria dado nos termos constitucionais. Desse modo, situações expressas de tratamento desigual foram dispostas formalmente na própria Constituição, que utiliza critérios para a diferenciação, a exemplo dos artigos 7º, XX; e 40, § 1º, III, “a” e “b”. Primeiramente, a distinção considera a histórica exclusão da mulher do mercado regular de trabalho e impõe ao Estado a obrigação de implantar políticas públicas, administrativas e legislativas de natureza protetora no direito do trabalho. Ainda de acordo com o texto constitucional, há componente biológico a justificar o tratamento diferenciado, haja vista a menor resistência física da mulher. Por fim, há a existência de componente social, pelo fato de ser comum o acúmulo de atividades pela mulher no lar e no ambiente de trabalho. No caso em tela, o dispositivo da CLT não retrata mecanismo de compensação histórica por discriminações socioculturais. Leva em conta os outros dois critérios: componentes biológico e social. Entretanto, os parâmetros constitucionais legitimam tratamento diferenciado desde que a norma instituidora amplie direitos fundamentais das mulheres e atenda ao princípio da proporcionalidade na compensação das diferenças. Sendo assim, o relator destacou que, ao se analisar o teor da norma discutida, é possível inferir que ela trata, proporcionalmente, de aspectos de evidente desigualdade, ao garantir à mulher período mínimo de descanso de quinze minutos antes da jornada extraordinária de trabalho. Embora, com o tempo, tenha ocorrido a supressão de alguns dispositivos sobre a jornada de trabalho feminina na CLT, o legislador mantivera a regra do art. 384. O objetivo seria garantir proteção diferenciada à mulher, dada sua identidade biossocial peculiar. Por sua vez, não existe fundamento sociológico ou comprovação por dados estatísticos a amparar a tese de que essa norma dificultaria ainda mais a inserção da mulher no mercado de trabalho. O discrímen não viola a universalidade dos direitos do homem. Afinal, o legislador vislumbrara a necessidade de maior proteção a um grupo de trabalhadores de forma justificada e proporcional. Inexiste, também, violação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, recepcionada pela Constituição, que proclama, inclusive, outros direitos específicos das mulheres: a) nas relações familiares, ao coibir a violência doméstica; b) no mercado de trabalho, ao proibir a discriminação e garantir proteção especial mediante incentivos específicos. Além disso, o preceito atacado não viola o art. 7º, XXX, da CF/1988. Não há, no dispositivo, tratamento distinto quanto ao salário a ser pago a homens e mulheres, tampouco critérios diferenciados de admissão ou exercício de funções. A norma não gera, no plano da eficácia, prejuízos ao mercado de trabalho feminino. O intervalo previsto só tem cabimento quando a trabalhadora labora ordinariamente com jornada superior ao limite permitido em lei por uma exigência do empregador. Adotar a tese da prejudicialidade faria inferir, também, que outros direitos, como salário-maternidade, licença-maternidade, prazo reduzido para aposentadoria, proibição de dispensa da trabalhadora por contrair matrimônio ou estar grávida e outros benefícios assistenciais e previdenciários existentes em favor das mulheres acabariam por desvalorizar a mão de obra feminina. Concluiu-se que, no futuro, poderia haver efetivas e reais razões fáticas e políticas para a revogação da norma, ou mesmo para a ampliação do direito aos trabalhadores de ambos os sexos. Por fim, o ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo.

RE 658.312 2º julg/SC, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 14-9-2016.

Direito à saúde e dever de o Estado fornecer medicamento

O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute o dever de o Estado fornecer medicamento de alto custo a portador de doença grave sem condições financeiras para comprá-lo. No caso, o Estado-membro havia sido condenado a fornecer medicação para tratamento de doença grave. Na decisão judicial atacada, o ente havia alegado que privilegiar o atendimento de um único indivíduo comprometeria políticas de universalização do serviço de fornecimento de fármacos, em prejuízo aos cidadãos em geral. Dessa forma, debilitaria investimentos nos demais serviços de saúde e em outras áreas, como segurança e educação. Além disso, violaria a reserva do possível e a legalidade orçamentária. O ministro Marco Aurélio (relator) desproveu o recurso extraordinário. Em seu voto, afirmou que reconhecer o direito individual à oferta, pelo Estado, de remédio de alto custo não incluído na Política Nacional de Medicamentos ou em Programa de Medicamentos de Dispensação em Caráter Excepcional depende de comprovada imprescindibilidade — adequação e necessidade — ou impossibilidade de substituição do fármaco. É necessário demonstrar, ainda, a incapacidade financeira do enfermo e dos membros da família solidária, respeitadas as disposições sobre alimentos previstas nos arts. 1.694 a 1.710 do Código Civil (CC). O relator rememorou que, no País, há a Política Nacional de Medicamentos. Por meio dela, elaboram-se listas de remédios a serem distribuídos aos necessitados, com destaque para o Programa de Medicamentos de Dispensação em Caráter Excepcional, referente às medicações de alto custo ou excepcionais. Mencionou, também, ser esperado que essas políticas levem, progressivamente, à distribuição universal e ao uso racional de medicamentos. Entretanto, ressaltou não estar em discussão o controle jurisdicional do mérito amplo dessas políticas, e sim a tutela judicial de situações especiais, quando não alcançadas por essas medidas. Afinal, não caberia ao Poder Judiciário formular políticas públicas, mas corrigir injustiças concretas. Assim, verificada a transgressão ao mínimo existencial, o direito individual à saúde se revelaria imponderável frente aos mais relevantes argumentos de ordem administrativa. É o caso do comprometimento de políticas de universalização da prestação aos demais cidadãos e de investimentos em outras áreas. Objeções de cunho administrativo não podem prevalecer diante de ofensas ao mínimo existencial. Argumentos genéricos ligados ao princípio estruturante da separação de Poderes tampouco têm sentido prático em face de inequívoca transgressão a direitos fundamentais. Ainda segundo o relator, para a configuração do mínimo existencial passível de tutela mediante intervenção judicial, seria imperioso verificar a imprescindibilidade do medicamento para a concretização do direito à saúde — elemento objetivo— e a incapacidade financeira de aquisição — elemento subjetivo. A imprescindibilidade estaria configurada quando provado que o estado de saúde do paciente reclama o uso do medicamento de alto custo ausente dos programas de dispensação do governo para o procedimento terapêutico apontado como necessário ao aumento de sobrevida ou à melhora da qualidade de vida, condições da existência digna do enfermo. Tal prova se daria em processo e por meio de laudo, exame ou indicação médica lícita. Nesse caso, caberia ao Estado prova em contrário tanto da inadequação como da desnecessidade do medicamento. Revelada a sua absoluta inutilidade ou, ao menos, a inequívoca insegurança quanto a resultados positivos, bem como a existência de outro fármaco com menor custo e mesma eficácia, a imprescindibilidade seria afastada. O segundo elemento a ser considerado é a incapacidade financeira. O dever de tutela estatal do mínimo existencial estaria definitivamente configurado se provada a ausência de capacidade financeira para a aquisição de medicação reconhecidamente adequada e necessária ao tratamento de saúde do indivíduo. Tal ótica estaria em conformidade com as decisões do STF. Quanto à situação financeira do paciente, o relator frisou que, na família contemporânea, não pode haver direitos sem responsabilidades. A igualdade e a autonomia dos integrantes reclamam reciprocidade e solidariedade. Essa concepção é clara no art. 229 da Constituição, segundo o qual os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores; e os filhos maiores, o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. O dispositivo abrange, portanto, os deveres de cuidado com a saúde como manifestação cogente de solidariedade familiar. Logo, a dignidade humana, considerado o direito à saúde, seria comprometimento não só do Estado mas também da família. E, tendo em vista que não há hierarquia formal entre esses diferentes deveres de solidariedade, cabe ao intérprete harmonizá-los. Por ser específico, o dever familiar precede o estatal, que é custeado por toda a sociedade por meio de tributos. Nesse sentido, o Estado atua subsidiariamente, ou seja, exclusiva ou complementarmente, a depender do nível de capacidade financeira da família solidária. Entretanto, para o relator, ainda que os deveres de solidariedade familiar estejam presentes, o mínimo existencial dos membros da família deve ser respeitado. A obrigação dos familiares é limitada pela capacidade financeira de custeio dos direitos básicos — saúde, educação, alimentação, moradia — de si mesmos e dos parentes mais próximos. Dessa forma, o dever solidário de cada um surge apenas quando não prejudicado o sustento individual do próprio mínimo existencial e o dos familiares mais próximos, assim categorizados conforme a disciplina legal pertinente. Para isso, as nuances de prioridades devem ser resolvidas pela observância das regras do Código Civil sobre a estrutura da família, das relações de parentesco e dos deveres alimentares. De acordo com o art. 1.694 do CC, o direito aos alimentos está vinculado às relações conjugais, de união estável e de parentesco. Quanto às relações conjugais hétero e homoafetivas, a obrigação recai sobre o cônjuge; já no caso da união estável, o companheiro é o responsável. Quanto ao parentesco, tanto na relação natural quanto na civil, ou até mesmo na socioafetiva, o dever observaria o art. 1.697 do CC (“Na falta dos ascendentes, a obrigação de alimentos cabe aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, na falta destes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais”). O dispositivo abarcaria as relações de parentesco em linha reta e colateral, caso em que, aquelas precederiam estas. Nesse sentido, considerando-se parentes em linha reta, a obrigação prioritária é dos pais (ascendentes em primeiro grau). Tal responsabilidade pode recair de forma exclusiva, sucessiva ou complementar sobre os demais ascendentes, avós ou bisavós (CC, art. 1.696). Na ausência dos ascendentes ou na incapacidade financeira deles, o dever é atribuído aos descendentes, observada a ordem de sucessão (filhos, netos e assim por diante). Na falta de ascendentes e descendentes, surge o dever de solidariedade por relação de parentesco em linha colateral, considerados os irmãos, germanos ou unilaterais. Em seguida, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do ministro Roberto Barroso.

RE 566.471/RN, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 15-9-2016.

1ª Parte :

2ª Parte : 3ª Parte :

Direito à saúde e medicamento sem registro na Anvisa

O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute o dever de o Estado fornecer medicamento não registrado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). O ministro Marco Aurélio (relator) negou provimento ao recurso. Em seu voto, afirmou que o Estado não está obrigado a fornecer medicamento se revelada sua absoluta inutilidade ou, ao menos, se houver inequívoca insegurança quanto a resultados positivos, bem como a existência de outro produto com menor custo e mesma eficácia. Enfatizou, ainda, que o registro do fármaco no órgão do Ministério da Saúde é condição para industrialização, comercialização e importação com fins comerciais, segundo o art. 12 da Lei 6.360/1976 (“Nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde”). A inobservância desse preceito configura ilícito, portanto. Ao final, sublinhou que o registro ou cadastro do medicamento é condição indispensável para que a Anvisa possa monitorar a segurança, a eficácia e a qualidade terapêutica do produto. Diante da ausência de tal procedimento, a inadequação é presumida. O julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do ministro Roberto Barroso.

RE 657.718/MG, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 15-9-2016.

1ª Parte :

2ª Parte : 3ª Parte :

PRIMEIRA TURMA

Colaboração premiada e requisitos para concessão de perdão judicial

A Primeira Turma iniciou julgamento de “habeas corpus” em que se discute a necessidade de “espontaneidade” ou unicamente de “voluntariedade” na colaboração premiada para conceder perdão judicial. O ministro Marco Aurélio (relator) indeferiu a ordem. Foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin e Rosa Weber. O relator afirmou que, segundo o art. 13 da Lei 9.807/1999, o juiz pode, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado primário que cooperar efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal. Porém, dessa colaboração deve resultar: a) a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa; b) a localização da vítima, com integridade física preservada; c) a recuperação total ou parcial do produto do crime. Consignou que os vocábulos “voluntariedade” e “espontaneidade” teriam sido utilizados pelo tribunal “a quo” sem distinção de sentido, ressaltando-se a necessidade de a colaboração do réu, para efeito de concessão do perdão judicial, decorrer de livre vontade, desprovida de qualquer tipo de constrangimento. Verificou, por meio de definição colhida em dicionário da língua portuguesa, a sinonímia entre os termos. De acordo com a obra, “voluntário” seria “aquilo que não é forçado, que só depende da vontade; espontâneo”. Salientou, ainda, que o tribunal de origem, ao afastar a aplicabilidade do benefício, teria considerado ausente a efetividade da colaboração em comento como meio para obter provas. As investigações policiais, em momento anterior ao da celebração do acordo, teriam revelado os elementos probatórios acerca do esquema criminoso integrado pela paciente, especializado em enviar pessoas ilegalmente para o exterior. No mais, sustentou que, no julgamento impugnado, teria sido levado em conta, na dosagem da diminuição da pena, o alcance da colaboração prestada. O ministro Edson Fachin divergiu parcialmente, apenas quanto à sinonímia entre “voluntariedade” e “espontaneidade”. Destacou que a Lei 9.807/1999 prevê expressamente apenas o elemento “voluntariedade”. Assim, na ausência de previsão legal, esse critério bastaria para a colaboração premiada. A presença de “espontaneidade”, portanto, seria desnecessária. Em seguida, o ministro Luiz Fux pediu vista dos autos.

HC 129.877/RJ, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 13-9-2016.

Administração Pública: ressarcimento e decadência - 3

Por não vislumbrar preclusão temporal e por considerar inadequada a via eleita, a Primeira Turma, em conclusão de julgamento e por maioria, denegou a ordem em mandado de segurança. O Tribunal de Contas da União (TCU) havia determinado que órgão da Administração Pública federal adotasse providências para que fosse restituída quantia relativa a auxílio-moradia paga a servidora pública entre outubro de 2003 e novembro de 2010. A impetrante sustentava a decadência do direito de a Administração Pública anular os atos dos quais decorreram efeitos favoráveis. Alegava, ainda, a necessidade de observância do princípio da proteção da confiança, ante a presunção de legalidade dos atos praticados por agentes públicos. Salientava a boa-fé no recebimento dos valores — v. Informativo 807. Prevaleceu o voto do ministro Edson Fachin. Para ele, não há que se falar em prescrição e decadência em casos de pretensão ressarcitória do Estado, tendo em conta o disposto no art. 37, § 5º, da CF/1988 (“A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”). Por outro lado, verificar a legitimidade da percepção do auxílio-moradia e a existência de boa-fé da impetrante demandaria incursão na análise de fatos e provas. Tal questão, portanto, deveria ser debatida em ação ordinária, de ampla cognição, e não na via estreita do mandado de segurança. O ministro Roberto Barroso, por sua vez, considerou evidente a má-fé da impetrante, que residia no mesmo local havia mais de dez anos, mas simulara situação de deslocamento. Assim, o prazo decadencial previsto no art. 54, “caput”, da Lei 9.784/1999, não fluiria em virtude do recebimento indevido dos valores. Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator) e Luiz Fux, que concediam o “writ”. O relator originário invocava o princípio da segurança jurídica e não vislumbrava a ocorrência de má-fé na percepção dos valores.

MS 32.569/DF, rel. orig. min. Marco Aurélio, rel. p/ o ac. min. Edson Fachin, julgamento em 13-9-2016.

SEGUNDA TURMA

Intimação da Defensoria Pública e sessão de julgamento de HC

A intimação pessoal da Defensoria Pública quanto à data de julgamento de “habeas corpus” só é necessária se houver pedido expresso para a realização de sustentação oral. Com base nesse entendimento, a Segunda Turma denegou a ordem. Pleiteava-se, no caso, a declaração de nulidade de sessão de julgamento de recurso ordinário em “habeas corpus” ante a ausência de prévia intimação da Defensoria. Alegava-se cerceamento de defesa. A Turma reiterou, assim, orientação firmada no julgamento do RHC 116.173/RS (DJe de 10-9-2013) e do RHC 116.691/RS (DJe de 1º-8-2014).

HC 134.904/SP, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 13-9-2016.


Informativo do STF 839 de 16/09/2016