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Informativo do STF 664 de 04/05/2012

Publicado por Supremo Tribunal Federal


PLENÁRIO

Terras indígenas: ação declaratória de nulidade de títulos - 7

Em conclusão, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação cível originária, proposta pela Fundação Nacional do Índio - Funai, para declarar a nulidade de todos os títulos de propriedade rural — expedidos pelo Governo do Estado da Bahia — cujas respectivas glebas estejam localizadas dentro da área da Reserva Indígena Caramuru-Catarina-Paraguaçu e, em consequência, julgar improcedentes as reconvenções dos titulares desses títulos anulados, carecedores de ação os demais reconvintes — v. Informativo 521. Preliminarmente, acolheu-se, também por maioria, questão de ordem suscitada pela Min. Cármen Lúcia no sentido de que a apreciação do feito fosse retomada — embora não constasse da pauta anunciada no sítio do STF —, visto que o tema versado nos autos seria grave e urgente. Vencido o Min. Marco Aurélio, que rejeitava o apregoamento do processo. Afirmava que impenderia observar o interregno de 48h entre a inclusão do processo na pauta e a sessão de julgamento. Avaliava que, por maior que fosse a excepcionalidade, o princípio da publicidade deveria ser respeitado, a permitir que possíveis interessados — que não participassem diretamente da relação processual — tivessem conhecimento da matéria enfrentada pelo Pleno e apresentassem memoriais. Ainda em preliminar, o Colegiado afastou alegação de impossibilidade jurídica do pedido, sustentada pelos réus em razão de não ter sido individualizado o perímetro de cada propriedade tampouco mencionados os nomes de todos os proprietários envolvidos na lide, que se desbordaria dos limites do que o CPC descreveria como “pedido genérico”. No ponto, articulou-se cuidar de ação declaratória, em que pleiteada a nulidade de títulos de propriedade e registros imobiliários em certa área indígena, não havendo falar-se, portanto, em “pedido genérico”. Acrescentou-se que a Funai fornecera documentos que viabilizariam os trabalhos periciais, realizara os esforços necessários à citação pessoal do maior número de réus, e recorrera a sua citação por edital apenas quando não encontrados os endereços.

ACO 312/BA, rel. orig. Min. Eros Grau, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 2.5.2012. (ACO-312)

Terras indígenas: ação declaratória de nulidade de títulos - 8

No mérito, ressurtiu-se que a demarcação prévia da área abrangida pelos títulos não seria, em si, indispensável ao ajuizamento da própria ação e que o STF poderia examinar se a área seria ou não indígena para decidir pela procedência ou não do pedido. Comentou-se que a presente ação fora proposta sob a égide da CF/67, com as alterações da EC 1/69, e que esta seria o parâmetro a ser usado para julgamento do pedido. Aduziu-se que aquele texto constitucional, em seu art. 198, referir-se-ia à posse permanente do silvícola (“As terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis nos têrmos que a lei federal determinar, a êles cabendo a sua posse permanente e ficando reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de tôdas as utilidades nelas existentes. § 1º Ficam declaradas a nulidade e a extinção dos efeitos jurídicos de qualquer natureza que tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação de terras habitadas pelos silvícolas. § 2º A nulidade e extinção de que trata o parágrafo anterior não dão aos ocupantes direito a qualquer ação ou indenização contra a União e a Fundação Nacional do Índio.”). Assim, realçou-se que a posse indígena sobre a terra, fundada no indigenato, teria relação com o ius possessionis e com o ius possidendi, a abranger a relação material do sujeito com a coisa e o direito de seus titulares a possuírem-na como seu habitat. Deduziu-se que a região em conflito consubstanciaria morada do povo Pataxó, que ocuparia a área em litígio desde 1651, apesar de confirmada a ocorrência de algumas diásporas de índios, bem como o arrendamento de certas frações da reserva pelo Serviço de Proteção aos Índios - SPI. Entretanto, isso não desconfiguraria a posse permanente e a habitação exigidas pela CF/67, porquanto em nenhum momento teria sido demonstrada a ausência de silvícolas na área em questão, os quais, obrigados a deixar a terra natal em decorrência das acirradas disputas pela região, teriam mantido laços com os familiares que lá permaneceram.

ACO 312/BA, rel. orig. Min. Eros Grau, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 2.5.2012. (ACO-312)

Terras indígenas: ação declaratória de nulidade de títulos - 9

Corroborou-se o que contido nas perícias sanitária e agronômica realizadas, quanto à precariedade das águas que abasteceriam a região e à potencialidade da terra para algumas culturas; e na perícia topográfica, que aviventara os marcos da área indígena sob exame. Demonstrou-se que a Funai, não obstante desconhecesse as exatas dimensões da reserva indígena, juntara aos autos elementos materiais necessários a sua correta medição, efetivada por meio do emprego da mais moderna tecnologia de georeferenciamento. No que se refere aos documentos relativos aos imóveis dos réus, citaram-se títulos de propriedade outorgados pelo Governo do Estado da Bahia entre os anos de 1978 a 1984, nos Municípios de Itajú do Colônia, Pau Brasil e Camacã, assim como outros 32 documentos que consubstanciariam a outorga de domínio de terras na região, registros de propriedade em cartórios, e certificados de cadastramento de imóveis rurais no Incra. Quanto aos últimos, dessumiu-se que nenhum deles estaria situado na área da reserva, sendo, por isso, irrelevantes. Esclareceu-se, ademais, que, de posse dos memoriais descritivos dos imóveis, fora determinada a plotagem das glebas no polígono medido, tendo sido revelada a existência, dentro da reserva indígena, de 186 áreas identificadas, das quais 143 tituladas e 43 não tituladas. Ademais, 36 estariam ocupadas, mas não constariam da relação de réus da ação, nem teria sido encontrada qualquer informação a respeito delas. Elucidou-se, ainda, que alguns estranhos às populações indígenas que se encontravam dentro da reserva teriam sido indenizados pela Funai por benfeitorias e deixado a região.

ACO 312/BA, rel. orig. Min. Eros Grau, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 2.5.2012. (ACO-312)

Terras indígenas: ação declaratória de nulidade de títulos - 10

Entendeu-se que a perícia antropológica demonstrara a existência permanente de índios na região, bem como a ligação de seus integrantes à terra, que lhes fora usurpada. Além disso, a Lei estadual 1.916/26 e os atos posteriores que reduziram a área da reserva indígena, intentando sua proteção nos termos da política indigenista então vigente, confirmariam a existência de uma área ocupada por índios na região dos Rios Pardo, Gongogy e Colônia. Assim, reputou-se demonstrada a presença de silvícolas na área não apenas quando da edição da Lei de Terras de 1850, bem como quando do advento da CF/67, área incorporada ao patrimônio da União, nos termos do seu art. 198, independentemente de efetiva demarcação, segundo o Estatuto do Índio (Lei 6.001/73, art. 25). Afastou-se o argumento de que seria necessária, na espécie, a prova de que as terras foram de fato transferidas pelo Estado da Bahia à União ou aos índios, ao fundamento de que disputa por terra indígena, entre quem quer que fosse e índios, configuraria, no Brasil, algo juridicamente impossível. Ademais, na vigência da CF/67, as terras ocupadas pelos índios seriam bens da União (art. 4º, IV), sendo assegurada aos silvícolas a posse permanente das terras que habitariam e reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nelas existentes (art. 186). Considerou-se, ainda, a circunstância de que títulos de propriedade oriundos de aquisição a non domino seriam nulos.

ACO 312/BA, rel. orig. Min. Eros Grau, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 2.5.2012. (ACO-312)

Terras indígenas: ação declaratória de nulidade de títulos - 11

Registrou-se não haver títulos de domínio, no interior da reserva, anteriores à vigência da CF/67. Outrossim, em uma parte da área objeto da lide haveria benfeitorias indenizadas pela Funai; outra parte corresponderia a terras das quais não existiria título nenhum, porque de domínio da União; e uma terceira porção seria de terras em relação às quais, apesar das diligências, ninguém arguira titularidade de domínio. Tendo em conta o pedido de declaração de nulidade de todos os títulos de propriedade da área, asseverou-se que onde não fora alegada existência de título não haveria como anular qualquer efeito. A Min. Cármen Lúcia sublinhou a existência de títulos trazidos na inicial que, de acordo com dados periciais atropológicos, agronômicos e topográficos, não se vinculariam a áreas circunscritas na reserva indígena demarcada. Ocorre que a Funai, quando propusera a ação, não conheceria as exatas dimensões da reserva. Rememorou terem sido demarcados 186 locais, bem como certificada a existência de 247 espaços fora da reserva. Evidenciou que estes lugares não seriam objeto do litígio, por ausência de interesse de agir — o que teria sido consignado no voto do Min. Eros Grau, relator originário —, motivo pelo qual foi utilizada a expressão “parcialmente procedente” no dispositivo da decisão tomada pela Corte. No ponto, o Min. Cezar Peluso assinalou que julgava improcedente o pleito em relação aos réus cujos títulos teriam por objeto glebas situadas fora da reserva indígena, os quais seriam carecedores das respectivas reconvenções. O Min. Celso de Mello destacou não estar em jogo conceito de posse ou de domínio no seu sentido civilístico, pois tratar-se-ia de proteção a um habitat de um povo — em suas acepções física e cultural —, cujo parâmetro seria constitucional. Apontou não caber indenização ao ocupante de modo indevido, ainda que com título registrado em cartório, de terra indígena. Seria devido ressarcimento por benfeitorias, apenas, desde que comprovada a boa-fé.

ACO 312/BA, rel. orig. Min. Eros Grau, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 2.5.2012. (ACO-312)

Terras indígenas: ação declaratória de nulidade de títulos - 12

Vencido o Min. Marco Aurélio, que julgava o pedido improcedente, bem como prejudicadas as reconvenções. Frisava que o Brasil todo consubstanciaria, quando dos descobrimentos, terra indígena, porém não se poderia cogitar de desocupação para entregar o território nacional aos índios. Afirmava que, no conflito entre os silvícolas e aqueles que ocupariam as terras desde 1967 — quando da outorga da Constituição brasileira que regia a matéria na época da propositura da ação — estes últimos teriam confiado no Estado, que lhes outorgara os respectivos títulos de propriedade. Lembrava que, sob a vigência daquele texto constitucional, não haveria o que requerido pela CF/88 para reconhecer-se a posse indígena: a existência de índios na área ocupada. Assim, não colocava em segundo plano os inúmeros títulos formalizados, tendo como partes da relação jurídica o Estado da Bahia e os particulares, que teriam adentrado a área — que não seria, na época, ocupada por indígenas — e passado a explorá-la.

ACO 312/BA, rel. orig. Min. Eros Grau, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 2.5.2012. (ACO-312)

ADI e Prouni - 4

Em conclusão, o Plenário, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta ajuizada, pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino - Confenen, pelo Partido Democratas - DEM e pela Federação Nacional dos Auditores-Fiscais da Previdência Social - Fenafisp, contra a Medida Provisória 213/2004, convertida na Lei 11.096/2005, que instituiu o Programa Universidade para Todos - Prouni, regulou a atuação de entidades de assistência social no ensino superior, e deu outras providências — v. Informativo 500. O programa instituído pela norma adversada concedera bolsas de estudos em universidades privadas a alunos que cursaram o ensino médio completo em escolas públicas ou em particulares, como bolsistas integrais, cuja renda familiar fosse de pequena monta, com quotas para negros, pardos, indígenas e àqueles com necessidades especiais. De início, não se conheceu da ação proposta pela Fenafisp, por falta de legitimidade ativa (CF, art. 103, IX). Também em preliminar, consideraram-se presentes os pressupostos de relevância e urgência da matéria tratada na medida provisória questionada que, ao ser convertida em lei, não impediria a continuidade do debate jurisdicional. Em acréscimo, o Min. Gilmar Mendes sublinhou a prioridade do tema abordado pela medida provisória, bem assim o caráter especial e de exceção que assumiria a análise do atendimento de seus pressupostos constitucionais por esta Corte (ADI 4048 MC/DF, DJe de 22.8.2008).

ADI 3330/DF, rel. Min. Ayres Britto, 3.5.2012. (ADI-3330)

ADI e Prouni - 5

No mérito, asseverou-se que a norma adversada erigira a educação à condição de direito social, dever do Estado e uma de suas políticas públicas prioritárias. Afastou-se a alegação de que os artigos 10 e 11 da lei impugnada afrontariam os artigos 146, II, e 195, § 7º, da CF, ao argumento de invadirem seara reservada à lei complementar, ao pretenderem conceituar entidade beneficente de assistência social, e ao estabelecerem requisitos para que assim fosse intitulada. Nesse ponto, assentou-se que o termo “isenção”, contido no § 7º do art. 195 da CF, traduziria imunidade tributária, desoneração fiscal que teria como destinatárias as entidades beneficentes de assistência social que satisfizessem os requisitos legais. Assim, ter-se-ia conferido à lei a força de aportar consigo as regras de configuração de determinadas entidades privadas como de beneficência no campo da assistência social, para terem jus a uma desoneração antecipadamente criada. Repeliu-se, de igual modo, a assertiva de que os dispositivos legais em causa não se limitariam a estabelecer requisitos para o gozo dessa imunidade, mas desvirtuariam o próprio conceito constitucional de “entidade beneficente de assistência social”. Aduziu-se que a elaboração do conceito dogmático haveria de se lastrear na própria normatividade constitucional, na regra que teriam as entidades beneficentes de assistência social como instituições privadas que se somariam ao Estado para o desempenho de atividades tanto de inclusão e promoção social quanto de integração comunitária (CF, art. 203, III). Esclareceu-se que esta seria a principal razão pela qual a Constituição, ao se referir às entidades de beneficência social que atuassem especificamente na área de educação, tê-las-ia designado por “escolas comunitárias confessionais ou filantrópicas” (art. 213). Destacou-se que a lei em comento não teria laborado no campo material reservado à lei complementar, mas tratado apenas de erigir critério objetivo de contabilidade compensatória da aplicação financeira em gratuidade por parte das instituições educacionais que, atendido, possibilitaria o gozo integral da isenção quanto aos impostos e contribuições.

ADI 3330/DF, rel. Min. Ayres Britto, 3.5.2012. (ADI-3330)

ADI e Prouni - 6

Rechaçaram-se, de igual modo, as alegações de afronta aos princípios da igualdade, da isonomia, da não discriminação e do devido processo legal ao argumento de que não se afiguraria legítimo, no ordenamento, que vagas no ensino superior fossem reservadas com base na condição sócio-econômica do aluno ou em critério racial ou de suas condições especiais. Salientou-se que a igualdade seria valor que teria, no combate aos fatores de desigualdade, o seu modo próprio de realização. Além disso, a distinção em favor dos estudantes que tivessem cursado o ensino médio em escolas públicas e os egressos de escolas privadas contemplados com bolsa integral constituiria discrímen a compensar anterior e factual inferioridade. Desacolheu-se a tese de que o art. 7º da Lei 11.096/2005 violaria o princípio da autonomia universitária (CF, art. 207), porque o Prouni seria programa de ações afirmativas que se operacionalizaria mediante concessão de bolsas e por ato de adesão ou participação voluntária e, portanto, incompatível com a ideia de vinculação forçada. Esgrimiu-se, ademais, a assertiva de ofensa ao princípio da livre iniciativa (CF, art. 170), ao fundamento de que este postulado já nasceria relativizado pela própria Constituição. Isso porque a liberdade de iniciativa estaria sujeita aos limites impostos pela atividade normativa e reguladora do Estado, justificados pelo objetivo maior de proteção de valores também garantidos pela ordem constitucional e reconhecidos pela sociedade como relevantes para uma existência digna, conforme os ditames da justiça social. Rechaçou-se o pretenso desrespeito do art. 9º da lei em causa ao art. 5º, XXXIX, da CF, porquanto a matéria nele versada não seria de natureza penal. Frisou-se que o referido dispositivo listaria as únicas sanções aplicáveis pelo Ministério da Educação — aliado ao controle e gerenciamento do programa, por se referir à matéria essencialmente administrativa — aos casos de descumprimento das obrigações assumidas pelo estabelecimento de ensino superior, depois da assinatura do termo de adesão ao programa.

ADI 3330/DF, rel. Min. Ayres Britto, 3.5.2012. (ADI-3330)

ADI e Prouni - 7

O Min. Joaquim Barbosa, em voto-vista, acompanhou a conclusão do relator e apontou duas questões distintas que seriam por ele examinadas: a) eventual transgressão aos princípios da isonomia, da autonomia universitária e da livre iniciativa; e b) alegada violação de reserva de lei complementar para dispor sobre limitações ao poder de tributar. Ressaltou que o Prouni teria público alvo social e economicamente focado, qual seja, estudantes com renda familiar per capita de até um salário-mínimo e meio para bolsas integrais e até três salários mínimos para as parciais. Mencionou que a lei estabeleceria cinco critérios distintos e concomitantes para que o estudante pudesse se candidatar a bolsa mantida pelo Prouni, em universidade privada: ser brasileiro, não possuir diploma de curso superior, perceber renda familiar no montante mencionado, ter cursado ensino médio completo em escola da rede pública ou em estabelecimento privado na condição de bolsista integral e, por fim, ser aprovado em processo seletivo adotado pela instituição privada de ensino superior. Esclareceu que essas condições visariam compatibilizar situação de coexistência de vagas ociosas nos cursos superiores do país — notadamente nas universidades privadas — com a dificuldade de acesso à educação superior pelos indivíduos pertencentes às camadas sociais mais humildes.

ADI 3330/DF, rel. Min. Ayres Britto, 3.5.2012. (ADI-3330)

ADI e Prouni - 8

No tocante à notória existência de vagas ociosas, dessumiu ser lícito concluir que uma das razões seriam as dificuldades financeiras das famílias em arcar com o alto custo das mensalidades escolares. Salientou ser a pobreza crônica, a perpassar diversas gerações e atingir contingente considerável de famílias do país, fruto da falta de oportunidades educacionais, o que levaria, por conseguinte, a certa inconsistência na mobilidade social. A soma desses fatores caracterizar-se-ia como ciclo cumulativo de desvantagens competitivas — elemento de bloqueio socioeconômico a confinar milhões de brasileiros a viver eternamente na pobreza. Entendeu que o Prouni seria suave tentativa de mitigar essa cruel condição e que investir pontualmente, ainda que de forma gradativa — mas sempre com o intuito de abrir oportunidades educacionais a segmentos sociais mais amplos, que historicamente não a tiveram —, constituiria objetivo governamental constitucionalmente válido. Asseverou que o importante seria a interrupção do mencionado ciclo de exclusão para esses grupos sociais desafortunados e a forma de proporcionar mobilidade social estaria no investimento no nível de escolaridade da população, com facilidades no acesso e na permanência no ensino superior. Demonstrou, com base em dados estatísticos, que o nível de emprego teria aumentado de forma significativa dentre aqueles que integraram o referido programa, com efetiva melhoria da renda familiar, a enfraquecer o argumento de vulneração constitucional da isonomia. O Prouni estaria inserido em conceito mais amplo de ação afirmativa, em face da natureza elitista e excludente do sistema educacional brasileiro. Não vislumbrou, ainda, ofensa ao princípio da autonomia universitária (CF, art. 207) em qualquer de seus aspectos, ao confirmá-lo na voluntariedade da adesão ao programa, inclusive com prazo de vigência.

ADI 3330/DF, rel. Min. Ayres Britto, 3.5.2012. (ADI-3330)

ADI e Prouni - 9

Entendeu não desrespeitado o princípio da livre iniciativa (CF, art. 170, parágrafo único), tendo em vista a ociosidade de vagas nas instituições de ensino superior, a favorecer a manutenção de suas atividades, frente aos benefícios tributários de que passariam a usufruir. Acentuou o nítido caráter administrativo das sanções dispostas no art. 9º da Lei 11.096/2005 que — ao prescrever penalidades para o descumprimento das obrigações assumidas pelos estabelecimentos que aderiram ao Prouni — não afrontaria o art. 5º, XXXIX, da CF, por não ter conteúdo criminal. Analisou, em seguida, as questões tributárias postas no sentido de que: a) haveria campo de desoneração que não pressuporia desempenho de atividades em serviço de completa gratuidade; e b) não poderia a gratuidade tributária ser limitada por requisitos impostos por legislação infraconstitucional, a definir aspectos cruciais da entidade beneficente, como a proporção da receita bruta aplicada em gratuidade e a quantidade mínima de bolsas oferecidas. Salientou a confusão entre os regimes das entidades assistenciais e das entidades privadas voltadas à exploração lucrativa. Destacou que o art. 195, § 7º, da CF adotaria três critérios para o reconhecimento da imunidade ao pagamento de contribuições destinadas ao custeio da seguridade social: a) caráter beneficente da entidade; b) dedicação às atividades de assistência social; e c) observância às exigências definidas em lei. Em sentido semelhante, o art. 150, VI, c, da CF, relativo aos impostos, referir-se-ia às instituições de educação e assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos legais. Além disso, o art. 206 da CF definiria os contornos da assistência social, a indicar quais as finalidades a serem atingidas com as respectivas ações.

ADI 3330/DF, rel. Min. Ayres Britto, 3.5.2012. (ADI-3330)

ADI e Prouni - 10

Registrou que, para caracterizar-se como ação de assistência social, a prestação de benefícios e serviços dever-se-ia caracterizar pela universalidade — prestada a quem dela necessitar — e pela gratuidade. Assim, a imunidade seria salvaguarda da atividade assistencial, que poderia se materializar com a oferta de serviços educacionais. Contudo, nem toda prestação de serviço educacional seria, necessariamente, assistencial e, portanto, imune aos impostos e às contribuições sociais. Nesse contexto, o Prouni utilizaria a capacidade ociosa das entidades privadas, voltadas ao lucro, que não seriam assistenciais nem filantrópicas, de modo a promover o acesso à educação de grupos de pessoas em evidente desvantagem social, econômica e histórica. Depreendeu que o aludido programa seria incentivo fiscal à integração das instituições educacionais de exploração privada, na política de ampliação de acesso à educação, sem reger, diretamente, as atividades sem fins lucrativos próprias das entidades assistenciais. Ademais, por se tratar de incentivo fiscal, não versaria sobre a imunidade das entidades assistenciais e, por essa razão, dispensável lei complementar para ser instituída. Apontou que os critérios escolhidos para a aplicação dos incentivos seriam adequados e proporcionais e, em nenhum momento, ter-se-ia demonstrado que as exigências inviabilizariam essas entidades. Por fim, sob a ótica financeira, concluiu que o programa apresentaria baixo custo por aluno, comparado ao que despendido nas instituições públicas em geral – para uma minoria — e até mesmo ao que se pagaria nas instituições de ensino privadas.

ADI 3330/DF, rel. Min. Ayres Britto, 3.5.2012. (ADI-3330)

ADI e Prouni - 11

O Min. Gilmar Mendes afirmou que a jurisprudência do STF teria se inclinado no sentido de que o art. 195, § 7º, da CF teria natureza específica e excepcional em face da regra geral prevista no art. 146, II, da CF (ADI 2036 MC/DF, DJU de 16.6.2000), razão pela qual seria despicienda a exigência de lei complementar para instituição da isenção tributária em exame. Colacionou precedente da Corte que compatibilizaria a utilização de leis complementar e ordinária no tocante à regulamentação, respectivamente, das imunidades tributárias e das entidades que dela deveriam fruir (ADI 1082 MC/DF, DJU de 13.2.2004). Ao retomar entendimento do Supremo na ADI 2545 MC/DF (DJU de 7.2.2003), explanou que os dispositivos agora atacados inspirar-se-iam no art. 55 da Lei 8.212/91, objeto desse julgado, cuja orientação adotada denotaria que o modelo normativo então vergastado não teria laborado no campo material reservado à lei complementar. Isso porque tão somente erigira critério objetivo de contabilidade compensatória de aplicação financeira em gratuidade por parte das instituições educacionais.

ADI 3330/DF, rel. Min. Ayres Britto, 3.5.2012. (ADI-3330)

ADI e Prouni - 12

Desse modo, afirmou que o propósito da referida norma seria determinar que as entidades beneficentes de assistência social, agraciadas por “isenção” legal, fossem obrigadas a investir o resultado operacional na manutenção e no desenvolvimento de seus objetivos institucionais. Assim, pontificou que a MP 213/2004, convertida na Lei 11.096/2005, apenas teria regulado a forma pela qual se empregaria o resultado operacional obtido por meio da imunidade tributária, com o escopo de ampliar o acesso ao ensino superior, mediante concessão de bolsas de estudos. Explicou que, em vez de arcar diretamente com os custos dessas benesses conferidas aos estudantes, o Poder Público concederia a “isenção” às entidades educacionais, a fim de que estas aplicassem o resultado obtido no financiamento dessas bolsas. Inferiu, pois, que a lei federal examinada não trataria de ensino em si, mas de política pública para fomentá-lo, sem, contudo, interferir na maneira como a atividade educacional desenvolver-se-ia. O diploma tampouco usurparia a competência legislativa dos estados e do Distrito Federal de editar normas específicas sobre educação, porquanto cuidaria de concessão de bolsas por meio de adesão voluntária de faculdades privadas ao Prouni, as quais, em contrapartida, contemplar-se-iam com imunidade tributária. Finalizou que o programa comportaria política de inclusão social que conjugaria critério de raça com o socioeconômico e que o número de ingressantes no ensino superior por meio dele seria próximo ao total de discentes atualmente matriculados em instituições públicas.

ADI 3330/DF, rel. Min. Ayres Britto, 3.5.2012. (ADI-3330)

ADI e Prouni - 13

A Min. Rosa Weber ratificou o que decidido no julgamento da ADPF 186/DF (acórdão pendente de publicação, v. Informativo 663), em que discutidas as políticas de ações afirmativas e a reserva de vagas em universidades públicas, no que diz respeito às alegadas inconstitucionalidades por afronta aos princípios da isonomia, da autonomia universitária e da livre iniciativa. Reportou que a educação seria não só direito social como também dever do Estado, inclusive com a possibilidade de acesso ao ensino superior. Entendeu inexistir vulneração ao princípio da livre iniciativa, que poderia ser limitada de forma a realizar objetivos públicos traçados pelo Estado, tais como as metas de inclusão social e acesso à educação, e também porque o programa seria de adesão voluntária. Destacou não haver inconstitucionalidade no fato de a norma priorizar — na distribuição dos recursos disponíveis no Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior – Fies — as instituições de direito privado que aderissem ao Prouni porque tão somente estimularia a participação nesse programa, sem deixar de fazer o repasse às não aderentes.

ADI 3330/DF, rel. Min. Ayres Britto, 3.5.2012. (ADI-3330)

ADI e Prouni - 14

O Min. Luiz Fux sobressaiu que o art. 206 da CF traria um subprincípio da isonomia ao assentar que um dos cânones pétreos da educação seria garantir a igualdade de acesso a ela, o que seria viabilizado pelo Prouni. Assinalou que a lei desse programa estabeleceria critérios para que algumas entidades pudessem nele se enquadrar, o que não teria nenhuma vinculação com o poder de tributar. Descartou o argumento no sentido de que haveria violação ao princípio da reserva legal, em paralelismo com o direito criminal, porque esse visaria evitar-se que fosse imposta sanção que, se a parte soubesse de sua existência, não praticaria determinado ato. Sinalizou que, na norma, as sanções estariam previstas legalmente e encartadas no termo de adesão, a se revelar programa público de aceitação voluntária e, por isso, observaria os princípios da livre iniciativa e da autonomia universitária. Concluiu que o Prouni seria exemplo eloquente de fomento público de atividades particulares relevantes, tanto mais que consentâneo com o ideário da nação, que prometeria essa sociedade justa e solidária, com a erradicação das desigualdades.

ADI 3330/DF, rel. Min. Ayres Britto, 3.5.2012. (ADI-3330)

ADI e Prouni -15

Vencido o Min. Marco Aurélio, que julgava procedente o pedido. Assentava vício formal sob o ângulo do não atendimento aos requisitos constitucionais de relevância e urgência, bem como quanto à regência de matéria reservada à lei complementar pela medida provisória em comento. Frisava, de início, que, embora o projeto de lei que trataria da matéria em apreço tivesse sido encaminhado ao Congresso Nacional em regime de urgência, diante da demora parlamentar em sua apreciação, fora solicitada a sua retirada, com a subsequente edição da medida provisória. Repisava que a urgência necessária para editar-se essa espécie legislativa seria “urgência maior”, em contraposição àquela a autorizar o encaminhamento de projeto de lei de iniciativa do Presidente da República (CF, art. 64, §1º). Reputava, assim, merecer glosa a substituição do projeto de lei com pleito de urgência pela medida provisória. Versava, ainda, que o vício originário no tocante à edição da medida provisória contaminaria a lei de conversão. Além disso, assinalava que o art. 146 da CF faria remissão à necessidade de lei complementar no que se refere ao poder de tributar. No ponto, lembrava que essa espécie legislativa não serviria a disciplinar tema reservado à lei complementar (CF, art. 62, § 1º, III).

ADI 3330/DF, rel. Min. Ayres Britto, 3.5.2012. (ADI-3330)

ADI e Prouni-16

Observava que não se cogitaria de universidade pública, mas de questão ligada a faculdades privadas. Entendia violada a autonomia universitária em virtude do poder conferido ao Ministério da Educação para prever sanções a serem aplicadas às instituições cujas obrigações assumidas no termo de adesão fossem descumpridas. Constatava que o diploma em questão projetaria para a definição daquele Ministério das situações de fato que desaguariam em sanção. Relativamente ao vício material, registrava que o próprio Estado compeliria a iniciativa privada a fazer o que seria seu dever: viabilizar o acesso universitário, de forma larga, àqueles que tivessem o requisito de escolaridade para alcançá-lo. Mencionava que a imposição — de adesão ao programa — até mesmo às universidades detentoras de imunidade assegurada constitucionalmente para que tivessem jus a essa prerrogativa seria desproporcional. Realçava existir transgressão ao princípio da isonomia em face do afastamento do Fies na hipótese de não se aderir ao referido programa.

ADI 3330/DF, rel. Min. Ayres Britto, 3.5.2012. (ADI-3330)

Embargos de Declaração: modulação dos efeitos em ADI e §§ 1º e 2º do art. 84 do CPP - 2

O Plenário retomou julgamento de embargos de declaração opostos de decisão proferida em ação direta, na qual se pretende, sob alegação de omissão, a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do art. 84 do CPP, inseridos pelo art. 1º da Lei 10.628/2002 — v. Informativo 543. O Min. Ayres Britto, Presidente, em voto-vista, abriu divergência ao acolher os embargos para fixar a data de 15.9.2005 como termo inicial da declaração de inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do art. 84 do CPP. Sublinhou que a proposição nuclear em sede de fiscalização de constitucionalidade seria a de nulidade das leis e demais atos do Poder Público, eventualmente contrários à normatividade constitucional, de modo a prevalecer o princípio da supremacia da Constituição. Entretanto, haveria situações que demandariam decisão judicial de efeitos limitados ou restritos a preservar outros princípios constitucionais também revestidos de superlativa importância sistêmica, a exemplo da segurança jurídica e da imperiosa necessidade de acautelamento, ora do meio social — sobretudo pela preservação da ordem pública — ora do chamado meio ambiente. Afirmou que esse balanceamento implicaria verdadeiro mandado de otimização, a dar-se por impulso próprio (de ofício) ou por provocação das partes, tudo na perspectiva do resgate da unidade material da Constituição. Observou que se, no julgamento de mérito da controvérsia, a Corte deixasse de se pronunciar acerca da eficácia temporal de seu julgado, poder-se-ia presumir, em princípio, a nulidade da lei inconstitucional como consequência. Aduziu que essa presunção de nulidade somente se tornaria absoluta com o trânsito em julgado da ação direta e que, presentes as razões que justificassem a modulação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade, não haveria óbice ao seu reconhecimento em sede de embargos de declaração.

ADI 2797 ED/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 3.5.2012. (ADI-2797)

Embargos de Declaração: modulação dos efeitos em ADI e §§ 1º e 2º do art. 84 do CPP - 3

Assim, competiria ao Supremo modular os efeitos de suas decisões, se houver razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, ainda que inexistente pedido das partes. Ressaltou que os embargos de declaração integrariam o julgado e consistiriam meio de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, além de configurarem a última fronteira processual apta a impedir que decisão de inconstitucionalidade com efeito retroativo afetassem relações sociais. Consignou que a não salvaguarda da segurança jurídica ocasionaria ofensa ainda maior à Constituição do que aquela declarada em ação direta, o que levaria o sistema constitucional a experimentar desequilíbrio entre o que se perderia e o que se ganharia. Por fim, o Min. Marco Aurélio ficou vencido quanto ao quórum para deliberação, ao fundamento de que o Min. Menezes Direito, relator originário, já teria votado nos presentes embargos e o seu sucessor, Min. Dias Toffoli, não poderia, no tocante à mesma matéria, compor o quórum. Após, o julgamento foi suspenso.

ADI 2797 ED/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 3.5.2012. (ADI-2797)