Informativo do STF 642 de 30/09/2011
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
Transporte de carga perigosa e competência legislativa - 1
O Plenário, por maioria, deferiu, parcialmente, pedido de medida liminar formulado, em argüição de descumprimento de preceito fundamental, pela Associação Nacional do Transporte de Cargas, para determinar a suspensão da eficácia das interdições ao transporte praticado pelas empresas associadas à argüente, quando fundamentadas em descumprimento da norma contida no art. 1º da Lei 12.684/2007, do Estado de São Paulo (“Art. 1º Fica proibido, a partir de 1º de janeiro de 2008, o uso, no Estado de São Paulo, de produtos, materiais ou artefatos que contenham quaisquer tipos de amianto ou asbesto”), reconhecendo-lhes o direito de efetuar o transporte interestadual e internacional de cargas, inclusive as de amianto da variedade crisotila, observadas as disposições legais e regulamentares editadas pela União. A autora requeria a concessão de medida cautelar para suspender os processos em andamento no Tribunal Superior do Trabalho e nas demais instâncias ordinárias da Justiça do Trabalho daquele ente federativo, assim como a eficácia das interdições ao transporte de amianto efetuado pelas empresas que lhe são associadas nas rodovias estaduais. Prevaleceu o voto do Min. Marco Aurélio, relator. Preliminarmente, assentou a legitimidade da argüente para dar início ao processo, revelada a condição de associação nacional representativa de certa categoria. Sob o ângulo do cabimento da ação, verificou que a Corte tem entendido que a subsidiariedade da argüição há de ser compreendida de modo a não inviabilizar o acesso à jurisdição constitucional, principalmente quando em jogo valores maiores e a possibilidade de proliferação de demandas. Assim, embora possível impugnar, judicialmente, os atos administrativos formalizados e as decisões judiciais, mediante os respectivos recursos, haveria o interesse público de ser dirimida a controvérsia em caráter definitivo. Reputou que os preceitos evocados comporiam conteúdo essencial do texto constitucional vigente, protegido do poder constituinte derivado reformador.
ADPF 234 MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 28.9.2011. (ADPF-234)
Transporte de carga perigosa e competência legislativa - 2
No mérito, destacou a perplexidade decorrente da convivência, no ordenamento jurídico, da proibição local para a comercialização de amianto com a permissão, abrangente (Lei 9.055/95), para o exercício da atividade. Observou caber à União legislar, privativamente, sobre transporte — inclusive de cargas perigosas — e sobre comércio interestadual e internacional. Assinalou, ademais, inexistir lei complementar que delegue aos Estados-membros a disciplina do tema. Afirmou que, se cada Estado-membro impusesse restrições ao comércio, ora vedando o acesso aos próprios mercados, ora impedindo a exportação por meio das regiões de fronteiras internacionais, seria o fim da Federação. Salientou, nesse sentido, que incumbiria à União explorar os portos organizados, bem como regular o transporte rodoviário de cargas. A respeito, rememorou o art. 10 da Lei 9.055/95 (“O transporte do asbesto/amianto e das fibras naturais e artificiais referidas no art. 2º desta Lei é considerado de alto risco e, no caso de acidente, a área deverá ser isolada, com todo o material sendo reembalado dentro de normas de segurança, sob a responsabilidade da empresa transportadora”). Sublinhou, ainda, que o transporte desse material está disciplinado no Decreto 96.044/88 e na Resolução 420/2004, da Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT. Frisou que, a corroborar essa orientação, a Corte tem declarado a inconstitucionalidade de normas estaduais que interferem na liberdade de comércio interestadual e internacional. Reputou que, sob o enfoque da liberdade de locomoção, não se poderia restringir o acesso dos particulares ao serviço público, que deve ser regular e eficiente, por expresso mandamento constitucional. Dessa forma, o ente federativo que não é titular da prestação — no caso, o Estado-membro — não poderia obstaculizá-la. Concluiu que a liberdade de locomoção, na espécie, seria qualificada, ou seja, instrumento para a comercialização de certo produto, inserido nas atividades licitamente exercidas por determinada pessoa jurídica (liberdade de iniciativa), e realizada por meio de serviços públicos (portos e rodovias federais). O relator consignou, por fim, que a lei adversada proibiria o “uso” e não o “transporte” da referida mercadoria. Explicou que quem usa o faria em termos finais, seria titular de uma das faculdades inerentes ao domínio. Aquele que transporta, por sua vez, prestaria um serviço, mas não deteria, necessariamente, a titularidade da coisa para si. Desse modo, se proibido o uso do amianto no Estado de São Paulo, não o seria o transporte quando o material estivesse destinado a outros Estados da Federação ou ao exterior, no que não configuraria “uso” na acepção técnica da palavra. No ponto, o Min. Ricardo Lewandowski salientou que o Estado de São Paulo, argüido, não teria competência para proibir o transporte destinado à exportação e ao comércio interestadual, mas poderia proibir o transporte de amianto destinado para uso exclusivamente dentro do Estado-membro.
ADPF 234 MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 28.9.2011. (ADPF-234)
Transporte de carga perigosa e competência legislativa - 3
Vencidos os Ministros Ayres Britto, Celso de Mello e Cezar Peluso, Presidente, que indeferiam a cautelar. O primeiro afirmava que seria lógico a lei estadual vedar o transporte do amianto, se proíbe a produção e a comercialização do produto. Nesse aspecto, o Presidente sublinhava que a lei trataria de proibir a circulação do produto. O meio utilizado para esse ato — uso, transporte, entre outros — seria secundário, portanto. O Min. Ayres Britto lembrava, ademais, que a lei federal que cuida do transporte do citado produto faria remissão à Convenção da OIT, de que o Brasil é signatário (“Art. 3º ... 1 - A legislação nacional deve prescrever as medidas a serem tomadas para prevenir e controlar os riscos, para a saúde, oriundos da exposição profissional ao amianto, bem como para proteger os trabalhadores contra tais riscos; 2 - A legislação nacional, adotada em virtude da aplicação do parágrafo 1º do presente Artigo, deverá ser submetida a revisão periódica, à luz do desenvolvimento técnico e do aumento do conhecimento científico”). Assim, a convenção categorizaria a legislação sobre o assunto como norma de eficácia progressivamente atenuada, a ponto de, eventualmente, proibir a permanência do material no mercado. Salientava que a lei federal conteria paradoxo, uma vez que permite o transporte e comércio de uma das variedades de amianto em território nacional e veda a comercialização de outras variantes do material, em virtude de reconhecida nocividade. Ponderava que a lei questionada estaria muito mais próxima, portanto, das convenções internacionais e da Constituição do que a própria lei federal. Dessarte, o tema do transporte perderia densidade significativa se confrontada com a proteção à saúde e ao meio ambiente, princípios regentes de toda a ordem econômica. O Min. Celso de Mello, por sua vez, ressurtia que, muito embora o espaço para legislar sobre o transporte de cargas perigosas tivesse sido ocupado pela União, a lei federal seria, incidenter tantum, inconstitucional, logo, inexistente. Haveria, então, espaço para a legítima atuação normativa do Estado-membro.
ADPF 234 MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 28.9.2011. (ADPF-234)
Telecomunicações e competência legislativa
Por vislumbrar aparente usurpação da competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações (CF, art. 22, IV), o Plenário deferiu pedido de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade, proposta pela Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas - Telecomp, a fim de suspender a eficácia do art. 1º, caput e § 1º, da Lei 5.934/2011 do Estado do Rio de Janeiro (“Art. 1º Dispõe sobre a possibilidade de acúmulo das franquias de minutos mensais ofertados pelas operadoras de telefonia. §1º Os minutos de franquia não utilizados no mês de sua aquisição serão transferidos, enquanto não forem utilizados, para os meses subseqüentes”). De início, reconheceu-se a legitimidade ad causam da requerente, bem assim a pertinência temática entre a atividade por ela desenvolvida e o objeto desta ação. Em seguida, reportou-se ao que decidido na ADI 4533 MC/MG (v. Informativo 637), no sentido de que norma estadual não poderia impor obrigações e sanções, não previstas em contratos previamente firmados, para empresas prestadoras de serviços de telecomunicações, ainda que ao argumento de defesa do consumidor, considerada a competência legislativa da União. Desse modo, reputou-se configurada a plausibilidade jurídica do pedido. Por fim, consignou-se a urgência deste, porquanto o artigo criaria obrigações formalmente inconstitucionais às prestadoras de telefonia fluminenses, interferindo no regular desempenho de suas atividades. O Min. Ayres Britto acedeu ao Colegiado, ressalvando entendimento pessoal diverso. Alguns precedentes citados:
ADI 4478 MC/AP e ADI 3343 MC/DF (v. Informativo 638). ADI 4649 MC/RJ, rel. Min. Dias Toffoli, 28.9.2011. (ADI-4649)
Lei federal 10.887/2004: previdência estadual e reajuste - 1
O Plenário deferiu pedido de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada pelo Governador do Estado do Rio Grande do Sul, para restringir a aplicabilidade do que contido no art. 15 da Lei federal 10.887/2004, na redação conferida pelo art. 171 da Lei 11.784/2008, aos servidores ativos e inativos, bem como aos pensionistas da União (“Os proventos de aposentadoria e as pensões de que tratam os arts. 1º e 2º desta Lei serão reajustados, a partir de janeiro de 2008, na mesma data e índice em que se der o reajuste dos benefícios do regime geral de previdência social, ressalvados os beneficiados pela garantia de paridade de revisão de proventos de aposentadoria e pensões de acordo com a legislação vigente”). Após retrospecto acerca das alterações normativas da matéria, a par da controvérsia de índole material, observou-se haver problemática alusiva à competência para dispor sobre revisão de proventos. No ponto, ressaltou-se que a Constituição, ao se referir a “lei”, remeteria, de regra, à federal. Por sua vez, consoante o art. 24, XII, da CF, surgiria competência concorrente da União, dos Estados-membros e do Distrito Federal para legislar sobre previdência social, proteção e defesa da saúde. Reputou-se forçoso concluir que a regência federal deveria ficar restrita, como previsto no § 1º do indicado art. 24, ao estabelecimento de normas gerais. Ademais, realçou-se não ser possível inferir que, no campo destas últimas, definir-se-ia o modo de revisão dos proventos dos servidores estaduais. Sob esse ângulo, entendeu-se, à primeira vista, relevante a alegação do mencionado ente federativo no que apontara o vício formal quanto à observância do preceito questionado aos respectivos servidores. Enfatizou-se que os citados artigos 1º e 2º do diploma legal versam o cálculo dos proventos no âmbito não só da União como também dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios. Além disso, frisou-se que, na Constituição gaúcha, haveria dispositivo a homenagear o princípio igualitário, considerados os servidores da ativa, os inativos e os pensionistas. Ponderou-se que, da mesma maneira que a normatização de revisão geral do pessoal da ativa caberia ao próprio ente federativo, competiria ainda a este legislar sobre o reajuste do que percebido pelos inativos e pelos pensionistas, sob pena de o sistema ficar capenga. Explicitou-se que, na espécie, ter-se-ia a regência da revisão do pessoal da ativa mediante lei estadual e dos inativos e pensionistas via lei federal. Ato contínuo, assinalou-se que nada justificaria esse duplo enfoque, cujo tratamento deveria ser uniformizado.
ADI 4582 MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 28.9.2011. (ADI-4582)
Lei federal 10.887/2004: previdência estadual e reajuste - 2
No tocante ao vício material, não se vislumbrou relevância suficiente a deferir-se a liminar. Registrou-se que o exame se dera em virtude do princípio da eventualidade. Destacou-se que se deveria considerar, para tanto, a redação contemporânea do art. 15 em comento, pois o teor primitivo fora suplantado. Sublinhou-se que a menção dele constante ao termo inicial — janeiro de 2008 — far-se-ia ligada ao fato de o diploma em tela ter sido editado no mesmo ano, procedendo-se à retroação, haja vista que a referência seria a janeiro, enquanto a lei, de setembro. Ao perquirir sobre o texto constitucional então vigente, entreviu-se que o dispositivo atacado acarretaria, justamente, a conveniente proteção das situações constituídas. Dessa forma, ao discorrer sobre a revisão de benefícios segundo o regime geral de previdência social, ressalvara os beneficiados pela garantia da paridade de revisão de proventos de aposentadorias e pensões de acordo com a legislação em vigor à época. A Min. Cármen Lúcia ratificou que índices e datas nada teriam de norma geral. O Min. Celso de Mello salientou a aparente ofensa ao princípio da Federação, tendo em vista a aludida sujeição dos servidores a critério heterônomo imposto de fora ao Estado-membro.
ADI 4582 MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 28.9.2011. (ADI-4582)
Inquérito e lavagem de capitais - 1
Por vislumbrar prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, o Plenário, em votação majoritária, recebeu, em parte, denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra deputado federal e outras 8 pessoas acusadas da suposta prática dos delitos de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, V e § 1º, II e § 4º) e de formação de quadrilha ou bando (CP, art. 288), rejeitando-a, no que concerne a este último delito, somente quanto ao parlamentar e sua mulher. No caso, a peça acusatória narrara o envolvimento de 11 pessoas — o parlamentar, sua esposa, seus 4 filhos, nora e genro, casal de doleiros e consultor financeiro naturalizado suíço — em pretensa ocultação e dissimulação da origem, da natureza e da propriedade de valores provenientes de delitos de corrupção passiva, alegadamente cometidos pelo parlamentar e seu filho, em virtude da condição de agente político do primeiro, prefeito à época dos fatos. Descrevera a inicial que, para a ocultação desses recursos financeiros, os denunciados se utilizariam de diversas contas bancárias — mantidas em instituições financeiras localizadas na Europa e nos Estados Unidos —, cujos titulares seriam empresas e fundos de investimentos offshore, de propriedade da família do parlamentar, o que caracterizaria organização criminosa voltada para a lavagem de capitais. Inq 2471/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 29.9.2011. (Inq-2471)
Inquérito e lavagem de capitais - 2
Constaria, ainda, a referência ao retorno desse numerário ao Brasil por meio da compra de títulos denominados ADR’s (American Depositary Receipts) de determinada empresa, pertencente à família do deputado federal, com o intuito de dissimular a origem dos valores. A denúncia fora inicialmente ofertada perante a justiça federal, sendo remetida ao Supremo ante a diplomação do acusado. Diante disso, a Procuradoria-Geral da República, ao ratificar a exordial, aditara-a para modificar período relativo ao 5º conjunto de fatos nela descritos, bem como requerera o desmembramento do feito, de modo que a tramitação nesta Corte ocorresse apenas em relação ao detentor de prerrogativa de foro. Na ocasião, o Colegiado mantivera decisão do Min. Ricardo Lewandowski, relator, que, por não entrever a participação direta do parlamentar nos conjuntos fáticos de números 5 a 8, encaminhara à origem os tópicos desmembrados — aqui incluído o casal de doleiros. Inq 2471/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 29.9.2011. (Inq-2471)
Inquérito e lavagem de capitais - 3
De início, rejeitou-se a preliminar de inépcia de denúncia genérica ao fundamento de que, em se tratando de atuação coletiva de agentes, cujos crimes teriam sido praticados por meio da colaboração de várias pessoas físicas e jurídicas, não seria razoável exigir-se, nesta fase processual, que o Ministério Público descrevesse de forma minuciosa os atos atribuídos a cada um dos denunciados, sob pena de adentrar-se em inextrincável cipoal fático. Além disso, as condutas dos agentes estariam de tal modo interligadas, a permitir sua análise sob um mesmo modus operandi. De igual modo, superou-se a alegação de que a exordial referir-se-ia a documentos que não constariam dos autos. Assinalou-se que o parquet posteriormente juntara novos documentos e mídia eletrônica, oportunidade em que os acusados puderam se manifestar. Repeliu-se, também, a assertiva de que o delito de lavagem constituiria mero exaurimento do crime antecedente de corrupção passiva. Aduziu-se que a Lei 9.613/98 não excluiria a possibilidade de que o ilícito penal antecedente e a lavagem de capitais subseqüente tivessem a mesma autoria, sendo aquele independente em relação a esta. Rechaçou-se a pretensa litispendência ou o risco de dupla penalização no que se refere a outra ação penal em curso no STF contra o parlamentar e seu filho, pois os delitos seriam diversos. Inq 2471/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 29.9.2011. (Inq-2471)
Inquérito e lavagem de capitais - 4
Ante a natureza permanente da lavagem de capitais, afastou-se o argumento de ofensa ao princípio vedatório de retroação da lei penal em prejuízo do réu. Sustentava a defesa que a peça ministerial imputaria aos denunciados fatos ocorridos antes da entrada em vigor da Lei 9.613/98. Consignou-se que, embora as transferências ilícitas de recursos para o exterior tivessem ocorrido antes de 4 de março de 1998, enquanto os valores correspondentes não viessem a ser legalmente repatriados ou remanescessem ocultos no exterior, o crime de lavagem de capitais continuaria sendo perpetrado. Os Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes fizeram a reserva de não se comprometerem com a tese, vindo a apreciá-la na ação penal. Nesse contexto, explicitou-se que o marco inicial da prescrição seria computado a partir do momento em que descoberto o delito, ou seja, quando o que estivesse oculto viesse a lume. No ponto, o Presidente somou-se ao Ministro Dias Toffoli para ressalvar seu entendimento quanto ao tema da prescrição. Em passo seguinte, considerou-se que os documentos oriundos da quebra de sigilo bancário dos acusados, enviados por governos estrangeiros às autoridades brasileiras, seriam hábeis para embasar a denúncia. Ademais, o Plenário, ao julgar outra ação penal ajuizada contra o parlamentar, autorizara utilização das provas em outros processos. Mencionou-se que toda a documentação que instruíra os autos fora colhida de modo lícito, com observância das garantias constitucionais dos denunciados. Inq 2471/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 29.9.2011. (Inq-2471)
Inquérito e lavagem de capitais - 5
Frisou-se não ser indispensável haver perfeita correspondência entre os valores tidos pela acusação como oriundos do crime de corrupção passiva e os movimentados, posteriormente, nas contas correntes mantidas no exterior pela família do deputado federal. Refutou-se, ainda, a alusão de dependência das regras descritas no § 1º em relação ao caput e aos incisos do art. 1º da Lei 9.613/98. Entendeu-se que essas seriam autônomas e subsidiárias, de modo a não haver impedimento para que os acusados, em mesma ação penal, respondessem separada e subsidiariamente por ações enquadradas em cada um dos preceitos, desde que existente prova da materialidade e indícios suficientes de autoria. Ressaltou-se que para a caracterização do delito de lavagem de capitais bastaria o cometimento de atos que objetivassem a ocultação patrimonial, sendo irrelevante o local em que operada a camuflagem, dado que em jogo crime de natureza transnacional. No que se refere ao consultor financeiro, enfatizou-se que, não obstante a carta rogatória expedida para a Suíça — com o objetivo de intimá-lo para fins de apresentação de defesa preliminar — não tivesse sido formalmente cumprida, sua finalidade fora atingida, haja vista que ele constituíra advogado para representá-lo neste inquérito, o qual tivera amplo acesso aos autos e demonstrara conhecimento inequívoco sobre os elementos componentes dos autos. Inq 2471/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 29.9.2011. (Inq-2471)
Inquérito e lavagem de capitais - 6
Por fim, resolveu-se questão de ordem suscitada da tribuna no sentido de que o 5º conjunto fático retornasse ao STF, uma vez que o mencionado aditamento, além de alterar o intervalo em que supostamente perpetradas as condutas, teria incluído nova imputação ao parlamentar. A defesa, durante o julgamento, informou que tramitariam perante a 1ª instância duas ações penais, porquanto o juízo, ao receber o traslado, procedera à separação entre os agentes brasileiros e o residente suíço. Argüiu que o juízo acatara a inicial quanto aos nacionais e não se manifestara no que se refere ao estrangeiro. Por maioria, reputou-se que o Supremo deveria apreciar esse grupo de fatos apenas no tocante ao titular da prerrogativa de foro. O relator asseverou que não haveria prejuízo ao parlamentar, já que amplamente se manifestara em defesa preliminar — apresentada antes do desmembramento — e quando da juntada de documentos adicionais. Explicou que, naquela oportunidade, concluíra, com base em elementos precários de cognição, pela inexistência de relação direta com o parlamentar. Agora, após examinar o conjunto indiciário, considerou que o fatos estariam tão imbricados que o aditamento deveria ser acolhido. Ademais, afirmou que essas acusações estariam incluídas no 3º conjunto fático. O Min. Cezar Peluso, Presidente, acrescentou que a anterior decisão da Corte, relativa ao desmembramento, não teria configurado verdadeiro arquivamento. Vencidos os Ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Marco Aurélio, que não conheciam da questão de ordem. Este aduzia não ser possível rever o arquivamento que favorecera o deputado sem que surgissem dados fáticos novos. Além disso, tendo em conta o princípio da segurança jurídica, apontava que a decisão do Pleno não estaria submetida à condição resolutiva. O primeiro, por sua vez, observava que o Tribunal teria outrora acatado a separação do feito. Inq 2471/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 29.9.2011. (Inq-2471)
Inquérito e lavagem de capitais - 7
No mérito, a partir de farta documentação probatória, a exemplo de pareceres técnicos, verificou-se a existência de indícios substanciais de que o delito de corrupção passiva, pressuposto para o recebimento da denúncia por lavagem de dinheiro, teria ocorrido por intermédio de um sistema de desvios de verbas pagas pela prefeitura a construtoras. Aludiu-se a conjunto de empresas que, durante anos, teriam vendido serviços fictos àquela, mediante remuneração de 10%. Afirmou-se, também por depoimentos testemunhais, que parte das propinas seriam remetidas ao exterior, com o auxílio de doleiros, para contas da família do parlamentar, com movimentação de aproximadamente US$ 1 bilhão. Assinalou-se que a mera ocultação de capitais já poderia configurar, por si só, o crime de lavagem. Entretanto, enalteceu-se o trabalho pericial realizado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, em que retratado o caminho percorrido pelo dinheiro retirado do país. Destacou-se que a elementar subjetiva “servidor público” comunicar-se-ia ao filho do parlamentar, não havendo impedimento para que fosse processado por corrupção passiva em co-autoria. Inq 2471/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 29.9.2011. (Inq-2471)
Inquérito e lavagem de capitais - 8
Registrou-se que não haveria como deixar de considerar que cada transferência internacional representaria, em tese, ajuda à pulverização do capital ilícito, a caracterizar elo que daria continuidade ao processo de ocultação patrimonial. Aduziu-se que esse raciocínio alcançaria os demais acusados que, de alguma forma, manipularam ou foram beneficiados com os recursos. Realçaram-se que as indicações, referências, comparações e conclusões do laudo elaborado pelo Ministério Público estadual seriam confirmadas por outro trabalho pericial efetivado por técnicos do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, da Secretaria Nacional de Justiça, órgão vinculado ao Ministério da Justiça. Anotou-se que, em 11.5.2006, por intermédio de comunicação oficial desse ente, a acusação tomara ciência dos documentos oriundos de autoridade norte-americana. Razão pela qual, em face da permanência do delito, não se cogitaria de prescrição. Para evitar a ocorrência de bis in idem, julgou-se o pleito ministerial improcedente quanto à imputação, em concurso material, de ocultação de recursos oriundos de crime praticado por organização criminosa (Lei 9.613/98, art. 1º, VII e § 4º). Correr-se-ia o risco de punir os acusados, duas vezes, por corrupção passiva, desta vez cometida por meio de organização criminosa. Inq 2471/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 29.9.2011. (Inq-2471)
Inquérito e lavagem de capitais - 9
Por outro lado, recebeu-se a denúncia quanto à formação de quadrilha ou bando (CP, art. 288). Entretanto, no que concerne ao parlamentar e à sua mulher, reconheceu-se a prescrição da pretensão punitiva, haja vista que ambos teriam mais de 70 anos de idade (CP, art. 115). Para o acolhimento da pretensão acusatória, levou-se em conta não só o fato de os denunciados integrarem a mesma família, mas também, consoante demonstrado para fins de cognição sumária e inaugural, a circunstância de serem sócios de várias pessoas jurídicas offshore, suspeitas de envolvimento na lavagem de capitais; transferirem recursos entre essas sociedades; e empregarem mecanismos societários complexos a dificultar a identificação de seus dirigentes. Ademais, conforme comprovado, essa associação objetivaria a prática de crimes. Advertiu-se inexistir empecilho para a exacerbação da pena, com base no § 4º do art. 1º da Lei 9.613/98, na hipótese de demonstração de que os crimes de lavagem de capital teriam sido perpetrados de modo habitual e reiterado. Vencido o Min. Marco Aurélio, que rejeitava a denúncia. Salientava que as práticas delituosas teriam ocorrido em 1998 e, em conseqüência, pronunciava a prescrição da pretensão punitiva quanto ao parlamentar. Esclarecia que o crime de lavagem se operaria com os atos e os fatos realizados, possuindo natureza instantânea. Determinava, por conseguinte, a baixa dos autos à justiça de primeiro grau relativamente aos demais envolvidos. Inq 2471/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 29.9.2011. (Inq-2471)
PRIMEIRA TURMA
Prefeito e crime de responsabilidade
A 1ª Turma deproveu recurso ordinário em habeas corpus em que pretendido o trancamento de ação penal ajuizada, com fulcro no art. 1º, II, do DL 201/67 [“Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal (sic), sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: ... II - utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos”], contra ex-prefeito que, no exercício do cargo, emprestara carro oficial a correligionário para fins particulares. Na espécie, o paciente colocara veículo da prefeitura à disposição de vereador que, ao se dirigir a evento festivo, na companhia de familiares e de terceiro, colidira o automóvel. Asseverou-se que o trancamento de ação penal somente seria possível em situações de extrema excepcionalidade, o que não seria o caso. O Min. Marco Aurélio destacou a minudência da denúncia e a temeridade de se admitir, existentes 5.567 municípios no Brasil, a reprodução desse fato em outras municipalidades.
RHC 107675/DF, rel. Min. Luiz Fux, 27.9.2011. (RHC-107675)
Fornecimento de medicamentos e ilegitimidade de Ministro de Estado
A 1ª Turma negou provimento a recurso ordinário em mandado de segurança interposto de decisão do STJ que extinguira ação originária, sem resolução de mérito, ao fundamento de que o Ministro da Saúde seria parte ilegítima para figurar no pólo passivo da demanda. Na espécie, a ora recorrente reiterava a alegação de necessidade urgente de certo medicamento de uso contínuo, o qual não possuiria condições para custear. Informava que o fármaco prescrito não integrava a cesta básica de medicamentos fornecidos pelo município onde reside e que este ente federativo não possuía recursos suficientes para atender à demanda. Sustentava ainda, que o Ministro da Saúde seria a autoridade competente para providenciar a correção da conduta, visto que, como gestor federal do SUS, poderia determinar a aquisição do remédio. Manteve-se o acórdão do STJ, pois o ato impugnado originar-se-ia de autoridade não prevista no permissivo constitucional — secretário municipal de saúde — a qual negara o fornecimento da medicação. Asseverou-se que quem não pratica ou ordena concreta e especificamente a execução ou inexecução de um ato não poderia figurar como autoridade coatora. Por fim, ressaltou-se não vislumbrados nos autos documentos que demonstrassem a prática de qualquer ato concreto ou omissivo do Ministro de Estado da Saúde que violasse direito da então impetrante.
RMS 26211/DF, rel. Min. Luiz Fux, 27.9.2011. (RMS-26211)
Vícios nas contas de ex-prefeito e ofensa à Constituição
A 1ª Turma iniciou julgamento de agravo regimental em agravo de instrumento no qual se discute a admissibilidade, ou não, de recurso extraordinário para impugnar julgado que considerara o agravante inelegível em razão de irregularidades nas contas prestadas. No caso, o Tribunal Superior Eleitoral - TSE rejeitara pedido de registro de candidatura de ex-prefeito por reputar insanáveis as irregularidades das contas, tendo em vista a não-aplicação de percentual mínimo da receita de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino. Alega o agravante que o TSE tem jurisprudência no sentido da impossibilidade de se afirmar, no âmbito de recurso especial eleitoral, se os vícios que ensejaram a rejeição de contas seriam, ou não, insanáveis. Argüi que, para a apreciação do recurso que interpusera perante o Supremo, não há que se proceder à análise de fatos ou de provas, ou mesmo de normas infraconstitucionais, senão dos comandos constitucionais que devem ser aplicados à espécie. O Min. Dias Toffoli, relator, manteve a decisão agravada e desproveu o recurso, ao fundamento de que a discussão configuraria ofensa meramente reflexa à Constituição. Após, pediu vista dos autos o Min. Marco Aurélio.
AI 747402 AgR/BA, rel. Min. Dias Toffoli, 27.9.2011. (AI-747402)
Reposição ao erário: contraditório e ampla defesa
A 1ª Turma, por maioria, concedeu mandado de segurança para suspender a majoração do desconto de 10% dos subsídios dos membros da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 23ª Região - AMATRA, mantido o valor de 1%. Tratava-se, na espécie, de writ impetrado contra ato praticado pelo Presidente do Tribunal de Contas da União - TCU, consistente na prolação de ordem para alteração do percentual de desconto efetuado nos salários dos associados da impetrante de 1% para 10% sobre o total dos vencimentos, destinado à reposição, aos cofres públicos, de valores indevidamente percebidos. À época, a legislação pertinente (Lei 8.112/90, art. 46, §1º) cominava o patamar máximo de 10% para o referido desconto e resolução administrativa do TRT da 23ª Região fixara o valor em 1% para o montante da retenção. Ocorre que, por determinação do TCU, com base na novel redação do mencionado dispositivo legal (“Art. 46. As reposições e indenizações ao erário, atualizadas até 30 de junho de 1994, serão previamente comunicadas ao servidor ativo, aposentado ou ao pensionista, para pagamento, no prazo máximo de trinta dias, podendo ser parceladas, a pedido do interessado. §1º O valor de cada parcela não poderá ser inferior ao correspondente a dez por cento da remuneração, provento ou pensão”), sobreviera resolução majorando o piso para 10%. Tendo em conta existir previsão legal em ambas as disposições do aludido artigo, destacou-se que essa elevação não ofendera ato jurídico perfeito. No entanto, asseverou-se que o aumento deveria ser precedido de contraditório e de ampla defesa, consoante o caput do citado diploma legal. Ressaltou-se que a comunicação prévia não ocorrera, o que fora comprovado mediante documentos que acompanhavam a inicial. Vencido o Min. Dias Toffoli, relator, que denegava a ordem por reputar inexistente ofensa a direito líquido e certo dos associados da impetrante, uma vez que posterior alteração do desconto não superara o teto legal da primitiva resolução.
MS 27851/DF, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 27.9.2011. (MS-27851)
SEGUNDA TURMA
Crime de perigo abstrato e embriaguez ao volante
A 2ª Turma denegou habeas corpus em que se pretendia o restabelecimento de sentença absolutória de denunciado pela suposta prática do delito tipificado no art. 306 do CTB [“Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”]. O paciente alegava a inconstitucionalidade da referida norma ao criar crime de perigo abstrato, na medida em que a modalidade do delito seria compatível apenas com a presença de dano efetivo. Aludiu-se que, segundo a jurisprudência do STF, seria irrelevante indagar se o comportamento do agente atingira, ou não, algum bem juridicamente tutelado. Consignou-se, ainda, legítima a opção legislativa por objetivar a proteção da segurança da própria coletividade.
HC 109269/MG, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 27.9.2011. (HC-109269)
Princípio da insignificância e rompimento de obstáculo
A 2ª Turma denegou habeas corpus em que requerida a aplicação do princípio da insignificância em favor de condenado por crime de furto qualificado com rompimento de obstáculo (CP: “Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. ... § 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido: I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa”). Na espécie, a defesa sustentava a atipicidade material da conduta, haja vista que a res furtiva fora avaliada em R$ 220,00. Na linha da jurisprudência firmada pela 2ª Turma, ratificou-se a inviabilidade da incidência do referido postulado aos delitos contra o patrimônio praticados mediante ruptura de barreira.
HC 109609/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, 27.9.2011. (HC-109609)
Mandado de segurança e direito individual de membro do Ministério Público
O Ministério Público não tem legitimidade para defender direito subjetivo, disponível e individual de seus membros. Com base nesse entendimento, a 2ª Turma desproveu agravo regimental interposto de decisão do Min. Ricardo Lewandowski que, em decisão monocrática da qual relator, extinguira o mandamus sem julgamento de mérito. No caso, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul impetrara mandado de segurança contra ato do Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP, que restringira a percepção de gratificação por membros que compusessem órgãos colegiados. Reputou-se que a legitimidade do parquet para impetração de writ restringir-se-ia à defesa de sua atuação funcional e a de suas atribuições institucionais.
MS 30717 AgR/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 27.9.2011. (MS-30717)