Informativo do STF 413 de 19/12/2005
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
ADI e Vício Formal
Por entender caracterizada usurpação à competência privativa do Chefe do Poder Executivo para iniciativa de leis que disponham sobre criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração (CF, art. 61, § 1º, II, a), o Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta proposta pelo Governador do Estado do Espírito Santo para declarar a inconstitucionalidade do percentual de 94,39%, a ser aplicado no cálculo dos vencimentos de delegados de polícia substitutos, previsto no Anexo II a que se refere o art. 9º da Lei Complementar Estadual 58/94, resultante de emenda parlamentar.
ADI 1470/ES, rel. Min. Carlos Velloso, 14.12.2005. (ADI-1470)
Rcl: Alteração do Edital de Venda do BEC - 2
Em conclusão de julgamento, o Tribunal proveu agravo regimental interposto pela União e o Banco Central do Brasil - BACEN contra decisão concessiva de liminar em reclamação na qual se impugnava, sob alegação de ofensa à autoridade da decisão do Supremo na ADI 3578 MC/DF (acórdão pendente de publicação), ato do Diretor do Banco Central do Brasil, consubstanciado no "Comunicado Relevante nº 04/2005/BC", que alterou o item 6.7.1.1 do Edital de Venda do Banco do Estado do Ceará S/A - BEC, estabelecendo exclusividade, em favor deste, na prestação de serviços bancários referentes ao pagamento de fornecedores, remuneração dos servidores públicos estaduais e a administração e custódia dos títulos públicos federais adquiridos pelo mencionado Estado-membro para eventual recompra das operações de crédito securitizadas - v. Informativo 411. Na linha do que decidido no RE 444056/MG (decisão pendente de publicação), entendeu-se que os valores destinados aos serviços contemplados no item 6.7.1.1 do Edital não constituem as disponibilidades de caixa de que trata o art. 164, § 3º, da CF, mas depósitos que, tendo por finalidade a satisfação da folha de pagamento e de outras despesas estatais, não estão à disposição do Estado-membro. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, Carlos Britto e Sepúlveda Pertence que negavam provimento ao recurso.
Rcl 3872 AgR/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ acórdão Min. Carlos Velloso, 14.12.2005. (Rcl-3872)
Improbidade Administrativa e Competência - 3
Retomado julgamento de reclamação na qual se alega usurpação da competência originária do STF para o julgamento de crime de responsabilidade cometido por Ministro de Estado (CF, art. 102, I, c) - v. Informativo 291. Na espécie, o reclamante insurge-se contra sentença proferida por juiz federal de primeira instância que, julgando procedente pedido formulado em ação civil pública por improbidade administrativa, condenara o então Ministro-Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República nas penalidades do art. 12 da Lei 8.429/92 e do art. 37, § 4º, da CF, em virtude da solicitação e utilização indevidas de aeronaves da Força Aérea Brasileira - FAB, bem como da fruição de Hotel de Trânsito da Aeronáutica. Abrindo divergência, o Min. Carlos Velloso, em voto-vista, julgou improcedente a reclamação por considerar que, no caso, a competência é do juízo federal de 1º grau. Entendendo que os agentes políticos respondem pelos crimes de responsabilidade tipificados nas respectivas leis especiais (CF, art. 85, parágrafo único), mas, em relação ao que não estiver tipificado como crime de responsabilidade, e estiver definido como ato de improbidade, devem responder na forma da lei própria, qual seja, a Lei 8.429/92, aplicável a qualquer agente público, concluiu que, na hipótese dos autos, as tipificações da Lei 8.429/92, invocadas na ação civil pública, não se enquadram como crime de responsabilidade definido na Lei 1.079/50. Após o voto do Min. Cezar Peluso, que acompanhava o voto do Min. Nelson Jobim, relator, pediu vista dos autos o Min. Joaquim Barbosa.
Rcl 2138/DF, rel. Min. Nelson Jobim, 14.12.2005. (Rcl-2138)
Extradição: Princípio da Preponderância e Crime Político
O Tribunal, por maioria, indeferiu pedido de extradição, formulado pelo Governo da Itália, de nacional italiano condenado pela prática de diversos crimes cometidos entre os anos de 1976 e 1977 naquele país. Salientando a jurisprudência da Corte quanto à adoção do princípio da preponderância (Lei 6.815/80, art. 77), entendeu-se aplicável, ao caso, o inciso LII do art. 5º da CF, que veda a extradição por crime político ou de opinião, uma vez que a exposição dos fatos delituosos imputados ao extraditando, não obstante, isoladamente, pudessem configurar práticas criminosas comuns, revestiam-se de conotação política, porquanto demonstrada, no contexto em que ocorridos, a conexão de tais crimes com as atividades de um grupo de ação política que visava à alteração da ordem econômico-social do Estado italiano. Ressaltou-se, ainda, a ausência da prática do delito de terrorismo, pois, embora os crimes tivessem sido cometidos por meio do uso de armas de fogo e elementos explosivos, nas sentenças condenatórias juntadas aos autos, não se demonstrara que a prática de tais atos pudesse ocasionar, concretamente, riscos generalizados à população. Vencida a Min. Ellen Gracie que concedia a ordem por considerar que os atos praticados pelo extraditando, tais como piquetes violentos, sabotagens de instalações, atuação de bando armado, importação ilegal de armas e explosivos consubstanciariam atos terroristas, e que a proteção que a CF confere ao crime político não se estenderia a autores de crimes de tal gênero. Ext 994/República Italiana, rel. Min. Marco Aurélio, 14.12.2005. (Ext-994)
Compensação de Créditos de ICMS - 2
Retomado julgamento de recurso extraordinário em que se discute se empresa contribuinte de ICMS pode abater, do valor do imposto devido pela venda de produto acabado (óleo lubrificante), os créditos decorrentes das operações de filial, situada em localidade diversa, quando da aquisição de insumos. Trata-se, na espécie, de recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que, mantendo a sentença proferida pelo juízo de primeiro grau, cancelara os créditos de ICMS obtidos na compra de insumos, ao fundamento de que as operações realizadas entre os estabelecimentos da recorrente seriam isentas do recolhimento do imposto, razão por que incidiria a regra do art. 155, § 2º, II, b, da CF ("II- a isenção ou não incidência, salvo determinação em contrário da legislação: ... b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;") - v. Informativo 241. O Min. Carlos Velloso, em voto-vista, acompanhando a divergência iniciada pelo Min Maurício Corrêa, negou provimento ao recurso, afirmando que, no caso, por não ter havido circulação de mercadoria com mudança de titularidade, não haveria que se falar em substituição tributária, devendo incidir a referida alínea b do inciso II do § 2º do art. 155 da CF. Em seguida, votaram os Ministros Joaquim Barbosa, Carlos Britto e Cezar Peluso, que acompanharam o voto do Min. Nelson Jobim, relator, no sentido de dar provimento ao recurso, por entender que, não tendo havido nem isenção nem não-incidência, mas, sim, substituição tributária, com diferimento da cobrança do imposto, o acórdão recorrido, ao vedar a compensação dos créditos obtidos pela recorrente, violou o princípio constitucional da não-cumulatividade (CF, art. 155, § 2º, I). Após, o julgamento foi adiado em razão de pedido de vista do Min. Gilmar Mendes.
RE 199147/RJ, rel. Min. Nelson Jobim, 15.12.2005. (RE-199147)
Cobrança de Juros Capitalizados - 2
Retomado julgamento de medida liminar em ação direta ajuizada pelo Partido Liberal - PL contra o art. 5º, caput, e parágrafo único da Medida Provisória 2.170-36/2001, que admitem, nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano - v. Informativo 262. O Min. Carlos Velloso, em voto-vista, acompanhou o voto do relator, Min. Sydney Sanches, que deferiu o pedido de suspensão cautelar dos dispositivos impugnados por aparente falta do requisito de urgência, objetivamente considerada, para a edição de medida provisória e pela ocorrência do periculum in mora inverso, sobretudo com a vigência indefinida da referida MP desde o advento da EC 32/2001, com a possível demora do julgamento do mérito da ação. Após, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Min. Nelson Jobim.
ADI 2316 MC/DF, rel. Min. Sydney Sanches, 15.2.2005. (ADI-2316)
Imunidade Parlamentar e Enunciado da Súmula 3 do STF
Declarando superado o Enunciado da Súmula 3 do STF ("A imunidade concedida a deputados estaduais é restrita a justiça do estado"), o Plenário negou provimento a recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Federal contra acórdão do STJ, proferido em habeas corpus, que, com base no disposto no § 2º do art. 53 da CF, revogara prisão preventiva do paciente, deputado distrital acusado da prática de crimes de formação de quadrilha, corrupção passiva, parcelamento irregular do solo urbano e lavagem de dinheiro (CF: "Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos ... § 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão."). Entendeu-se que, em razão do mandamento explícito do art. 27, § 1º, da CF/88, aplicam-se, aos deputados estaduais, as regras constitucionais relativas às imunidades dos membros do Congresso Nacional, restando superada, destarte, a doutrina da referida súmula (CF: "Art. 27. ... § 1º - Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-sê-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas.").
RE 456679/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 15.12.2005. (RE-456679)
Ato de Turma Recursal de Juizado Especial Criminal e Competência
O Tribunal iniciou julgamento de habeas corpus impetrado contra ato de Turma Recursal do Juizado Especial Criminal da Comarca de Araçatuba - SP em que se pretende, sob alegação de falta de justa causa, o trancamento de ação penal movida contra o paciente, delegado de polícia acusado da prática do crime de prevaricação (CP, art. 319). O Min. Marco Aurélio, relator, mantendo a liminar deferida, declinou da competência para o Tribunal de Justiça de São Paulo. Entendeu que a competência do Supremo está prevista de forma exaustiva (CF, art. 102, I), e que, ante a EC 22/99, cabe a ele processar e julgar, originariamente, o habeas corpus, quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam diretamente sujeitos a sua jurisdição, o que não ocorre no caso. Após o voto do Min. Carlos Velloso, que acompanhava o do relator, pediu vista dos autos o Min. Sepúlveda Pertence.
HC 86834/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 19.12.2005. (HC-86834)
Policiais Civis e Acesso Gratuito a Eventos
O Tribunal julgou improcedente pedido formulado em ação direta ajuizada pela Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis - COBRAPOL para declarar a inconstitucionalidade do art. 1º, e seu § 1º, da Lei 13.330/2003, do Estado do Ceará, que prevêem que os policiais militares, civis e bombeiros somente terão acesso gratuito a eventos realizados pela administração estadual em estádios de futebol quando designados para serviço no evento. Inicialmente, o Plenário não conheceu da ação relativamente aos policiais militares e bombeiros, em razão de a requerente não dispor de legitimidade universal. Na parte conhecida, concernente aos policiais civis, entendeu-se que o dispositivo em exame, ao invés de violar, atende ao que determina o inciso XIII do art. 5º da CF ("é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer"), porquanto franqueia o acesso aos estádios de futebol dos policiais civis e bombeiros que lá se encontrem em serviço.
ADI 3000/CE, rel. Min. Carlos Velloso, 19.12.2005. (ADI-3000)
Aquisição de Propriedade e Competência Legislativa
Por entender caracterizada a ofensa à competência privativa da União para legislar sobre direito civil (CF, art. 22, I), o Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado do Pará para declarar a inconstitucionalidade do art. 316, caput, e §§ 1º e 2º, da Constituição do referido Estado-membro e do art. 44 do seu ADCT, que prevêem a aquisição do domínio de terras estaduais por quem possuí-las por mais de 40 anos ininterruptos sem contestação e regulam o registro de propriedade mediante comprovação das cadeias dominiais.
ADI 3438/PA, rel. Min. Carlos Velloso, 19.12.2005. (ADI-3438)
Servidor Público em Estágio Probatório: Greve e Exoneração
O Tribunal iniciou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis - COBRAPOL contra o parágrafo único do art. 1º do Decreto 1.807/2004, do Governador do Estado de Alagoas, que determina a exoneração imediata de servidor público em estágio probatório, caso fique comprovada sua participação na paralisação do serviço, a título de greve. O Min. Carlos Velloso, relator, julgou improcedente o pedido formulado e declarou a constitucionalidade do dispositivo em exame, por entender que o direito de greve do servidor público depende de lei específica, nos termos do inciso VII do art. 37 da CF ("o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica"), norma que não tem, portanto, aplicabilidade imediata. Após, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do Min. Gilmar Mendes.
ADI 3235/AL, rel. Min. Carlos Velloso, 19.12.2005. (ADI-3235)
PRIMEIRA TURMA
Substituição de Testemunha e Prazo Legal
A Turma deferiu habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática dos crimes previstos nos artigos 12 e 14 da Lei 6.368/76 e no art. 10, § 2º da Lei 9.437/97, cujo advogado não se manifestara sobre a substituição de testemunha não encontrada no juízo deprecado, porque o referido fato não lhe fora comunicado. Entendeu-se que à falta de norma específica na referida Lei 6.368/76, a qual determina, em seu art. 20, a aplicação subsidiária do CPP, deve-se aguardar pelo menos os três dias previstos no art. 405 do CPP, prazo esse a ser contado da intimação específica do fato de a testemunha não ter sido localizada, o que não ocorrera, na espécie. Desse modo, asseverou-se que, se não encontrada a testemunha, não basta a mera juntada da carta precatória aos autos, se do seu retorno a defesa não teve ciência inequívoca. Ademais, rejeitou-se a alegação de que a defesa deveria ter sido intimada da data da audiência de oitiva da outra testemunha. No ponto, aplicou-se a orientação consolidada do STF no sentido de que para a produção da prova testemunhal em comarca diversa, basta seja a defesa intimada da expedição da carta precatória. HC deferido para anular o processo a partir da abertura de prazo para as alegações finais do Ministério Público, tão-somente quanto ao paciente, que deve ser intimado para se manifestar quanto ao interesse na substituição da testemunha que não fora inquirida. Precedentes citados:
HC 75474/SP (DJU de 9.5.2003); MS 25647/DF (pendente de publicação). HC 87027/RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 13.12.2005. (HC-87027)
Princípio do Promotor Natural e Delegação pelo PGR
A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus impetrado em favor de juiz do TRF da 2ª Região denunciado pela prática do crime de falsidade ideológica (CP, art. 299 c/c art. 61, II, g), consistente na afirmação de sua competência para o julgamento de processos em curso naquele Tribunal, por suposta prevenção. No caso concreto, o Órgão Especial do STJ recebera a denúncia e afastara o paciente do exercício de suas funções. Impugnava-se, na espécie, sob alegação de ofensa ao princípio do promotor natural, a validade da portaria do Procurador-Geral que, com base no art. 48, II e parágrafo único, da LC 75/93, designara a Subprocuradora-Geral signatária da denúncia para oficiar no inquérito em que se fundara a inicial. Sustentava-se, também, a inconstitucionalidade do citado art. 48, II e parágrafo único, da citada LC, objeto da ADI 2913/DF (julgamento pendente de conclusão). Inicialmente, rejeitou-se a argüição de inconstitucionalidade, aduzindo não existir na Constituição alicerce normativo à pretendida redução das atribuições processuais do PGR ao âmbito material da competência do STF. Assim, não haveria impedimento à mencionada LC reservar ao PGR outras funções perante o STJ. No tocante à delegação, entendeu-se incabível a distribuição, dado seu pressuposto ser a pluralidade de órgãos com idêntica competência material e, na hipótese, por definição legal, o promotor natural da causa é o PGR. Nesse sentido, ressaltando que a delegação, quando autorizada por lei, é forma indireta de exercício da atribuição delegante, conferida igualmente por lei, asseverou-se que a LC 75/93 só impusera como limite que a delegação tivesse por destinatário um Subprocurador-Geral. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio que, considerando ocorrente designação específica, já que o inquérito não fora distribuído entre os Subprocuradores em atuação no Tribunal a quo, consoante resoluções existentes à época, concedia a ordem para declarar insubsistente a denúncia formalizada, sem prejuízo de que outra fosse oferecida.
HC 84630/RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 15.12.2005. (HC-84630)
Falsidade Ideológica e Decisão Judicial
Em julgamento conjunto com o writ acima transcrito, a Turma concedeu habeas corpus em que se sustentava a ocorrência da aludida prevenção e a atipicidade da conduta imputada ao paciente, haja vista tratar-se de decisão judicial, a qual não poderia ser objeto material do crime de falsidade ideológica. Ressaltando que a denúncia se circunscrevera às decisões prolatas pelo paciente sobre a sua própria competência para relatar os processos, sem mencionar intenções ocultas para tanto, considerou-se que no tocante às decisões judiciais seria pertinente distinguir entre solução de questões de direito das questões de fato. Naquelas, asseverou-se que não há de se cogitar do crime de falsidade, uma vez que elas serão sempre a expressão de um juízo de interpretação e não a afirmação de um fato, válido ou inválido, não cabendo a sua classificação em verdadeiro ou falso. Quanto aos prismas factuais da decisão, afirmou-se que eles também devem ser diferenciados em duas espécies. Uma é aquela em que o magistrado emite juízo de avaliação das provas, com o objetivo de solver questão de fato controvertida, em que poderão estar caracterizados elementos de outros crimes, que não o previsto no art. 299 do CP, pois a decisão judicial não certifica a veracidade do fato controvertido que afirma provar. Outra é quando o prolator insere, na decisão, afirmativa falaciosa de um fato tido por incontroverso. Assim, aduzindo existir nexo de causalidade entre os pedidos e os processos anteriores dados como determinantes da prevenção, entendeu-se desnecessário verificar, ante as leis processuais e as normas regimentais aplicáveis, se correta ou não a afirmativa da prevenção, visto que, acaso incorreta, terá havido erro de direito que, se propositado, pode ensejar, em tese, a persecução por outros tipos penais, menos o de falsidade ideológica. Por fim, assentou-se que a denúncia não seria idônea e que não existiria outro fato determinado que permitisse dar nova classificação típica ao que descrito. HC deferido para trancar o processo penal instaurado contra o paciente, sem prejuízo de que os fatos objeto da denúncia recebida possam servir de base para a formulação de outra, por delitos diversos. Por maioria, a Turma decidiu deixar explícito que o trancamento do processo penal importa a cassação da decisão que, em razão do recebimento da denúncia, afastara o paciente de sua função no TRF da 2ª Região. Vencidos, neste ponto, os Ministros Sepúlveda Pertence, relator, e Carlos Britto.
HC 84492/RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 15.12.2005. (HC-84492)
Nulidade Absoluta e Laudo Antropológico
A Turma deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus interposto por índios Guajajara condenados por crime de latrocínio pela justiça estadual, sem que fossem realizadas as perícias antropológica e biológica, para se aferir, respectivamente, o grau de incorporação à sociedade e a idade dos pacientes. No caso concreto, os mencionados laudos não foram efetivados ao argumento de que o tema estaria precluso, bem como de que seriam desnecessários, haja vista a existência de outros elementos capazes de evidenciar o pretendido. Tendo em conta que a questão de preclusão é puramente de direito, passível de análise em habeas corpus, entendeu-se pelo afastamento do aludido óbice, uma vez que se trata de nulidade absoluta e a ausência de requerimento da perícia somente poderia ser atribuída ao Ministério Público. No ponto, asseverou-se que o grau de instrução e a maioridade não se presumem e que a sua demonstração é ônus do parquet, a quem caberia comprovar a legitimidade ad causam dos pacientes. Ademais, ressaltando que a nulidade não decorre propriamente da falta de perícia, que não se exige, quando não necessária, aduziu-se que nos autos não se encontram demonstrados fatos que concretizem as conclusões das instâncias anteriores. RHC provido para anular o processo a partir da decisão que julgou encerrada a instrução, permitindo-se a realização de perícias necessárias para a verificação do grau de integração dos pacientes e para aferir a idade de dois deles. Mantida, no entanto, a prisão, dado que, anulada a condenação, restabelece-se o decreto da prisão preventiva antecedente, cuja validade não é objeto do recurso.
RHC 84308/MA, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 15.12.2005. (RHC-84308)
SEGUNDA TURMA
Corrupção Passiva e Encontro Fortuito de Provas - 1
A Turma iniciou julgamento de habeas corpus impetrado em favor de Subprocurador-Geral da República denunciado pela suposta prática do crime de corrupção passiva (CP, art. 317, §1º, c/c art. 61, II, g), consistente no recebimento de vantagens indevidas, em decorrência de sua participação em processos judiciais, nos quais não poderia atuar como advogado, por intervir, valendo-se do seu cargo, como membro do Ministério Público e por envolver a União e/ou autarquias. No caso concreto, a partir de investigações procedidas na denominada "Operação Anaconda", autorizadas pelo TRF da 3ª Região, surgiram indícios de envolvimento do paciente nesses fatos. Em razão disso, requereu-se ao STJ, em fase preambular de procedimento penal regido pela Lei 8.038/90, a realização de busca e apreensão nos endereços do paciente, bem como a quebra dos seus sigilos bancário, fiscal, telefônico, telemático e de dados. Alega-se, na espécie, ofensa ao devido processo legal (CF, art. 5º, LIV e LV; Lei 8.038/90, artigos 4º e 5º), à garantia de fundamentação das decisões judiciais (CF, art. 93, IX), ao princípio protetor da intimidade (CF, art. 5º, X) e das inviolabilidades do domicílio (CF, art. 5º, XI) e do sigilo de comunicação de dados (CF, art. 5º, XII). Ademais, sustenta-se a generalidade da denúncia, a atipicidade da conduta, baseada em procedimento instaurado perante instância incompetente, e a ausência de justa causa para a persecução penal, uma vez que não demonstrada a existência de nexo causal entre a conduta do paciente e a prática, omissão ou retardamento de ato de seu ofício como Subprocurador, com atuação perante o STJ. Por fim, requer-se o trancamento da ação penal em trâmite na Corte Especial do STJ e a não utilização dos elementos obtidos com a decisão que determinara a busca e apreensão e a mencionada quebra.
HC 84224/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 13.12.2005. (HC-84224)
Corrupção Passiva e Encontro Fortuito de Provas - 2
O Min. Gilmar Mendes, relator, deferiu o writ para que seja declarada a nulidade de todos os atos praticados desde a propositura da denúncia, sem qualquer prejuízo de outra que, de modo fundamentado e nos termos do art. 41 do CPP, faça referência às provas que já foram colhidas na oportunidade da execução da ordem de busca e apreensão e da quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico. Tendo em conta a jurisprudência do STF, que exige, para a configuração do crime de corrupção passiva, a descrição minudenciada acerca do modo pelo qual o denunciado teria praticado o ato tido por criminoso, considerou a denúncia inepta, porquanto imprecisa ao descrever a conduta típica e realizar o devido enquadramento legal. Quanto ao "encontro fortuito de provas", entendeu possível, com fundamento em doutrina alemã, a valoração dos conhecimentos fortuitos de provas que concedam lastro probatório mínimo para persecução penal em sede de ação penal legitimamente instaurada. Salientou que, no caso, as investigações iniciais cumpriram o escopo específico para o qual foram designadas e que, em face de conexões supervenientes, foram requeridas novas diligências para a apuração do suposto envolvimento do paciente. No ponto, rejeitou as alegações de descumprimento da garantia da fundamentação das decisões judiciais e de constrangimento ilegal no tocante à violação das prerrogativas constitucionais de sigilo e inviolabilidade da intimidade, do domicílio e da comunicação de dados. Afastou, de igual modo, o argumento de incompetência, haja vista que no momento da prolação da decisão, esta fora emanada por autoridade judicial constitucionalmente competente, nos termos do art. 105, I, a, da CF. Por outro lado, reputou transgredido o princípio do devido processo legal, pela não observância da fase do contraditório preambular prevista nos artigos 4º e 5º da Lei. 8.038/90, dado que não se oportunizara ao paciente a possibilidade de se manifestar, previamente, sobre o recebimento da denúncia. Após, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do Min. Joaquim Barbosa.
HC 84224/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 13.12.2005. (HC-84224)
Segurança Jurídica e Modulação Temporal dos Efeitos
A Turma negou provimento a recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Federal em que se sustentava ofensa ao art. 37, II, da CF, sob a alegação de que qualquer forma de investidura em cargo público, quer inicial ou derivada, exige aprovação prévia em concurso público. No caso concreto, o TRF da 4ª Região, em ação civil pública, reconhecera a inconstitucionalidade da promoção, por concurso interno, de servidores do TRT daquela região, mas emprestara efeito ex nunc ao julgado, uma vez que à época dos fatos (entre 1987 e 1992) vigiam dispositivos da Lei 8.112/90 que autorizavam essa forma de provimento derivado vertical, cuja declaração de inconstitucionalidade, pelo STF, ocorrera somente em 1997 (ADI 837/DF, DJU de 25.6.99), sendo a medida cautelar concedida, em 1993, com efeitos ex nunc. Ressaltando a jurisprudência da Corte no sentido da impossibilidade do provimento derivado dos cargos públicos, mediante ascensão funcional, asseverou-se que, na espécie, tratar-se-ia de ação em processo subjetivo e que os atos questionados ocorreram sob a égide de legislação que os possibilitava. Entendeu-se que o desfazimento desses provimentos causaria, consoante assentado no acórdão impugnado, dano muito maior à Administração Pública e atentaria contra os princípios da segurança jurídica e da boa-fé.
RE 442683/RS, rel. Min. Carlos Velloso, 13.12.2005. (RE-442683)
ISS: Não Incidência e Instituições Financeiras
A Turma reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que, em mandado de segurança, declarara legítima a cobrança do ISS pelo Município do Rio de Janeiro sobre serviços praticados por instituições financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central, ao fundamento de que incide a Lei Municipal 2.277/94, uma vez que a isenção prevista na LC Federal 56/87 configura restrição ao poder de tributar do Município, a qual não mais prevalece na vigência da atual Constituição (art. 151, III). Aplicando a orientação firmada pelo STF no sentido de que a lista de serviços contida no anexo da aludida Lei Complementar é taxativa, definindo quais os serviços passíveis de tributação pelo ISS, asseverou-se que as atividades exercidas pelas recorrentes estão excluídas dessa tributação (itens 44, 46 e 48). No ponto, afastou-se a aplicação do art. 151, III, da CF, porquanto não se trata de isenção, mas, sim, de hipótese de não incidência tributária. Assim, entendeu-se que a Lei Municipal 2.277/94 não deve ser aplicada, já que fizera incidir a exação sobre serviço não previsto na LC 56/87. Precedentes citados:
RE 236604/PR (DJU de 6.8.99) e RE 116121/SP (DJU de 29.5.2001). RE 361829/RJ, rel. Min. Carlos Velloso, 13.12.2005. (RE-361829)
Falsidade Ideológica e Grilagem no Estado do Pará - 2
A Turma concluiu julgamento de habeas corpus em que se pretendia o trancamento de ação penal instaurada contra denunciado pela suposta prática do crime de falsidade ideológica (CP, art. 299), sob a alegação de incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o feito e de inépcia da denúncia, por falta de justa causa. No caso concreto, o paciente, na qualidade de sócio-gerente de empresa proprietária de fazenda, teria requerido certidões a respeito do imóvel rural, com o intuito de regularizá-lo perante órgãos públicos, mesmo sabendo de sua origem fraudulenta - v. Informativo 402. Indeferiu-se o writ. Entendeu-se que a competência da Justiça Federal estaria justificada pelo prejuízo que a União, o INCRA e a FUNAI teriam sofrido em terras de seu domínio, como conseqüência da grilagem no Estado do Pará, da qual se teria beneficiado a empresa do paciente. Ademais, considerou-se que a conduta descrita configuraria, em tese, fato típico, ressaltando que a denúncia imputara ao paciente a prática do crime de falsidade ideológica porque teria feito inserir, em documentos, declarações que sabia serem falsas, com o objetivo de alterar a verdade sobre fatos juridicamente relevantes. Por fim, asseverou-se que o habeas corpus não seria a via adequada para se proceder à análise de provas em processo criminal que se encontra em fase inicial para se demonstrar que o paciente não tivera envolvimento ou conhecimento da formação de matrícula fundiária ideologicamente falsa.
HC 85547/PA, rel. Min. Carlos Velloso, 13.12.2005. (HC-85547)
Advogado e Falsidade Ideológica - 3
A Turma concluiu julgamento de habeas corpus impetrado em favor de advogado acusado da suposta prática do crime de falsidade ideológica (CP, art. 299), consistente no fato de ter redigido e juntado, em autos de processo penal, declaração de conteúdo falso, assinada, a seu pedido, por testemunha de acusação, que presenciara delito de homicídio imputado a cliente do causídico. No caso concreto, a referida declaração, em que lançava dúvidas sobre a autoria do homicídio, fora anexada quando a testemunha já havia feito o reconhecimento visual do acusado de homicídio e prestado depoimento em juízo, sendo que, reinquirida posteriormente no Tribunal do Júri, afirmara que teria assinado a declaração porque o paciente lhe assegurara que o conteúdo do documento não modificaria o depoimento já prestado - v. Informativo 412. Por maioria, deferiu-se o writ ao fundamento de inexistência de dano relevante, entendendo que a declaração ofertada não pode ser considerada documento para os fins de reconhecimento do tipo penal previsto no art. 299 do CP. Asseverou-se que, neste processo, a situação não haveria de ser tida como absolutamente distinta da do precedente suscitado pelo simples fato de que o documento fora registrado em cartório. No ponto, considerou-se que a declaração seria inócua para o convencimento do magistrado acerca da autoria ou da materialidade delitiva, haja vista que a testemunha confirmara em juízo a versão inicial de seu depoimento, contrária ao que contido no documento.
HC 85064/SP, rel. orig. Min. Joaquim Barbosa, rel. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, 13.12.2005. (HC-85064)
Lei 10.409/2002 e Inobservância de Rito
Por inobservância do art. 38 da Lei 10.409/2002, a Turma, por maioria, deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus interposto por condenado pela prática do crime de tráfico de entorpecentes (Lei 6.368/76, art. 12), cuja citação para oferecimento de defesa prévia, por escrito, no prazo de 10 dias, não fora realizada. Entendeu-se que não se assegurara ao recorrente o exercício do contraditório prévio determinado pelo aludido dispositivo legal (Lei 10.409/2002: "Art. 38. Oferecida a denúncia, o juiz, em 24 (vinte e quatro) horas, ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias...;"). Vencida a Min. Ellen Gracie, que negava provimento ao recurso por considerar não demonstrado o prejuízo à defesa, uma vez que a matéria que se pretendia alegar naquela fase fora deduzida em outros momentos processuais. RHC concedido para invalidar o procedimento penal, desde o recebimento da denúncia, inclusive, determinando a expedição de alvará de soltura.
RHC 86680/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 13.12.2005. (RHC-86680)
Cabimento de RE e Direito Adquirido
Por se registrar empate na votação, a Turma deliberou determinar, nos termos do disposto no art. 150, § 2º, do RISTF ("Art. 150. O Presidente da Turma terá sempre direito a voto... § 2° Persistindo a ausência, ou havendo vaga, impedimento ou licença de Ministro da Turma, por mais de um mês, convocar-se-á Ministro da outra, na ordem decrescente de antiguidade."), o encaminhamento ao Min. Sepúlveda Pertence de agravo regimental em agravo de instrumento interposto pela União contra decisão monocrática do Min. Celso de Mello, relator, que negara provimento ao agravo, por considerar inviável o recurso extraordinário a que ele se refere, ao argumento de que a alegada ofensa ao art. 100 da CF não fora prequestionada (Súmulas 282 e 356 do STF) e que a violação a direito adquirido (CF, art. 5º, XXXVI) envolve discussão pertinente a tema de caráter infraconstitucional. Na sessão de 22.2.2005, o Min. Relator, manteve a decisão agravada. Em voto-vista, o Min. Gilmar Mendes, entendendo que as questões sobre direito adquirido são de índole constitucional, deu provimento ao regimental para admitir o correspondente agravo de instrumento. E, considerando o agravo instruído com todos os elementos suficientes ao conhecimento e decisão sobre o mérito do recurso extraordinário (CPC, art. 544, § 3º), proveu-o, em parte, para afirmar a inexistência de direito adquirido do recorrido, no que diz respeito à manutenção, como vantagem remuneratória, dos "quintos" incorporados à sua remuneração quando membro do Ministério Público, asseverando que os valores recebidos no curso da ação, de boa-fé e fundados em ordem judicial, não devem ser devolvidos. A Min. Ellen Gracie acompanhou a divergência e o Min. Carlos Velloso, o voto do Min. Celso de Mello.
AI 410946 AgR/DF, rel. Min. Celso de Mello, 13.12.2005. (AI-410946)